Cinerótico: os cinemas pornôs no centro de São Paulo
Era uma tarde de sábado com temperatura baixa em São Paulo e
chuva constante. Encaramos o tempo adverso e fomos ao centro da cidade em busca
de um lugar inédito para todos: um cinema pornô.
Já tínhamos lido algumas reportagens sobre o tema, mas a
curiosidade nos consumia durante o trajeto.
Pensamos em várias possibilidades para nosso acesso ocorrer
de forma mais tranquila, dentre elas: a opção de abrir o jogo e dizer que
éramos estudantes de jornalismo ou fingirmos ser apenas jovens curiosos vindo
do interior a fim de explorar aquele lugar exótico.
Optamos pela segunda alternativa e assim começamos nossa
caminhada próximos a uma das esquinas mais famosas de São Paulo: Ipiranga com a
avenida São João.
Em um mesmo quarteirão já nos deparamos com três
estabelecimentos desse ramo e que inclusive tinham características bem
semelhantes: faixada escura e anúncios gritantes em vermelho.
Paramos em um deles e perguntamos se poderíamos entrar, o
atendente comentou que ali "rolava muita droga e os homens poderiam
desrespeitar as meninas do grupo" então nos recomendou outro lugar mais
tranquilo.
Resolvemos seguir a indicação e chegamos no Cine Globo
(localizado na esquina da rua Ipiranga com a rua do Boticário), que tinha uma
entrada bem diferente dos anteriores, mais parecia um simples salão de festas,
pois estava decorado com bexigas coloridas.
O homem que nos recebeu foi receptivo e inclusive fez um
desconto por estarmos em grupo: R$10 cada ingresso. O valor ainda dava direito
a retirar um copo de vinho, que no final das contas optamos por não pegar. A
passagem era feita por uma apertada catraca que nos dava acesso a uma grande
escada já em um ambiente bastante escuro, com parede, chão e teto pintados de
preto. Subimos as escadas e chegamos à tal sala.
O ambiente era grande e com pouca iluminação. Nos
direcionamos para as duas primeiras fileiras e ficamos sentados, separados em
casais. Nos acomodamos nas poltronas de madeira e passamos a investigar o
ambiente.
Na nossa frente havia uma tela de cinema que estava reproduzindo
vídeos pornôs com tom caseiro, focando bastante na penetração. Diante da tela
havia um palco que mais tarde seria utilizado para um striptease. Ele estava
decorado com tecidos rosa e brilhantes, mas muito mal pregados. Ainda havia
botas em um cantinho, caso algum cliente quisesse pagar para que as dançarinas
as colocassem.
Uma mulher com um vestido bem longo e chamativo fazia as
honras da casa, apresentando os shows da tarde, pois aquele era um sábado de
atrações especiais no qual stripers se apresentariam - dançando de forma
"sensual" e se despindo ao poucos.
Além das dançarinas e do DJ, dividiam o espaço conosco mais
algumas poucas pessoas que formavam o público da casa. Eram em torno de 15 a 20
clientes, na maioria homens, bem espalhados pelo grande número de poltronas.
Embora o ambiente fosse escuro, percebíamos casais se
formando a partir da iniciativa de profissionais que circulavam pela sala
oferecendo seus serviços. Enquanto as meninas trabalhavam, a apresentadora
Andressa anunciava as atrações do dia, sempre enfatizando o ponto alto do
evento, que seria a cena de sexo ao vivo.
Não esperamos até a atração principal, pois começaria muito
mais tarde.
Na saída, encontramos Andressa e, então, resolvemos
conversar com ela. Com um vestido colorido e transparente, seu corpo ficava em
evidência.
Ela devia ter por volta de trinta e cinco anos de idade. Ao
falar de sua profissão mencionou o tal do book rosa abordado na novela global
Verdades Secretas: "Sabe as dançarinas da TV? O que a gente vê é falso.
