Parte do grupo de risco, idosos com suspeita de coronavírus
precisam conviver
com a incerteza sobre a doença e com a solidão (Direito de imagem - GETTY IMAGES)
Publicado originalmente no site da BBC NEWS BRASIL, em 01 de abril de 2020
'A solidão dos idosos não muda, essa é a pior parte': o
desabafo de enfermeira que cuida de casos de coronavírus
Por Vinicius Lemos
Da BBC News Brasil
Na semana passada, um idoso de 82 anos foi internado em um
hospital particular de São Paulo (SP) com febre e intensos problemas
respiratórios. Ele tossia insistentemente. Durante dias, permaneceu sozinho na
unidade de saúde. A família não pôde acompanhá-lo, porque era um caso suspeito
para o novo coronavírus — o exame até o momento não ficou pronto. Ele não
resistiu às complicações de saúde e morreu. Não se despediu dos parentes.
"Ele morreu sozinho. A família foi informada que ele
estava mal, mas não pôde vê-lo", relata a enfermeira Marcia Cristina de
Jesus, que lidera uma equipe que acompanha pacientes confirmados ou com
suspeita do novo coronavírus. O hospital em que ela trabalha tem três andares
destinados somente a casos relacionados ao vírus.
A profissional de 52 anos, sendo 25 deles atuando na área da
saúde, afirma que esse é o período mais estressante e apreensivo da sua
carreira. Em relação aos pacientes com o novo coronavírus, ela diz que a
solidão torna tudo mais difícil. "Eles não podem receber visitas e ficam
ali, à espera dos resultados dos exames, sem saber se realmente têm o
coronavírus", relata à BBC News Brasil.
Ela frisa que os registros de complicações graves em
decorrência do coronavírus não se restringem aos idosos. "Há muitos casos
de jovens na faixa dos 27 a 40 anos também. Essa ideia de que só acomete os
mais velhos é errada", declara.
No hospital em que ela trabalha, um homem de 30 anos morreu
por suspeita de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus — o exame
ainda não ficou pronto.
Em meio aos problemas de saúde causados pelo Sars-Cov-2,
como é chamado oficialmente o novo vírus, os pacientes precisam lidar com a
solidão, porque nenhum ente querido pode se aproximar, para evitar a propagação
do vírus. Os pacientes ficam dias ou semanas internados sozinhos.
Casos de coronavírus têm crescido exponencialmente em todo o Brasil e as
maiores vítimas são os mais velhos (Direito de imagem - GETTY IMAGES)
Marcia comenta que os idosos, que fazem parte do principal
grupo de risco da covid-19, são os que mais têm dificuldades para entender o
momento de solidão enquanto estão internados. "Muitos dos jovens lidam
melhor com isso. Eles são mais ansiosos e se preocupam mais em pensar quando
vão embora", diz.
"Já os idosos, muitos deles não conseguem entender por
que estão ali. Alguns familiares se aproveitam um pouco da situação para
deixá-los sozinhos por muito tempo. Essas pessoas mais velhas têm uma sensação
de solidão, tristeza e de muita impotência", relata a enfermeira.
Especialistas apontam que é frequente a dificuldade de
idosos em lidar com a solidão após o diagnóstico do coronavírus, ou enquanto
aguardam o resultado do exame.
Durante a solidão do isolamento, podem surgir também os
pensamentos relacionados ao fim da vida. No Brasil, até terça-feira (31), havia
201 mortes em decorrência do novo coronavírus — a grande maioria das vítimas
são pessoas idosas.
"Nesse momento de isolamento, esses idosos se veem
afastados dos seus familiares e entes queridos e isso é sentido por eles como
um abandono. Eles sabem que é algo necessário, mas não deixa de ser um
abandono. Isso os coloca em contato com a aproximação da morte, da fragilidade
e da impotência diante da doença", explica Sergio Kodato, professor de
psicologia social da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto
"Há aqueles idosos que reagem com garra e determinação
em meio a tudo isso. Mas a maioria acaba desanimada com a situação",
acrescenta Kodato.
A solidão na pandemia
A recomendação para que não haja acompanhantes em casos de
pacientes com suspeita do novo coronavírus é para evitar que parentes se
exponham desnecessariamente aos riscos de contrair o vírus. "Quanto mais
idoso é o paciente, mais vai precisar dos cuidados da equipe de enfermagem, porque
precisaremos prestar todos os cuidados que o acompanhante faria", explica
Marcia.
Cuidados da equipe médica e atenção com pacientes idosos podem ajudá-los a enfrentar período de solidão (Direito de imagem - GETTY IMAGES)
Assim que um paciente chega a uma unidade de saúde como
suspeito de coronavírus, a orientação do Ministério da Saúde é que ele seja
tratado como se realmente tivesse o vírus. Por isso, ele é colocado em
isolamento e os profissionais que o acompanham passam a usar Equipamentos de
Proteção Individual (EPI).
A medida é tomada para evitar possível propagação do
Sars-Cov-2. No Brasil, em razão dos poucos testes disponíveis, o tempo médio
que a pessoa espera para receber o resultado do exame é de sete dias a duas
semanas — a previsão é de que o prazo diminua futuramente, após o país adquirir
22 milhões de testes.
Quando o estado clínico do paciente é considerado bom, a
equipe médica o libera para ficar em isolamento em sua própria casa, à espera
dos resultados. Também nesse caso, a solidão se torna constante.
"Eles não podem ter contato com os parentes em casa.
Para os mais velhos, a situação é muito semelhante ao hospital e eles podem se
incomodar muito", pontua Márcia. Os mais novos, em muitos casos, buscam entretenimento
em meios digitais como celular, computador ou videogame.
