Publicado originalmente no site da Revista FORUM, em 26 de junho de 2018
A famosa foto de Evandro Teixeira, na Passeata dos Cem Mil
A ‘Passeata dos Cem Mil’ e seus heróis, nas fotos de Evandro
e em um poema de Drummond
A passeata completa 50 anos nesta terça-feira, com vários
personagens que permanecem na luta até hoje
Por Julinho Bittencourt
A ditadura atingia o seu auge. Em março de 1968, a PM
invadiu o restaurante universitário
Calabouço, onde estudantes protestavam
contra o preço das refeições. No confronto, o comandante da PM, Aloísio Raposo,
matou o estudante Edson Luís, com um tiro no peito. Durante o velório e,
sobretudo, na missa do estudante, o Rio de Janeiro pegou fogo. A polícia
avançou contra estudantes, padres, jornalistas e populares.
Em 21 de junho, aconteceu a ‘Sexta-feira Sangrenta’. Durante
nova manifestação, desta vez na porta do Jornal do Brasil, três pessoas foram
mortas, dezenas ficaram feridas e mais de mil foram presas. O gosto de sangue
na boca da ditadura ruiu diante da opinião pública. Como forma de recuo, o
exército acabou permitindo uma nova manifestação, para o dia 26. Aquele dia, há
50 anos, entrou para a história e ficou conhecido como ‘A Passeara dos Cem
Mil’.
O AI-5
As consequências daquela manifestação ampla e sem precedentes
contra o regime dos militares foram desastrosas. Até o final do ano, vários
outros estudantes foram presos no Rio de Janeiro e em São Paulo, o Congresso
rejeitou projeto que concedia anistia aos estudantes, o Congresso da União
Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), foi invadido e mais de 400
estudantes foram presos. No final do ano, no dia 13 de dezembro, foi promulgado
o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), dando início à página mais sangrenta e obscura
da nossa história recente.
A ‘Passeata dos Cem Mil’ contou com a participação de um sem
fim de personalidades da vida brasileira, entre eles artistas como Chico
Buarque de Holanda, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tônia Carreiro,
Grande Otelo, Paulo Autran, José Dirceu, Tancredo Neves, Marieta Severo, Nara
Leão, Clarice Lispector, Fernando Gabeira, entre muitos e muitos outros.
O fotógrafo e o poeta
O fotógrafo Evandro Teixeira, então funcionário do Jornal do
Brasil, fez, entre muitas outras, aquela que foi considerada a imagem
definitiva da passeata. Nela, a multidão preenchia toda a imagem, cortada
harmônica e suavemente por uma faixa resoluta bem no canto superior esquerdo,
no exato local da regra dos terços, que dizia: “Abaixo a Ditadura. Povo no
Poder”.
Sob o impacto das imagens de Evandro, o poeta Carlos
Drummond de Andrade, escreveu um lindo poema:
Diante das fotos de Evandro Teixeira
A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo, sob a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.
É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das imagens.
Fotografia-é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando,
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.
Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta,
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como exorcizar?
Marcas de enchente e de despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York,
a moça em flor no Jóquei Clube,
Garrincha e Nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois que são fotos.
Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo,
viajas, surpreendes, testemunhas
a tormentosa vida do homem
e a esperança de brotar das cinzas.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistaforum.com.br
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