Médicos usavam máscaras com bico de pássaro durante a peste
bubônica
Foto: Wikimedia Commons
Publicado originalmente no site da revista GALILEU, em 5 de abril de 2020
Por que na peste bubônica médicos usavam máscaras com
"bico de pássaro"?
Naquela época, acreditava-se que a vestimenta (que não
incluía apenas a máscara) poderia purificar o ar envenenado — balela pura
Por Marília Marasciulo
Causada por uma bactéria transmitida por pulgas de animais
pequenos (principalmente ratos), a peste bubônica foi uma das doenças mais
temidas do mundo. Com sintomas que se assemelhavam aos da gripe, incluindo
febre, dor de cabeça e vômito, a enfermidade evoluía para inflamação dos
gânglios linfáticos e, sem tratamento, provocava morte de 30% a 90% dos
infectados em um período de dez dias. Não à toa, a pandemia que assolou Europa,
Ásia e África no século 14 e vitimou 50 milhões de pessoas (cerca de um terço
da população europeia na época) ficou conhecida como “Peste Negra”.
No século 17, novos surtos da doença fizeram surgir uma
imagem que se tornou emblemática e até hoje é associada à peste: médicos com um
vestido que os cobria da cabeça aos pés e uma máscara com um bico de pássaro. A
razão por trás dos trajes esquisitos (e levemente assustadores) é o
desconhecimento científico acerca das causas da doença.
Naquela época, a teoria corrente para a disseminação de
doenças infecciosas era a miasmática. Formulada pelo médico inglês Thomas
Sydenham e o italiano Giovanni Maria Lancisi, defendia que as moléstias tinham
origem nos miasmas, o conjunto de odores fétidos que vinham de matéria orgânica
em putrefação e da água contaminada. Eles causariam um desequilíbrio nos
fluidos corporais do paciente, e acreditava-se que perfumes fortes poderiam
proteger da peste.
A lógica das máscaras era justamente essa: evitar que o
miasma chegasse ao nariz dos médicos. Preenchidas com teriaga, uma combinação
com mais de 55 ervas e outras especiarias que desde a Grécia Antiga era tida
como um antídoto para qualquer envenenamento, a ideia era que a forma de bico
proporcionasse tempo o suficiente para purificar o ar.
O responsável pela criação foi o médico Charles de Lorme,
que cuidou da realeza francesa durante o século 17, entre eles o rei Luís XIII.
Além da máscara esquisita, o visual era composto por uma camisa por dentro de
calças que se conectavam a botas, um casaco coberto por cera perfumada, chapéu
e luvas feitos de couro de carneiro, além de uma vara para afastar os doentes.
Séculos depois, ficou provado que a roupa só servia mesmo
como fantasia — especialmente na Itália, o visual icônico aparecia em peças de
teatro do gênero “commedia dell’arte” e no carnaval, utilidade que perdura até
hoje (ironicamente, os últimos dois dias do carnaval de Veneza de 2020 foram
cancelados por causa da propagação do novo coronavírus).
A teoria microbiana, confirmada no fim do século 19 e aceita
até hoje, estabeleceu que os microrganismos são os verdadeiros causadores de
inúmeras doenças, entre elas a peste. Os trajes deram lugar aos antibióticos,
de fato eficazes e usados até hoje.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistagalileu.globo.com
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