No hospital, aqueles que ficam internados nem sempre
conseguem usar o celular ou ler um livro como distração. "Muitos pacientes
com o a covid-19 não têm disposição no hospital. A falta de ar, causada pelo
coronavírus, deixa muitos cansados. Os mais jovens costumam levar celular para
se distrair, já os idosos não costumam levar nada", detalha Márcia.
Os pacientes mais jovens, segundo a enfermeira, ficam
ansiosos quando estão internados à espera do exame. "Os pacientes com
idade profissionalmente ativa ficam estressados e com muita ansiedade nesse
período", relata. Já os idosos, segundo ela, são mais calmos. "Muitos
não demonstram ansiedade para ter o resultado", pontua.
A antropóloga Mirian Goldbenberg, que estuda sobre os
idosos, disse em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo que o
coronavírus evidenciou uma situação já vivida pelos mais velhos: a ideia de que
são inúteis, um peso para a sociedade e que precisam ser controlados.
Para especialistas, coronavírus reforçou sentimentos de idosos de que podem
ser um fardo para os mais próximos (Direito de imagem - GETTY IMAGES)
Para ela, se a mortalidade do novo coronavírus fosse maior
entre crianças e adultos jovens, o comportamento da sociedade seria diferente.
A estudiosa afirma que há uma visão de que quando a pessoa envelhece, pode ser
eliminada. "Mesmo antes da epidemia, muitos (idosos) sentiam que viviam
uma espécie de morte simbólica. O valor que se dá a essas pessoas mais velhas é
quase nulo, socialmente e dentro de casa", disse em entrevista à Folha.
Um dos fatores que aumentam o sentimento de solidão entre os
idosos enquanto estão no hospital, segundo o psicólogo Sergio Kodato, é
justamente a ideia de que são um fardo. "Se não houver apoio da família ou
de pessoas próximas, esse paciente pode acabar se entregando à doença",
diz.
Em busca de um conforto
Entre as equipes que acompanham os pacientes, há aquelas,
como a da Márcia, que buscam confortar os pacientes internados. "Os idosos
ficam mais tristes com o passar dos dias sozinhos. A nossa equipe, então, tenta
transmitir um pouco de carinho. Conversamos e até cantamos para eles, às vezes.
Procuramos manter um pouco de humor e serenidade diante da correria de 12 horas
de plantão", comenta a enfermeira, que trabalha durante a madrugada, a
cada dois dias.
"A gente tenta melhorar os dias deles, mas sabe que a
solidão não muda. Acho que essa é a pior parte, além da doença em si",
diz.
O psicólogo Sergio Kodato ressalta que a falta de apoio de
entes queridos, ainda que a distância, pode causar dificuldades no tratamento
de saúde do paciente, principalmente se for idoso. "A solidão é um pouco
depressiva porque te obriga a ficar introspectivo. Quando você está enfrentando
tudo isso sozinho, é como se estivesse lidando com um fenômeno maior e tende a
se sentir impotente e aí começa um diálogo com a morte. Isso, de certa forma,
pode acelerar o processo de morte", declara.
Ele afirma que há medidas simples de demonstração de afeto
de entes queridos que podem melhorar o dia do paciente, principalmente os
idosos. "Os familiares ou amigos podem pedir para a equipe médica levar
algum recado para que a pessoa se sinta mais confortável, ainda que distante.
Isso é muito importante para a pessoa que está internada sozinha", diz.
Os casos
O primeiro registro do coronavírus no Brasil foi em 24 de
fevereiro. Um empresário de 61 anos, que mora em São Paulo (SP), foi infectado
após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à região italiana da
Lombardia, a mais afetada do país europeu que tem mais casos fora da China.
De acordo com o Ministério da Saúde, o empresário de 61 anos
tinha sintomas como febre, tosse seca, dor de garganta e coriza. Parentes dele
passaram a ser monitorados. Dias depois, exames apontaram que uma pessoa ligada
ao paciente também estava com o novo coronavírus e transmitiu o vírus para uma
terceira pessoa. Todos permaneceram em quarentena em suas casas, pelo período
de, ao menos, 14 dias.
Após o primeiro caso, outros diversos registros passaram a
ser feitos no Brasil. Muitos vieram de países com inúmeros casos do novo
coronavírus, mas depois foram registrados casos de transmissão local e, por
fim, comunitária.
Duas semanas depois, foi anunciado que o empresário de 61
anos está curado da doença provocada pelo novo coronavírus.
Pacientes com coronavírus deverão ficar em quarentena
Direito de imagem - GETTY IMAGES
Cuidados
A principal recomendação de profissionais de saúde que
acompanham o surto é simples, porém bastante eficiente: lavar as mãos com sabão
após usar o banheiro, sempre que chegar em casa ou antes de manipular
alimentos.
O ideal é esfregar as mãos por algo entre 15 e 20 segundos
para garantir que os vírus e bactérias serão eliminados.
Se estiver em um ambiente público, por exemplo, ou com
grande aglomeração, não toque a boca, o nariz ou olhos sem antes ter antes
lavado as mãos ou pelo limpá-las com álcool. O vírus é transmitido por via
aérea, mas também pelo contato.
Também é importante manter o ambiente limpo, higienizando
com soluções desinfetantes as superfícies como, por exemplo, móveis e telefones
celulares.
Para limpar o celular, pode-se usar uma solução com mais ou
menos metade de água e metade de álcool, além de um pano limpo.
Texto e imagens reproduzidos do site: bbc.com/portuguese/brasil
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