Oráculos de Papel
Como a autoajuda se transformou no gênero que alavanca os
números do mercado editorial no Brasil e no mundo
Por Livia Deodato | Ilustrações Lucas Levitan
De problemas de saúde a questões políticas, o Oráculo de
Delfos, mais importante centro religioso da Grécia Antiga, atendia de cidadãos
comuns a governantes e filósofos que estavam em busca de conselhos assertivos.
Logo na entrada, a inscrição “conhece-te a ti mesmo” se tornou a base da
filosofia que conhecemos hoje, difundida inicialmente por Sócrates. Sem dúvida,
era o primeiro movimento de que se tem notícia em direção ao autoconhecimento –
em outras palavras, ao que hoje também podemos denominar como autoajuda.
O gênero, assim como o Oráculo de Delfos, abrange diversas
questões e temas no Brasil. E é atualmente o responsável por alavancar as
vendas de livros em todo o mundo e especialmente neste país, que sempre foi
conhecido como um lugar de não leitores. De 2017 para cá, houve um aumento de
mais de 11%, segundo painel das vendas de livros no Brasil de maio levantado
pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Nielsen Bookscan
Brasil. Isso porque a autoajuda, hoje, deixou de ser apenas o nicho comum entre
autores que escrevem e leitores que buscam dicas rápidas, fáceis e
duvidosamente eficazes, geralmente organizadas em listas.
“O termo autoajuda é um grande guarda-chuva. Nos anos 80,
tínhamos uma autoajuda mais inspiradora ou mística e agora ela é mais prática e
acompanha o mundo em que estamos”, diz a editora e agente literária Alessandra
Ruiz, que já trabalhou em grandes editoras e acaba de fundar sua própria
agência, Authoria. “Dentro do gênero, você encontra livros de negócios, ciência,
espiritualidade, desenvolvimento humano, que servem para aplicação tanto em sua
vida pessoal quanto profissional. A grande mudança que observo atualmente é que
há um número cada vez maior de livros mais sérios, baseados em pesquisas
acadêmicas, inclusive, traduzidas de maneira mais popular e abrangente”,
completa ela, que trabalha no mercado editorial há 25 anos.
Autoajuda, na opinião de Tomás da Veiga Pereira,
sócio-diretor da Sextante, é uma maneira de tornar acessível ao grande público
conhecimentos, experiências e pesquisas sobre os mais diversos temas, com o
objetivo de alcançar aquilo que se propõe. Ele conta que já seguiu a dieta
chamada South Beach, recomendada por um médico seu para tratar sua insônia
recorrente. “Aquilo me ajudou muito e, pouco tempo depois, publicamos a
tradução deste livro homônimo escrito pelo cardiologista norte-americano Arthur
Agatston, que estudou a fundo as causas das dores e doenças trazidas por seus
pacientes e apresentou uma maneira de curá-los.”
Seja por pura retórica ou abrangência do conceito, o fato é
que, se analisarmos o sentido estrito da palavra, todo livro pode ser
considerado autoajuda. “Um manual de redação e estilo para aprimorar a escrita,
um livro para organizar a vida financeira, outro para meditar, outro para
aprofundar uma discussão filosófica, um conto ou poesia... Todas essas
variedades são escolhas, consideradas importantes por seus leitores, que tornam
os livros mestres para quem os lê. Afinal, o que buscam é um meio de aprimorar
algo em si, ampliar conhecimento, diálogo. Para mim, são todos autoajuda”, diz
o jornalista e professor de literatura Pedro Almeida, proprietário da Faro
Editorial.
O filósofo e professor universitário Mario Sergio Cortella é
uma das personalidades que ultrapassaram a barreira da academia e transitam
livremente pelos corredores populares de TVs, rádios, revistas, jornais,
eventos corporativos e estantes de livros. Ao falar de temas caros a todos os
seres humanos, sem rodeios e com irreverência, Cortella deixa os que lhe assistem
hipnotizados. Alguns de seus livros mais recentes, como A Sorte Segue a Coragem
(Planeta, 2018) e Por que Fazemos o que Fazemos? (Planeta, 2016), estão
classificados em algumas livrarias como autoajuda. Erra quem pensa que isso o
incomoda. O autor já repetiu mais de uma vez que “toda filosofia é autoajuda” e
que, como em todo gênero, há obras de boa e de má qualidade.
Os primeiros 20 livros da lista de mais vendidos da Livraria
Cultura atualmente são de autoajuda. Nela aparecem títulos como A Sutil Arte de
Ligar o F*da-se (Intrínseca, 2017), de Mark Manson, texano de 34 anos, e também
Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas (Simon & Schuster), de Dale
Carnegie (1888-1955), considerado a “bíblia” da autoajuda, publicado pela
primeira vez em 1936 e que já vendeu mais de 50 milhões de exemplares.
“A Sutil Arte... é o avesso da autoajuda tradicional: o
livro diz que o leitor não é tão especial assim e que vai ser mais fácil viver
se ele parar de se torturar para pensar positivo”, diz Raquel Cozer, editora da
Intrínseca. “Acho natural que, em tempos de crise como a que vivemos hoje, essa
busca aumente. É muito simbólico que esse livro tenha vendido mais que qualquer
outro de qualquer gênero no Brasil neste ano.” A Sutil Arte... já vendeu, até o
fechamento desta revista, mais de 183 mil exemplares no país, mantendo-se em
primeira posição no ranking geral dos mais vendidos, de acordo com a
PublishNews (Sapiens, de Yuval Noah Harari, personagem da capa, aparece em
quarto lugar, com mais de 79 mil exemplares vendidos).
Outro livro que ficou nas paradas de sucesso por bastante
tempo é Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (Sextante, 2004), de Gustavo
Cerbasi. O livro trata de finanças pessoais de modo acessível, mas também teve
outro propósito segundo seu editor à época do lançamento: diminuir o índice de
separação entre casais. “Eu havia lido uma pesquisa inglesa que dizia que o
segundo maior motivo de separação no mundo era dinheiro – a falta ou o excesso
dele. Daí pensei: ‘Imagina um livro que possa diminuir esse índice?’”, relembra
o editor Anderson Cavalcante, hoje à frente da Buzz Editora. A obra escrita por
Cerbasi vendeu mais de 1,3 milhão de exemplares – e tem feito escola.
A especialista em finanças pessoais e youtuber Nathalia
Arcuri (leia mais nas páginas a seguir) vendeu 2.672 exemplares de seu livro Me
Poupe! só no mês de lançamento, marcando um recorde para a Sextante. Isso o
levou a ocupar a quarta posição no ranking geral de vendas da PublishNews. O
lançamento, ocorrido em maio na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São
Paulo, causou frisson e fez com que seu livro esgotasse em três horas. As
resenhas breves feitas por leitores no canal da autora levam a crer na eficácia
do conteúdo: “Li seu livro em dois dias e aprendi bastante coisa” ou ainda
“acompanho seu canal há um ano, li o seu livro em quatro dias e é maravilhoso,
já fiz várias mudanças e bora ser rica!”
A editora Raíssa Castro, da BestSeller e Verus, que integram
o Grupo Editorial Record, afirma que um dos critérios estabelecidos para seleção
das obras do gênero está ligado ao momento atual da sociedade e suas
respectivas buscas. “O que importa é como o conteúdo de determinado livro é
processado internamente pelo leitor. De que adianta ler um clássico da
literatura universal ou um texto filosófico altamente elaborado se o leitor não
é transformado por essa leitura?”
Texto e imagens reproduzidos do site: livrariacultura.com.br
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