A parede de lousa tem uma força grande no dia a dia do trabalho de Erica Butow:
é uma ferramenta para não esquecer.
Publicado originalmente no site Huffpost Brasil, em 25 de maio de 2018
Erica Butow: A jovem que compartilha conhecimento para
melhorar a educação
Filha de empregada doméstica e judeu fugido da guerra fundou
uma ONG para desenvolver lideranças no ensino. "A gente acredita no poder
coletivo dessas pessoas e não no super herói ou super heroína", conta.
By Ryot Studio e Cubocc
Logo de cara pode ter um clima sutil de sala de aula. A
parede de lousa tem uma força grande. Sua imponência naquele tom de verde tão
específico, que só uma lousa tem mesmo, está ali. Para completar, as frases em
giz – colorido. Não são exatamente conteúdos de uma matéria ou exercícios para
copiar. São algumas ideias para refletir. Ou objetivos para não esquecer. É ali
que ela trabalha. Essa energia leve de sala de aula pairando no ambiente.
Erica Butow, 34 anos, fundadora da ONG Ensina Brasil, gosta
disso. Desde muito cedo teve os melhores professores. Em casa mesmo. Talvez
porque os pais trouxessem em si mesmos a história – e automaticamente os
ensinamentos. O pai, alemão, judeu, chegou ao Brasil na década de 1930 fugido
da guerra. Era juiz. Sempre estudou muito. Foi o único da família que conseguiu
sair da Alemanha (seus pais foram para campo de concentração). A mãe nasceu no
sertão de Pernambuco. Começou a trabalhar na roça aos cinco anos. Cresceu longe
da sala de aula. Foi para São Paulo sozinha aos 15 anos, analfabeta, para
trabalhar.
Minha mãe foi empregada doméstica a vida inteira e trabalhou
para o meu pai. De um lado eu vi todos os desafios da minha mãe por não ter
tido educação. Ao mesmo tempo em que meu pai me deu uma educação muito
diferenciada.
Foi com essas referências em casa que Erica se formou.
"Minha mãe foi empregada doméstica a vida inteira e conheceu meu pai, já
mais velho. Ele tinha 74 anos quando eu nasci. Minha mãe trabalhou para o meu
pai, então nasci em uma família peculiar. De um lado eu vi todos os desafios da
minha mãe por não ter tido educação. Ao mesmo tempo em que meu pai me deu uma
educação muito diferenciada."
Assim, ela viu de perto o poder de transformação que a
educação pode ter na vida das pessoas e focava nisso. Tinha prazer em ser a
melhor aluna da escola, conseguia bolsas de estudo, se dedicava a aprender e
descobrir tudo de novo que os estudos podiam lhe passar. "Eu queria ter a
liberdade de escolher. Minha visão de educação é essa... poder escolher o que
você quer fazer e saber como escolher, ter o conhecimento para isso e estar
empoderado para escolher". Foi o que ela fez. Em 2016, por escolha, criou
a ONG Ensina Brasil para possibilitar que, no futuro, outras pessoas possam fazer
o mesmo.
Eu queria ter a liberdade de escolher. Minha visão de
educação é essa... poder escolher o que você quer fazer e saber como escolher,
ter o conhecimento para isso e estar empoderado para escolher.
Formada em administração pela USP, trabalhou em grandes
empresas, mas começou a se questionar sobre o que realmente queria fazer.
Iniciou trabalhos voluntários, deu aula em comunidades de São Paulo e tudo foi
ficando mais claro. Em casa, alfabetizou a mãe, deu aula para a tia. Percebeu
que sua escolha já estava feita. "Decidi fazer essa mudança de
carreira." Mas não sem antes estudar mais. Conseguiu bolsa, foi para os
EUA buscar mais conhecimento, trabalhou com educação por lá e aqui no Brasil,
quando voltou, e há dois anos conseguiu concretizar seu grande projeto.
"É uma ONG voltada para melhoria da educação. Nossa
visão é que aquilo que está escrito na parede se concretize e que um dia todas
as crianças tenham uma educação de qualidade. Então a gente tem um programa que
atrai jovens talentos que poderiam estar fazendo qualquer coisa da vida, mas
que decidem efetivamente trabalhar com a mão na massa e com um propósito
melhorando a educação." A organização seleciona profissionais já formados
de diversas áreas que irão atuar como professores de escolas públicas por dois
anos.
Nossa visão é que um dia todas as crianças tenham uma
educação de qualidade. Então a gente tem um programa que atrai jovens talentos
que decidem efetivamente trabalhar com a mão na massa e com um propósito
melhorando a educação.
O objetivo é que ao fim desse processo eles continuem
fazendo a diferença na área e que seja criada uma rede de futuras lideranças na
educação. "Eles vão se tornar professores de escolas públicas vulneráveis.
É o que vão fazer, é isso que escolhem fazer. Eles recebem uma formação,
treinamento durante esses dois anos e a ideia é que consigam ter um impacto
positivo na vida dos alunos que eles atingem e que se desenvolvam com essa
experiência."
Atualmente, o projeto conta com 130 professores em sala de
aula de sete cidades e impacta cerca de 30 mil alunos. A ideia é, no futuro,
ampliar as parcerias com os governos e chegar a mais lugares. Erica sabe que o
desafio é grande. Mas acredita que, aos poucos, essa rede pode crescer e muitas
vidas podem realmente mudar com isso tudo. "[Com uma boa educação] você
abre uma janela que o aluno não tinha visto antes. Muitos alunos são filhos de
mães solteiras, sofrem abusos de diversos tipos e têm muita defasagem de aprendizado.
A gente vê as histórias de evolução e é incrível."
Você abre uma janela que o aluno não tinha visto antes.
Muitos alunos são filhos de mães solteiras, sofrem abusos de diversos tipos e
têm muita defasagem de aprendizado. A gente vê as histórias de evolução e é
incrível.
Nesse processo, o contato dos alunos com esses professores e
a troca desses jovens com os docentes que já estão na rede de ensino ganha
potência. Dividir as experiências e os conhecimentos que cada um tem
transforma. "[Queremos] uma rede expandida porque o problema é grande
demais para fazer alguma coisa sozinho. A gente acredita no poder coletivo
dessas pessoas e não no super herói ou super heroína."
O problema é grande demais para fazer alguma coisa sozinho.
A gente acredita no poder coletivo dessas pessoas e não no super herói ou super
heroína.
Erica fala com muito ânimo e empolgação sobre a ONG e as
possibilidades que ela acredita que todos os envolvidos com o trabalho podem
ter. É uma energia de quem está acostumada a passar isso para frente. Aquela
coisa de gente que sempre esteve em uma sala de aula ensinando alguma coisa.
Mas não é só isso. Erica sabe que os grandes ensinamentos podem até passar ali
pela lousa, mas muita coisa vem de outros lugares. E pode atingir muita gente,
muito além da lousa. Desde que seja compartilhado.
Ela aprendeu bem.
Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário