Enfermaria no Rio em 1918 - Foto: Biblioteca Nacional
Digital (Via Agência Senado),
postada pelo blog “Demanda WEB” para
ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente no site do Portal INFONET, em
6 de abril de 2020
A gripe espanhola de 1918 e o que nós podemos aprender com
ela
Por Katty Cristina Lima Sá (Do blog GETEMPO)
Mestranda em História Comparada pela UFRJ (Bolsista Capes)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
e-mail: katty@getempo.org
No ano de 1918, próximo ao fim da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), a enfermidade até então conhecida por “febre das trincheiras” saiu
dos fronts e se espalhou pelo mundo. Esta nova gripe foi rebatizada de
“espanhola”, mas não era originária da Península Ibérica, e sim dos campos
militares norte-americanos. Tal nomenclatura é explicada pela transparência da
Espanha na divulgação dos fatos sobre o contágio em seu território, o que se
contrapôs a nações como Grã-Bretanha, em que a Royal Academy of Medicine
procurou ocultar a gravidade e amplitude da doença.
No Brasil, as primeiras informações sobre a gripe espanhola
foram notificadas pela imprensa em agosto de 1918, porém com tom de descaso.
Ora, tratava-se apenas de uma gripe comum, uma “limpa-velhos”. Fora isso, no
contexto de conflito bélico mundial, as teorias da conspiração logo foram
difundidas, especialmente a seguinte: uma nova “bactéria” havia sido
desenvolvida pela Alemanha como estratégia para alcançar vitória na Grande
Guerra. Atualmente, sabemos que as influenzas são provocadas por vírus que,
eventualmente, evoluem de forma natural.
A descrença inicial da imprensa e a postura do governo
brasileiro, tida como relapsa, não impediram a disseminação da gripe espanhola
em nosso país. Na então capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, o primeiro
caso foi registrado em setembro de 1918, após 23 dias o número de doentes havia
atingido os 930. Em relação a São Paulo, estimou-se que 2/3 da população tenha
sido contaminada. Apesar da taxa de mortalidade marcar cerca de 1%, as ruas
dessas cidades foram esvaziadas de pessoas vivas e repletas de cadáveres
empilhados, muitos deles enterrados em valas comuns. Os caixões estavam em
falta. A doença, que parecia acometer apenas os mais idosos, também demonstrou
seu poder perante a faixa etária considerada menos vulnerável, a dos 20 aos 40
anos.
A escassez de alimentos tornou-se notável, bem como os
saques, as notificações de suicídios e os transtornos mentais, denominados de
“loucuras coletivas” ou “epidemias mentais”. O quadro agravou-se ainda mais
devido à crise econômica, a alta do desemprego e a inexistência no Brasil de um
sistema de saúde público, universal e gratuito que oferecesse assistência às
classes mais baixas. Ademais, ainda que tenha vitimado muitos da classe
operária, tal pandemia se mostrou democrática ao ponto de custar a vida do ex-presidente
Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1918), que faleceu prestes a assumir
seu segundo mandato.
O quadro retratado remete ao caos e nos faz refletir acerca
do futuro em meio a atual pandemia de COVID-19. Contudo, os casos de
solidariedade do passado também merecem ser ressaltados: na cidade de São
Paulo, por exemplo, houve intensas campanhas para a arrecadação de roupas e
mantimentos destinados aos mais pobres, e entidades filantrópicas trabalharam
no auxilio àqueles que não tinham socorro médico. Para nós, em 2020, cabe
seguir parte dos conselhos publicados no jornal O Estado de São Paulo há um
século: evite aglomerações, não faça visitas, cuidem da higiene – nossos
antepassados atentaram para nariz e garganta, mas nós ficaremos com as mãos – tenha
um trato ainda mais reforçado para com os idosos. E não podemos esquecer-nos
que, se possível, fique em casa e pense naqueles que não possuem esse mesmo
privilégio.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/blogs
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