Peter Sloterdijk em uma foto de 2019.
Foto: VICENS GIMENEZ
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
9 de maio de 2020
Peter Sloterdijk: “O regresso à frivolidade não vai ser
fácil”
Para o grande filósofo alemão é evidente a necessidade de um
“escudo universal para a humanidade”
Por Ana Carbajosa
Do outro lado do telefone, a voz de Peter Sloterdijk está
fraca. O grande filósofo alemão explica que não está muito bem neste dia, mas
imediatamente desata a falar e lança as ideias que o novo universo da pandemia
estruturam em sua cabeça. No centro, um conceito que já havia trazido à tona e
que agora assume um novo significado, o da coimunidade, do compromisso
individual voltado à proteção mútua, que marcará a nova maneira de estar no
mundo, segundo o autor de Crítica da Razão Cínica e da trilogia de Esferas.
Sloterdijk (72 anos, Karlsruhe) não acha que o mundo se tenha tornado grande
demais para nós, nem que tenha chegado a hora do recolhimento nacional. Pelo
contrário, acredita que a extrema interdependência ficou evidente e requer “uma
declaração geral de dependência universal”.
PERGUNTA. A dimensão da pandemia paralisou e atordoou as
sociedades. O que acontecerá quando despertarmos e o medo diminuir?
RESPOSTA. O mundo em sua concepção como gigantesca esfera de
consumo se baseia na produção coletiva de uma atmosfera frívola. Sem
frivolidade, não há público nem população que mostre inclinação ao consumo. O
vínculo entre a atmosfera frívola e o consumismo foi rompido. Todo o mundo
espera agora que esse vínculo volte a ser reconectado, mas vai ser difícil.
Depois de uma disrupção tão grande, o retorno aos padrões de frivolidade não
será fácil.
P. Nessa esfera frívola, pensávamos ser capazes de controlar
a natureza com tecnologia sofisticada, mas o vírus nos deixou de joelhos. Nossa
maneira de estar no mundo mudará?
R. O problema é a atmosfera frívola e que não aprendamos
nada novo com esta pandemia. Se olharmos para a história das sociedades
modernas, elas estiveram impregnadas de surtos relativamente regulares, mas, no
passado, as pessoas tendiam a voltar aos seus hábitos comuns de existência. O
novo agora é que vemos que, por causa da globalização, a interconectividade das
vidas humanas na Terra é mais forte e precisamos de uma consciência
compartilhada da imunidade. A imunidade será a grande questão filosófica e
política após a pandemia.
P. Como essa ideia de proteção mútua se insere na situação
atual?
R. O conceito de comunidade implica aspectos de
solidariedade biológica e de coerência social e jurídica. Essa crise revela a
necessidade de uma prática mais profunda do mutualismo, ou seja, proteção mútua
generalizada, como digo em Você Tem que Mudar a Sua Vida.
“A imunidade será a grande questão filosófica e política
após a pandemia”
P. A comunidade internacional parece caminhar na direção
oposta. Atualmente, vemos mais competição do que cooperação.
R. Vejo, no futuro, a competição pela imunidade ser
substituída por uma nova consciência da comunidade, pela necessidade de
promover a comunidade, fruto da observação de que a sobrevivência é indiferente
às nacionalidades e às civilizações.
P. Hoje os países fecham as suas fronteiras e se recolhem a
si mesmos.
R. Sim, mas as fronteiras são para os moradores de ambos os
lados. Não devemos interpretar de modo errado. O bem-estar da saúde nacional
também ajuda os vizinhos. Se controlamos nossos problemas de saúde, também
ajudamos nossos vizinhos, e não devemos interpretar esse auto-cuidado como uma
regressão nacionalista. Ao contrário, se todos forem cuidadosos em seu
território, darão uma enorme contribuição aos demais.
P. O Estado-Nação reemerge com força no meio da emergência,
mas, ao mesmo tempo, nunca os países dependeram tanto uns dos outros.
R. Nos dois últimos séculos, a maior preocupação das
entidades políticas, dos Estados-nação, girou em torno da independência. No
futuro, precisamos de uma declaração geral de dependência universal; a ideia
básica de comunidade. A necessidade de um escudo universal que proteja todos os
membros da comunidade humana não é mais algo utópico. A enorme interação médica
em todo o mundo está provando que isso já funciona.
P. Nossas democracias correm perigo ou as liberdades serão
reabilitadas após os estados de alarme?
R. Em todo o mundo, agora, estão lembrando que a necessidade
de um Estado forte é algo que acompanhará nossa existência por um longo
período, porque parece que é único disponível para solucionar problemas. Isso é
complicado porque poderia corromper nossas demandas democráticas. No futuro, o
público em geral e a classe política terão a tarefa de monitorar um retorno
claro às nossas liberdades democráticas.
P. As forças populistas agora parecem deslocadas, mas cresce
o medo de que se alimentem da frustração. Que impacto o senhor acha que a
pandemia terá no populismo?
R. Todo mundo precisa entender que esses movimentos não são
operacionais, que têm atitudes pouco práticas, que expressam insatisfações, mas
que de modo algum são capazes de resolver problemas. Acho que serão os
perdedores da crise. O público terá entendido que você não pode esperar nenhuma
ajuda deles.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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