Texto publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 20/07/18
As lições de Mandela
Passados 100 anos de seu nascimento, o líder sul-africano
ainda inspira como exemplo de sabedoria política em um mundo ao qual faltam
diálogo e perdão
Por Fernando Lavieri
Há 100 anos nascia Nelson Mandela, o líder da luta dos
negros sul-africanos pela igualdade de direitos que se tornou exemplo para o
mundo contemporâneo. Até hoje, suas ideias inspiram e mobilizam as pessoas no
combate a injustiças. Mandela notabilizou-se pelo enfrentamento ao “apartheid”,
o regime de segregação racial institucionalizado na África do Sul, vigente
entre 1948 e 1993. A luta política que travou ficou conhecida pela ausência de
rancor, sempre orientada para a busca da paz. Formado em direito na
Universidade de Fort Hare, a primeira do país a aceitar alunos negros, entrou
para a política ainda nos tempos de estudante para assumir a liderança da
resistência não violenta da juventude, antes de ser escolhido presidente do
Congresso Nacional Africano (CNA), o partido que, nos anos 1990, o levaria ao
poder. Sua habilidade era notável. Depois de liderar a derrubada do regime
racista, comandou o país em um momento especialmente difícil, com tensões
acumuladas ao longo de quatro décadas de segregação racial e foi capaz de
evitar uma iminente guerra civil entre brancos e negros.
Ao longo de sua trajetória, Mandela convocou os negros a
reagirem pacificamente para enfrentar as proibições impostas pelos brancos.
Obteve grandes vitórias ao evitar derramamento de sangue. No início da
carreira, dedicou-se à defesa dos interesses de cidadãos negros. Tornou-se
militante contra o apartheid e foi preso em 1962, depois de passar dois anos na
clandestinidade coordenando pequenos atentados de sabotagem contra o governo.
Condenado à prisão perpétua em 1964, cumpriu 27 anos de reclusão, a maior parte
na cadeia da Ilha Robben, onde ocupou uma cela diminuta com uma pequena janela
de 30 centímetros. Nunca esmoreceu, mesmo nos momentos mais difíceis, quando
perdeu a mãe e um filho. Seu lema, que vinha à tona por meio de cartas
confiadas ao carcereiro e amigo Christo Brand era “Unam-se! Mobilizem-se!
Lutem!”. Mandela seria libertado somente em 1990, depois de grande pressão internacional.
Nesse momento, o regime do apartheid já merecia condenação geral, caracterizado
como um crime contra a humanidade. Mesmo considerado um terrorista de esquerda
pelos brancos sul-africanos, seu ativismo foi reconhecido em todas as partes do
mundo. Recebeu mais de 250 prêmios e condecorações. Em 1993, foi o vencedor do
prêmio Nobel da Paz.
Mandela nasceu em 18 de julho de 1918, na localidade de
Mvezo, que ele próprio descreveria, anos mais tarde, como “uma minúscula aldeia
afastada do mundo, dos grandes eventos, onde se vivia da mesma forma havia
centenas de anos”. Pertencente à etnia Xhosa e filho do chefe da tribo dos
tembus, foi batizado com o nome de Rolihiahia Dalighunga Mandela. Só passou a
se chamar Nelson na escola primária, onde ingressou em 1925. Lá havia o costume
de dar nomes ingleses aos estudantes. O dele foi em homenagem ao almirante
Horatio Nelson. Curiosamente, seu nome tribal, Rolihiahia, significa “o
encrenqueiro”. Ficou órfão de pai aos 9 anos e, como membro da nobreza, passou aos
cuidados do príncipe regente tembu, Jongintaba. Ingressou na escola
preparatória exclusiva para negros Clarkebury Boarding Institute, onde estudou
cultura ocidental, depois de completar sua formação elementar.
A transformação de um país
Depois que saiu da cadeia, já aos 75 anos, Mandela ainda
tinha energia para transformar a África do Sul. Em 1993, assinou, junto com o
então presidente Frederick De Klerk, uma nova Constituição. Ela colocava fim a
três séculos de dominação política dos brancos e a 45 anos de “apartheid”. A
nova carta criava, enfim, condições para a instalação de uma democracia
multirracial no país. Em 1994, tornou-se o primeiro presidente negro da
história da África do Sul, tendo De Klerk como vice-presidente. Suas medidas
políticas melhoraram a vida da maioria do povo e consolidaram as bases
democráticas do novo regime. Ele ocupou o cargo até 1999.
Na semana passada, para festejar o aniversário de Mandela,
foi realizada uma marcha simbólica pelas ruas de Mvezo liderada por sua viúva
Graça Machel, e um fórum de debates em Johanesburgo, organizado pelo
ex-presidente dos EUA, Barack Obama. “Mandela passou a incorporar as aspirações
universais de pessoas despossuídas de todo o mundo e suas esperanças de uma
vida melhor”, disse Obama. Anualmente comemora-se o Mandela Day, no dia 18 de
julho. “Atuem, inspirem-se na mudança, façam de cada dia um Dia Mandela”,
proclama a fundação que leva seu nome. O presidente da África do Sul, Cyril
Ramaphosa declarou que Mandela foi um grande líder porque soube se aproximar
dos que são diferentes e dar esperança aos desesperados. Seu exemplo persiste
até hoje e mostra seus efeitos na grande luta mundial contra a discriminação
racial. Mandela, ou Mandiba, como também era chamado, morreu em dezembro de 2013,
aos 95 anos, devido a uma prolongada infecção pulmonar. Suas ideias permanecem
vivas como nunca.
Texto reproduzido do site: istoe.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário