domingo, 15 de julho de 2018

Oráculos de Papel



Oráculos de Papel 

Como a autoajuda se transformou no gênero que alavanca os números do mercado editorial no Brasil e no mundo

Por Livia Deodato | Ilustrações Lucas Levitan

De problemas de saúde a questões políticas, o Oráculo de Delfos, mais importante centro religioso da Grécia Antiga, atendia de cidadãos comuns a governantes e filósofos que estavam em busca de conselhos assertivos. Logo na entrada, a inscrição “conhece-te a ti mesmo” se tornou a base da filosofia que conhecemos hoje, difundida inicialmente por Sócrates. Sem dúvida, era o primeiro movimento de que se tem notícia em direção ao autoconhecimento – em outras palavras, ao que hoje também podemos denominar como autoajuda.

O gênero, assim como o Oráculo de Delfos, abrange diversas questões e temas no Brasil. E é atualmente o responsável por alavancar as vendas de livros em todo o mundo e especialmente neste país, que sempre foi conhecido como um lugar de não leitores. De 2017 para cá, houve um aumento de mais de 11%, segundo painel das vendas de livros no Brasil de maio levantado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Nielsen Bookscan Brasil. Isso porque a autoajuda, hoje, deixou de ser apenas o nicho comum entre autores que escrevem e leitores que buscam dicas rápidas, fáceis e duvidosamente eficazes, geralmente organizadas em listas.

“O termo autoajuda é um grande guarda-chuva. Nos anos 80, tínhamos uma autoajuda mais inspiradora ou mística e agora ela é mais prática e acompanha o mundo em que estamos”, diz a editora e agente literária Alessandra Ruiz, que já trabalhou em grandes editoras e acaba de fundar sua própria agência, Authoria. “Dentro do gênero, você encontra livros de negócios, ciência, espiritualidade, desenvolvimento humano, que servem para aplicação tanto em sua vida pessoal quanto profissional. A grande mudança que observo atualmente é que há um número cada vez maior de livros mais sérios, baseados em pesquisas acadêmicas, inclusive, traduzidas de maneira mais popular e abrangente”, completa ela, que trabalha no mercado editorial há 25 anos.

Autoajuda, na opinião de Tomás da Veiga Pereira, sócio-diretor da Sextante, é uma maneira de tornar acessível ao grande público conhecimentos, experiências e pesquisas sobre os mais diversos temas, com o objetivo de alcançar aquilo que se propõe. Ele conta que já seguiu a dieta chamada South Beach, recomendada por um médico seu para tratar sua insônia recorrente. “Aquilo me ajudou muito e, pouco tempo depois, publicamos a tradução deste livro homônimo escrito pelo cardiologista norte-americano Arthur Agatston, que estudou a fundo as causas das dores e doenças trazidas por seus pacientes e apresentou uma maneira de curá-los.”

Seja por pura retórica ou abrangência do conceito, o fato é que, se analisarmos o sentido estrito da palavra, todo livro pode ser considerado autoajuda. “Um manual de redação e estilo para aprimorar a escrita, um livro para organizar a vida financeira, outro para meditar, outro para aprofundar uma discussão filosófica, um conto ou poesia... Todas essas variedades são escolhas, consideradas importantes por seus leitores, que tornam os livros mestres para quem os lê. Afinal, o que buscam é um meio de aprimorar algo em si, ampliar conhecimento, diálogo. Para mim, são todos autoajuda”, diz o jornalista e professor de literatura Pedro Almeida, proprietário da Faro Editorial.

O filósofo e professor universitário Mario Sergio Cortella é uma das personalidades que ultrapassaram a barreira da academia e transitam livremente pelos corredores populares de TVs, rádios, revistas, jornais, eventos corporativos e estantes de livros. Ao falar de temas caros a todos os seres humanos, sem rodeios e com irreverência, Cortella deixa os que lhe assistem hipnotizados. Alguns de seus livros mais recentes, como A Sorte Segue a Coragem (Planeta, 2018) e Por que Fazemos o que Fazemos? (Planeta, 2016), estão classificados em algumas livrarias como autoajuda. Erra quem pensa que isso o incomoda. O autor já repetiu mais de uma vez que “toda filosofia é autoajuda” e que, como em todo gênero, há obras de boa e de má qualidade.

Os primeiros 20 livros da lista de mais vendidos da Livraria Cultura atualmente são de autoajuda. Nela aparecem títulos como A Sutil Arte de Ligar o F*da-se (Intrínseca, 2017), de Mark Manson, texano de 34 anos, e também Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas (Simon & Schuster), de Dale Carnegie (1888-1955), considerado a “bíblia” da autoajuda, publicado pela primeira vez em 1936 e que já vendeu mais de 50 milhões de exemplares.
“A Sutil Arte... é o avesso da autoajuda tradicional: o livro diz que o leitor não é tão especial assim e que vai ser mais fácil viver se ele parar de se torturar para pensar positivo”, diz Raquel Cozer, editora da Intrínseca. “Acho natural que, em tempos de crise como a que vivemos hoje, essa busca aumente. É muito simbólico que esse livro tenha vendido mais que qualquer outro de qualquer gênero no Brasil neste ano.” A Sutil Arte... já vendeu, até o fechamento desta revista, mais de 183 mil exemplares no país, mantendo-se em primeira posição no ranking geral dos mais vendidos, de acordo com a PublishNews (Sapiens, de Yuval Noah Harari, personagem da capa, aparece em quarto lugar, com mais de 79 mil exemplares vendidos).

Outro livro que ficou nas paradas de sucesso por bastante tempo é Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (Sextante, 2004), de Gustavo Cerbasi. O livro trata de finanças pessoais de modo acessível, mas também teve outro propósito segundo seu editor à época do lançamento: diminuir o índice de separação entre casais. “Eu havia lido uma pesquisa inglesa que dizia que o segundo maior motivo de separação no mundo era dinheiro – a falta ou o excesso dele. Daí pensei: ‘Imagina um livro que possa diminuir esse índice?’”, relembra o editor Anderson Cavalcante, hoje à frente da Buzz Editora. A obra escrita por Cerbasi vendeu mais de 1,3 milhão de exemplares – e tem feito escola.

A especialista em finanças pessoais e youtuber Nathalia Arcuri (leia mais nas páginas a seguir) vendeu 2.672 exemplares de seu livro Me Poupe! só no mês de lançamento, marcando um recorde para a Sextante. Isso o levou a ocupar a quarta posição no ranking geral de vendas da PublishNews. O lançamento, ocorrido em maio na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, causou frisson e fez com que seu livro esgotasse em três horas. As resenhas breves feitas por leitores no canal da autora levam a crer na eficácia do conteúdo: “Li seu livro em dois dias e aprendi bastante coisa” ou ainda “acompanho seu canal há um ano, li o seu livro em quatro dias e é maravilhoso, já fiz várias mudanças e bora ser rica!”

A editora Raíssa Castro, da BestSeller e Verus, que integram o Grupo Editorial Record, afirma que um dos critérios estabelecidos para seleção das obras do gênero está ligado ao momento atual da sociedade e suas respectivas buscas. “O que importa é como o conteúdo de determinado livro é processado internamente pelo leitor. De que adianta ler um clássico da literatura universal ou um texto filosófico altamente elaborado se o leitor não é transformado por essa leitura?”  

Texto e imagens reproduzidos do site: livrariacultura.com.br

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