Fachada da última loja Blockbuster que continua aberta ao público.
O Blockbuster chegou a ter 9.000 lojas nos EUA.
Publicado originalmente no site do El País Brasil, em 22 JUL 2018
Réquiem (e culto) para a última locadora Blockbuster do
planeta
Videoclube do estado de Oregon se transformou em local de
peregrinação de turistas cinéfilos e bastião do cinema analógico
Por Carlos Megía
Bend, no estado do Oregon, é o arquétipo da pequena cidade
norte-americana. Tem 90.000 habitantes, uma rua principal que a divide, um rio
(o Deschutes) com parques em ambas as margens e alguns atletas ilustres em seus
livros de história recente. Um filho pródigo, Ashton Eaton, brilhante atleta do
decatlo olímpico; e outro adotivo, o ciclista vencedor da Volta da Espanha,
Chris Horner. Os moradores de Bend se divertem no histórico cinema Tower,
sofrem com cada cesta dos Trail Blazers (time de basquete de Portland) e fazem
fila nos fins de semana para almoçar no McKay Cottage, um restaurante familiar
famoso por suas panquecas e seus ovos Benedict com bacon. Uma boa paragem
natural para quem curte as caminhadas por trilhas, a escalada ou o ciclismo de
montanha rodeia o núcleo urbano, fazendo do turismo um dos pontos fortes de sua
economia. A grande recessão castigou a cidade com força em 2009, quando o
desemprego superou os 17% e o preço dos imóveis despencou mais de 50%. Mas os
negócios se recuperaram nos últimos tempos, com a taxa de criação de postos de
trabalho mais alta do país (6,6%). Essa normatividade cotidiana, que mataria de
tédio qualquer personagem adolescente saído de um filme clássico dos anos
oitenta, é desbaratada por uma singular atração, que tem feito Bend ser
manchete no mundo inteiro e um cenário instagrameavel por excelência: o último
videoclube Blockbuster do planeta.
Das 9.000 lojas nos Estados Unidos, o Blockbuster passou a
ter apenas uma. Deixou de abrir uma filial a cada 17 horas para fechá-las com
um ritmo similar ao de um beat de música trance. Com o fechamento de duas lojas
no Alasca agora em julho, a locadora de Bend é o último bastião que a decadente
multinacional de aluguel de filmes —que há anos, paradoxalmente, virou sinônimo
de longas campeões de bilheteria— mantém em funcionamento. Transformada numa
espécie de reivindicação, num refúgio nostálgico que os turistas fotografam, a
loja é um pilar da comunidade de Bend. Os que passam por ali perguntam ao
gerente, Sandi Harding, por que a vitrine exibe a palavra ‘Open’. Já os
moradores continuam seguindo suas prescrições cinematográficas, sem ligar para
o big data digital. “Em casa, você não pode escolher o filme, segurá-lo nas
mãos, ler a sinopse na caixa, ter essa experiência. Acho que isso é o que faz
falta”, disse à Time o irredutível gerente, no comando da loja desde maio de
2005 e sem planos de fechar o negócio no curto prazo.
As duas lojas Blockbuster que acabam de fechar no Alasca
viraram notícia há poucos meses graças ao programa informativo (e satírico) da
HBO Last Week Tonight with John Oliver. O apresentador tentou estender a vida
das locadoras enviando-lhes objetos de cena adquiridos por ele mesmo no leilão
que o ator Russell Crowe organizou ao se divorciar. Uma coquilha (protetor
genital) usado pelo ator australiano durante a filmagem de A Luta Pela
Esperança foi exibida na loja de Anchorage (Alasca) desde maio passado, mas
esse recurso não foi suficiente. Os longos e frios invernos desse estado
norte-americano, além do alto custo da conexão à Internet, tiraram o oxigênio
desses penúltimos redutos do império do entretenimento já derrocado. No caso de
Bend, sua sobrevivência só se explica pelo compromisso de uma vizinhança
formada por um grande número de aposentados pouco interessados em se juntar à
revolução do streaming.
Desde que a viuvez da locadora de Harding veio à tona,
dezenas de usuários correram ao Google para escrever entusiasmadas resenhas
sobre a loja, que hoje tem uma pontuação de 5,8/5 no famoso buscador. A
esmagadora maioria desses críticos jamais pisou na cidade. “Nunca estive lá,
mas eles merecem cinco estrelas por manter a loja funcionando. Mantenham vivo o
sonho”, diz um deles. “Eu e um pequeno grupo de cinéfilos vamos peregrinar até
este lugar sagrado”, afirma outro. “A dinastia Blockbuster deve regressar. Os
moradores de Bend foram escolhidos para iniciar a revolução que trará de volta
os videoclubes”, conclui um ativista beligerante. Portland, a cidade mais
populosa do Estado e considerada o coração do hipsterismo dos EUA, tem em Bend
outra razão para justificar esse epíteto.
A pirataria e o auge imparável das plataformas de conteúdo
sob demanda derrubaram, com uma curva igualmente vertiginosa, as empresas
analógicas como o Blockbuster. Os responsáveis pela poderosa Netflix gostam de
lembrar que foi uma multa de 40 dólares (152 reais, no câmbio de hoje), por não
devolver a tempo o filme Apolo 13, que fez com que tivessem sua brilhante
ideia. A plataforma nasceu como uma alternativa aos videoclubes, mas sem
precisar das lojas físicas, baseando-se no envio dos filmes pelo correio por
uma módica quantia. Em 2000, o Blockbuster podia comprar a então diminuta firma
emergente, avaliada em 50 milhões de dólares (190 milhões de reais), mas
rejeitou a proposta —com a arrogância que o sucesso confere—, argumentando que
a Netflix tinha um nicho de público muito limitado e priorizando o modelo de
pagamento por cada aluguel. Com o tempo, e a posterior aposta da Netflix no
terreno digital, o Blockbuster pagaria caro pela decisão. O outrora Golias
declarou falência em 2010. Quatro anos antes, fechou suas 94 lojas na Espanha
(chegou a ter mais de 100) e demitiu 688 funcionários. Hoje, a Netflix é
avaliada em mais de 100 bilhões de dólares (380 bilhões de reais).
Os nostálgicos da rede de locadoras podem viajar a Bend e
passear por entre as suas compridas prateleiras, repletas de lançamentos e
clássicos da sétima arte. Se a viagem for proibitiva para você, é possível
realizá-la nas redes sociais: o enclave mais fotografado no Instagram
localizado nessa cidade é, como não podia deixar de ser, a fachada do último
bastião do cinema que já nunca mais será. Mas se você tiver a oportunidade de
ir até lá e decidir alugar um filme, por favor lembre-se de rebobiná-lo antes
de devolver.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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