Para estarem naquela posição ou elas têm dinheiro para bancar ou fazem o book
rosa. Eu não fazia nenhum dos dois. Então, me tornei striper".
Arte: Helo D'Angelo
Ela disse que faz eventos, desde festinhas infantis até o
tipo que estava fazendo naquele momento. Rindo, afirmou: "Eu trabalho com
putaria, não vivo a putaria". Fora dali, ela explicou que seguia uma vida
normal, cuidando da família, fazendo academia e realizando outras tarefas do
dia a dia.
O sexo é uma fatia muito pequena do que está por trás das
pessoas, até mesmo das que trabalham e frequentam cinemas pornô.
***
Quinta-feira ao entardecer no Centro de São Paulo é como uma
sexta-feira em qualquer outro lugar.
Os bares já estão lotados e o comecinho da primavera traz
uma vontade de ficar pela rua até mais tarde.
Muitos curiosos estão ali, outros tantos, que se sentem em
casa, e nós, a procura de algo que passava invisível até aos olhos paulistanos
mais bem treinados.
Sem mostrar que éramos jornalistas, nos infiltramos nos mais
diversos becos a fim de procurar o objeto de desejo de muitos: prazer. O Cine
Paris, na avenida São João, tinha uma entrada grande e escura para a rua, com
placas velhas anunciando "filmes pornôs."
Um segurança logo na entrada e o bilheteiro atrás de uma
janelinha. Pagamos e passamos a catraca. Na sala, apenas cinco pessoas. Três
homens sentados afastados uns dos outros e um outro casal que conversava muito,
empolgado pelo filme ou pelo calor.
Sempre sentados com uma cadeira vaga ao lado, como se
convidando mais alguém para sentar ali, cada um dos que estava sentado na sala
parecia estar dentro do seu próprio mundo.
Os olhares sempre para baixo, os gemidos sempre reprimidos.
O movimento era fraco naquela noite, avaliado pelo extenso número de cadeiras
vazias que, fantasmagorizadas, eram iluminadas pela luz pálida do projetor.
O filme que passava era da produtora nacional
Brasileirinhas, a maior do país. Criada em 1996 já lançou trabalhos com
artistas de renome na área, como Kid Bengala, Gretchen e Rita Cadillac. Mas os
atores daquele dia não passavam de corpos sarados para o trabalho com alta
performance. Os gritos de "goza na minha buceta" pareciam sugestionar
um sotaque carioca.
Apesar da crise do modelo da mídia física que vivemos a
cerca de uma década, que fez as vendas de DVD's despencarem e locadoras
fecharem por todo o mundo, a Brasileirinhas ainda se mantém forte no mercado.
Ainda que venda 50 mil DVD'S por mês, 80% por cento das suas receitas vêm da
web, onde conta com quase 10 mil assinantes e mais de 6 milhões de visitantes
mensais, segundo a empresa.
Durante a sessão, a brasileirinha dava o melhor de si e algumas
pessoas levantavam para se masturbar, encostados na parede, olhos fixos na
tela.
Um e outro dormiam sentados aqui e ali, ignorando os gritos,
gemidos e respirações resfolegantes, apenas usando aquela cadeira de madeira
desconfortável em vez de passar a madrugada em qualquer rua do centro, sob os
olhos e riscos da cidade.
Chegamos a temer que algo fosse feito contra nós. Chamávamos
a atenção com nossos olhares para todos os lados, com nossa evidente relação
superficial com as cenas, além da cara, idade e roupas totalmente diferentes
das outras pessoas que frequentavam o espaço. Encerramos nossa visita mais ou
menos na hora que o sol terminava de se pôr, voltando à avenida.
O entorno dialoga com a realidade dentro das salas.
Há sex-shops, locadoras pornôs, bares de strip-tease,
garotas de programa e motéis, além de profissionais do sexo distribuindo
folhetos de casas noturnas.
Uma de nós foi surpreendida com a foto de uma antiga
conhecida entre as garotas nuas. Com o coração disparadado, pensou em como ela
teria chegado até ali.
