Enfermeira cuida de um paciente no hospital Walter Reed, em
Washington,
durante a epidemia de gripe de 1918. (LIBRARY OF CONGRESS/AP).
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
30 de março de 2020
Lições de 1918: as cidades que se anteciparam no
distanciamento social cresceram mais após a pandemia
Estudo conclui que as maiores restrições não apenas reduziram
a mortalidade, mas também mitigaram o golpe econômico da chamada gripe
espanhola nos Estados Unidos.
Por Ignacio Fariza
Em tempos insólitos e “inexperimentados” ― termo cunhado
pelo brilhante filósofo espanhol Emilio Lledó para se referir a estes meses
viróticos ― convém mais que nunca olhar para trás, até um dos poucos
precedentes em que podemos encontrar alguma luz sobre os efeitos econômicos de
uma pandemia: a mal chamada gripe espanhola de 1918. Todas as precauções são
poucas: o mundo e a economia mudaram, e muito, desde então. Mas a epidemia de
gripe no início do século passado, segundo estimativas dos pesquisadores Sergio
Correia, Stephan Luck e Emil Verner, também deixa algumas lições válidas para
se enfrentar o choque econômico do coronavírus. Entre elas, que as cidades que
se anteciparam na adoção de medidas de distanciamento social e foram mais
agressivas em sua aplicação “não só não tiveram um desempenho pior, mas
cresceram mais rápido quando a pandemia passou”. E que “intervenções não farmacológicas
[entre elas, o fechamento de escolas, teatros e igrejas; a proibição de
reuniões públicas e funerais; a colocação em quarentena dos casos suspeitos e a
restrição nos horários de abertura dos negócios] não apenas reduziram a
mortalidade, mas também mitigaram as consequências econômicas adversas da
pandemia", concluíram os pesquisadores, os dois primeiros do Federal
Reserve dos EUA e do Federal Reserve de Nova York e o terceiro, do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT).
“Intervenções não farmacológicas podem ter retornos
econômicos, para além da redução da mortalidade”, concluem os três
pesquisadores no estudo, publicado na última quinta-feira e divulgado pela
Bloomberg. A experiência “sugere” que as cidades que adotaram maiores medidas
de distanciamento social “também cresceram mais no médio prazo”, o que os leva
a concluir que a pandemia “deprimiu a economia, mas as intervenções de saúde
pública, não”. Contudo, o estudo destaca as diferenças na hora de traçar
paralelos entre aquele episódio de gripe e o coronavírus: o ambiente econômico
estava marcado pelo final da Primeira Guerra Mundial e aquela doença foi muito
mais letal do que a Covid-19, especialmente para os trabalhadores jovens, o que
leva a pensar em um choque econômico maior naquela ocasião do que hoje. Por
outro lado, hoje a economia está infinitamente mais interconectada, com cadeias
de suprimentos transnacionais e um peso muito maior do setor de serviços e das
tecnologias da informação, “fatores que não podem ser capturados na análise”,
como reconhecem os autores.
A pandemia de gripe do início do século XX, que se prolongou
de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e se espalhou por meio mundo, infectando
500 milhões de pessoas (um terço da população mundial na época) e matando 50
milhões, provocou uma redução média de 18% na produção industrial em escala
estatal. As regiões mais expostas também registraram um maior volume de
falências de empresas e famílias. “Esse padrão”, enfatiza o estudo ―intitulado,
de forma contundente Pandemics depress the economy, public health interventions
do not: evidence from the 1918 flu (Pandemias deprimem a economia, intervenções
de saúde pública, não: evidências da gripe de 1918) ―, “é consistente com a
ideia de que as pandemias deprimem a atividade econômica por meio de reduções
tanto na oferta como na distribuição de demanda. E, importante, as quedas na
produção são persistentes: as áreas mais afetadas permaneceram deprimidas em
relação às menos expostas até 1923”.
Por que medidas restritivas estão associadas a uma melhor
saída da economia do buraco? É verdade, afirmam Correia, Luck e Verner, que
estas "restringem a atividade econômica". “Mas, em uma pandemia, a
atividade econômica também se reduz sem elas, já que as famílias diminuem o
consumo e a oferta de trabalho para evitar serem infectadas. Portanto, essas
medidas podem resolver problemas de coordenação associados ao combate à
transmissão da doença e mitigar a ruptura econômica vinculada à pandemia",
acrescentam. Segundo suas cifras, uma reação 10 dias antes da chegada da gripe
aumentou o emprego na indústria em cerca de 5% no período posterior à doença. E
a ampliação das medidas de distanciamento social por mais 50 dias elevou essa
taxa de emprego industrial em 6,5%.
Difícil saída em V da crise
"A lógica econômica em tempos de pandemia, hoje e na
época, simplesmente difere da lógica econômica em tempos normais",
esclarece Verner por telefone. "Uma pandemia é economicamente tão
destrutiva em si mesma que medidas restritivas, se bem projetadas, ajudam a
reduzir o golpe". Pode-se aprender alguma coisa com a pandemia de 1918 com
relação ao tempo que levará para a recuperação da atividade? "Não é fácil
tirar conclusões contundentes e é preciso que sejamos prudentes, mas, se a
experiência da época sugere alguma coisa, é que a saída em V [queda rápida,
recuperação rápida] será difícil: o impacto provavelmente será mais duradouro e
a saída mais provável, em forma de U ou W”, acrescenta o professor do MIT.
A “evidência dos relatos”, destaca a pesquisa, sugere alguns
paralelos entre os resultados obtidos no estudo da epidemia da gripe e o da
pandemia de coronavírus registrada neste período inicial de 2020: países que
aplicaram medidas de distanciamento social em um estágio inicial da pandemia,
como Taiwan e Cingapura, “não só limitaram o crescimento da infecção: também
parecem ter mitigado a pior disrupção econômica causada pela pandemia”. As
lições hoje vêm do Oriente.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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