Publicado originalmente no site EL PAÍS, em 29/JUL/2018
O prazer da solidão
Nossa agenda, inclusive durante as férias, deve incluir um
tempo para estar com nós mesmos, sem celular e sem televisão
Por Pilar Jericó
Somos animais sociais, já dizia Aristóteles. Precisamos dos
outros para viver e dar sentido ao que fazemos. Mas também precisamos estar com
nós mesmos, sem interrupções, sem telefones celulares ou redes sociais e sem
nada que implique ruído externo. Não falamos da solidão profunda, que nos aterroriza,
mas de um tempo para refletir, que nos ajuda a sermos mais exigentes, mais
criativos e mais felizes. Quase nada. Vamos ver por que ela é benéfica e como
consegui-la.
Primeiro, saber conviver com a solidão nos torna mais
livres. Quando nos angustiamos ao estarmos sozinhos, nos aferramos a
relacionamentos que podem ser nocivos ou a propósitos dos quais no fundo não
gostamos, mas que nos aliviam. Na medida em que sabemos conviver sozinhos com
nós mesmos (não estamos falando em ser ermitãos, que é outra coisa), podemos
ser mais exigentes com aqueles que nos rodeiam e, claro, isso nos ajuda a
termos mais autoconhecimento.
Segundo, a ciência provou que a solidão nos permite
valorizar mais o que temos. Nos anos noventa, Reed Larson, professor de desenvolvimento
humano da Universidade de Illinois, realizou um estudo com adolescentes pedindo
que levassem um pager. Durante alguns dias, tiveram de informar com quem
estavam, o que faziam e como se sentiam. O estudo mostrou que quando estavam
sozinhos estavam mais tristes, mas, curiosamente, depois desse tempo, quando
voltavam a estar em companhia, seus indicadores de felicidade aumentavam mais
comparativamente. De certa forma, podemos dizer que a solidão age como uma
bússola, que nos faz valorizar mais o que temos ou, como Larson resume, “age
como um remédio amargo”.
E finalmente, nos ajuda a desenvolver mais nossos talentos.
Os grandes cientistas não teriam chegado às suas conclusões se não tivessem
tido espaços para realizar seu trabalho de modo solitário. Mesmo os líderes
mais admirados precisam assumir a solidão na tomada de certas decisões que nem
sempre são compreendidas, mas que são necessárias, segundo a análise publicada
na Harvard Business Review. Se não dedicarmos tempo para trabalhar sozinhos,
será difícil desenvolver todo o nosso potencial, porque a pressão de grupo nem
sempre tem um impacto positivo sobre nós.
Em suma, se certa solidão é boa, precisamos colocar um
parêntesis no ambiente e aprender a estar com nós mesmos. Portanto, deveríamos
fazer uma pergunta simples: quanto tempo passamos por dia sem que o mundo ou as
obrigações nos distraiam? Nossa agenda, inclusive durante as férias, deve
incluir um tempo para estar com nós mesmos, sem celular, sem televisão. O
objetivo não é criar uma solidão guiada por redes sociais ou pela televisão,
mas um tempo que nos permita refletir, desfrutar dos nossos hobbies, praticar
esporte ou simplesmente não fazer nada. E embora isso não seja compreendido por
aqueles que nos rodeiam ou estejamos no meio de uma grande balbúrdia,
precisamos defendê-lo juto ao parceiro, a família ou os amigos. Só assim
seremos capazes de nos conhecer melhor, descansar e desfrutar mais das pessoas
que estão ao nosso lado.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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