***
O segundo cinema que visitamos àquela noite era bem maior do
que o Paris, mudando os filmes, o ambiente e o público.
Com as dificuldades encontradas pelas salas de cinema pornô
ou privê que tiveram seu auge nos anos 1990, o Cine Roma hoje tem outro modelo
de negócio, voltado para abranger mais o mercado do sexo propriamente dito.
Na fachada, dessa vez mais chamativa e iluminada, uma placa
anunciava a 10 reais sessões livres e ainda uma cerveja de cortesia.
Convidativa, a pegamos gelada no bar logo na entrada.
Surpreendia pelo lugar: mesa de sinuca e jukebox. Porém o ambiente era de
solidão.
Ninguém conversava, só se ouvia um sertanejo meloso que
falava da depressão do amor traído ou não correspondido, como se alguém tivesse
escolhido aquela música para responder à sua própria solidão, afogada em
sombras e em gozo.
Algumas garotas de programa sentavam eretas em sofás
enfileirados nas paredes, junto a homens de meia-idade com aspecto cansado.
A maioria das garotas era de transexuais e circulava entre
as salas oferecendo-se para os frequentadores. Uma delas, visivelmente
incomodada com nossa presença, ofereceu com voz mansa um "a três".
Outra gritou "humm, safada" quando passou.
Eram cinco sessões diferentes. Com cinco atos diferentes.
Para inúmeros gostos diferentes. Rolando simultaneamente.
Cada ambiente levava ao outro, e de quatro pornôs
heterossexuais apenas um, na última sala, era para o público homossexual. Mais
uma vez ninguém se falava, e quando um dos homens sentou ao lado de um outro
que se masturbava, este levantou incomodado e se retirou.
Toda a espera por atos ilícitos foi em vão. Apenas vimos uma
das trans levando um senhor até o banheiro.
Dois seguranças circulavam pelos pavimentos do cinema para
evitar qualquer confusão, mas até deles desconfiamos. Não sabíamos qual era a
real função deles ali ou o que poderiam ou não impedir. Parecia meio estranho
alguém para vigiar aquele lugar.
Um deles falou conosco, se apresentou como Salomão e
perguntou se estávamos bem, pediu que ficássemos à vontade. Deveríamos estar,
visivelmente, destoando do ambiente, frequentado por uma imensa maioria de
homens mais velhos e desacompanhados. Além disso, sabia que podia vender, quem
sabe, um ou outro drink pra gente.
Algumas das salas tinham um pequeno palco na frente das
projeções, mas naquela noite não haveria nenhuma apresentação. Espalhados pelas
cadeiras, algumas pessoas se masturbavam, outras simplesmente dormiam - fugindo
do movimento e calor intenso do Centro, aproveitando o ar mais fresco, a
escuridão e o silêncio do lugar. Um conhecido já tinha comentado que fazia
isso, mas o lugar não nos pareceu tão convidativo como ele havia narrado.
As condições que encontramos em nossas visitas não se comparam
ao que ouvimos sobre a época de ouro dos anos 1980 e 90 em São Paulo. Devido à
pirataria e os serviços de vídeos online por streaming o público dos cinemas
vem caindo ano a ano. Ainda mais dos cinemas de rua. E mais ainda mais nos
cinemas pornôs.
Com um público selecionado e reduzido, as salas atuais
mantêm seu aspecto sujo e suas cadeiras vagas à espera de alguém, de qualquer
um. Talvez fadados a desaparecerem, junto com tantas outras manifestações da
Boca do Lixo, esses cinemas poderiam se reinventar para aproveitar o
crescimento do mercado erótico brasileiro, que cresceu 8% em 2014, muito acima
dos 0,1% do PIB nacional.
Por Erick Noin, Heloísa D'Angelo, Mariana Guimarães, Marina
Criscuolo, Natália Petroni e Nathalia Gorga.
Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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