Ana Frank, em uma fotografia de dezembro de 1941.
As duas páginas que Anne Frank cobriu com papel kraft agora reveladas.
Publicado originalmente no site El País Brasil, em 15 MAI 2018
Duas páginas inéditas do diário de Anne Frank mostram sua
curiosidade pelo sexo
Processo fotográfico digital permite descobrir suas
referências às relações e à prostituição
Por Isabel Ferrer
As páginas 78 e 79 de Kitty, o nome dado por Anne Frank ao
seu primeiro diário, com capa xadrez
vermelha, que ganhou em 12 de junho de 1942 como presente de aniversário, eram
um enigma. Com riscos e papel kraft colado era impossível lê-las. Até agora.
Graças a um processo fotográfico digital, a fundação que leva seu nome em
Amsterdã apresentou na terça-feira algumas passagens em que a adolescente de 13
anos pergunta o que faria se alguém lhe pedisse que o instruísse “sobre
questões de sexo”. “Como faria isso? Esta é a resposta”, escreve. São reflexões
próprias de sua idade que lançam nova luz sobre sua personalidade.
Ambas as páginas foram descobertas em 2001, quando todos os
manuscritos de Anne Frank foram escaneados. Estão datadas de 28 de setembro de
1942, quando estava escondida dos nazistas havia dois meses junto com a família
e três amigos de seus pais. Todos viviam nos fundos de uma casa na região dos
canais da capital holandesa e em novembro chegaria outro conhecido.
Apesar da situação, “Anne não perdeu a curiosidade dos
adolescentes sobre a sexualidade”, segundo Ronald Leopold, diretor da fundação.
E como a garota tinha habilidade para escrever, mistura piadas sobre o que
imagina que poderia acontecer do lado de fora com seus desejos mais íntimos. Na
primeira página, anuncia que pretende “fazer piadas obscenas”. Como esta: “Você
sabe por que há garotas nas Forças Armadas alemãs na Holanda? Para servir de
colchão para os soldados”. A zombaria produz algum desconforto, tendo em vista
a ocupação nazista do país, mas mostra que Anne era uma garota como as outras.
“Esse tipo de piadas sujas são típicas da idade e é impossível evitar um
sorriso ao lê-las”, diz Frank van Vree, diretor do Instituto para o Estudo da
Guerra, do Holocausto e do Genocídio (NIOD, na sigla em holandês), que
colaborou no trabalho.
Em relação à sexualidade, Anne fica séria. Na segunda página
faz a pergunta do princípio. Como ela poderia responder a uma pergunta sobre
sexo? Em seguida, analisa a chegada das regras, em torno dos 14 anos, e suas
consequências, um assunto que aparece em outro momento do texto. “É sinal de
que uma menina está pronta para ter relações com um homem. Mas isso não se faz
antes do casamento. Depois, sim. Também se pode decidir [a partir de então] se
se deseja ter filhos ou não. Se a resposta for sim, o homem se deita sobre a
mulher e deixa sua semente na vagina dela. Tudo acontece com movimentos
ritmados”. Quando o casal decide evitar filhos, “a mulher toma medidas internas
e isso ajuda”. “Pode falhar, é claro, mas se você realmente quer filhos, às
vezes não é possível. O homem gosta dessas relações e as deseja; a mulher um
pouco menos, mas também”.
A prostituição e a homossexualidade também aparecem nessas
páginas, com ingenuidade. “Se os homens são normais, vão com mulheres. Na rua,
há mulheres que falam com eles e então vão embora juntos. Em Paris, existem
casas muito grandes para isso. Papai
esteve lá. O tio Walter não é normal. Existem garotas que vendem essa relação.”
O Instituto Huygens de História da Holanda também participou
desse esforço e seus porta-vozes apontam que “o mais provável é que a própria
Anne tenha colado as páginas”. Otto Frank, o pai, foi o único da família a
sobreviver ao Holocausto. A mãe e a irmã morreram, como Anne, nos campos de
concentração. Em 1947, antes da publicação do Diário, ele censurou cinco
páginas em que a menina falava das brigas dos pais e da relação difícil com a
mãe. Em 1998, foram acrescentadas a uma edição considerada completa. O Diário de
Anne Frank foi traduzido em 70 idiomas e publicado em 60 países, de acordo com
a fundação.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com/brasil
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