Publicado originalmente no site da revista Superinteressante, em 31/08/2014
A vida privada de Stephen Hawking
Ele não era apenas um gênio paralisado. Também foi um
aventureiro que viajou o mundo - e adorava clubes de striptease
Por Thais Harari e Bruno Garattoni
Ao completar 72 anos, em janeiro de 2014, Stephen Hawking
fez uma coisa chocante. Escreveu um artigo dizendo que os buracos negros,
elemento central do seu trabalho como físico, não existem da forma que
imaginamos. Uma mudança de posição radical – que não diminui nem invalida a
obra de Hawking, mas deixou cientistas perplexos e gerou especulações sobre o
futuro do físico. Talvez ele não estivesse bem de saúde, e tenha começado a
divulgar seu legado intelectual definitivo. Essa impressão é reforçada porque,
em setembro seguinte, Hawking teve duas atitudes suspeitas. Primeiro, defendeu
o suicídio assistido (que sempre, e famosamente, considerou “um grande erro”),
e lançou uma autobiografia na qual resume a própria vida. É um livro pequeno,
de 144 páginas, porque ele estava com muita dificuldade de se comunicar – cada
vez mais paralisado, na época só consegue escrever uma palavra por minuto,
usando o queixo para selecionar palavras numa tela. Redigir o livro deve ter
sido um enorme esforço. Mas, depois de revolucionar a física, Hawking queria
contar sua história.
Stephen William Hawking nasceu saudável em Oxford, na
Inglaterra, em 9 de janeiro de 1942 – no exato aniversário de 300 anos da morte
de Galileu Galilei. O pai era médico, a mãe formada em filosofia, e o pequeno
Stephen era o caçula de quatro irmãos numa casa cheia de livros empilhados – e
ideias apimentadas. “O que mais me impressionava eram as conversas durante o
almoço”, conta John MacClenahan, amigo de infância de Hawking. “Eles discutiam
coisas que jamais seriam comentadas na minha casa, como sexo e aborto”. Quando
Hawking tinha oito anos, a família se mudou para a periferia de Londres. Não
deu muito certo. Eles eram considerados esquisitos pelos vizinhos, e na escola
o menino logo ganhou o apelido de “Einstein”. Deve ter sido pela aparência,
porque bom aluno Hawking não era: fazia os trabalhos sem capricho e sua
caligrafia era um terror. Odiava matemática, que achava fácil demais. Gostava
de física e astronomia – porque ajudavam a entender questões existenciais, como
de onde viemos e por que estamos aqui. “Eu queria sondar as profundezas do
Universo”, escreveu em seu livro.
Hawking era precoce. Com 17 anos, ganhou uma bolsa para
estudar física na Universidade de Oxford. Os colegas eram dois anos mais
velhos, e ele se sentiu sozinho e deslocado. Mas, no terceiro ano de faculdade,
se inscreveu no clube de remo para tentar fazer amigos. Os barcos navegavam um
atrás do outro, e cada timoneiro segurava uma linha para manter a distância
correta em relação ao barco da frente. Hawking deu mancada logo na estreia.
Deixou a linha escapar, ela se enroscou no leme, o barco saiu de curso – e sua
equipe foi desclassificada. Apesar disso, ele conseguiu fazer alguns amigos, e
passou a frequentar o que chama de “seu passatempo favorito”: as festas
estudantis. Estudava bem pouco, uma hora por dia, mas mesmo assim foi aceito no
mestrado da Universidade de Cambridge.
Antes de começar, ele teria alguns meses de férias. Resolveu
se candidatar a uma bolsa de viagem (com as despesas pagas pela universidade).
Para aumentar as chances de ganhar, escolheu um destino distante e impopular
entre os alunos: Irã. Deu certo, e Hawking foi passar as férias lá. Péssima
escolha. Ele pegou o gigantesco terremoto Bou’in-Zahra, que arrasou o país e
deixou mais de 12 mil mortos. Hawking estava bem perto do epicentro, mas diz
que não percebeu nada – pois estava viajando dentro de um ônibus que balançava
muito. Em determinado momento, o motorista freou forte e ele foi jogado contra
o banco da frente, quebrando uma costela. Como não falava o idioma local,
demorou um tempão até descobrir o que tinha acontecido. Só quando a excursão
chegou a Istambul, aproximadamente dez dias depois, Hawking soube que havia
encarado um megaterremoto – do qual saíra praticamente ileso. Mas o pior ainda
estava por vir.
O acidente de patins
De volta à Inglaterra, o jovem físico percebeu que estava
ficando cada vez mais desastrado. Caía, derrubava objetos, parecia não
controlar direito o que fazia. Um dia, caiu de patins e não conseguiu levantar.
Foi levado a um médico, que o diagnosticou com esclerose lateral amiotrófica
(ELA), uma doença incurável que leva à perda de movimentos – e, segundo o
médico, levaria à morte em no máximo três anos. Hawking tinha 21. Ele ficou
internado num hospital, onde viu um garoto morrer de leucemia. “Toda vez que
fico inclinado a ter pena de mim, me lembro daquele menino”, disse. Lembra do
desafio do balde de gelo? Saiba o que aconteceu com o dinheiro arrecadado.
Teve alta, foi para casa e, pouco tempo depois, conheceu
Jane Wilde, amiga de uma de suas irmãs. Namoraram e casaram (ele se apoiou numa
bengala durante a festa). Mas Hawking foi piorando, não conseguiu mais cuidar
dos filhos e, em 1970, parou de andar. Para se locomover, começou a usar uma
cadeira de rodas e um carrinho elétrico de três rodas. Com seu típico
bom-humor, contava que às vezes usava o carrinho para dar carona: “Eu
transportava passageiros ilegalmente”.
Nessa época, Hawking já era um físico conhecido, e foi
convidado a trabalhar no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Aceitou e a
família se mudou para os EUA. Ele e Jane já tinham três filhos, mas o casamento
não ia bem. Ela começou a ter um caso com Jonathan Jones, músico e tocador de
órgão que conheceu numa igreja local, e acabou convidando o amante para morar
junto com a família. Hawking diz que ficou contrariado, mas não se opôs. Ele
achava que ia morrer logo, e queria alguém que pudesse sustentar os filhos. O
ano era 1979.
Nos anos seguintes, sua saúde piorou muito. Passava longos
períodos com falta de ar e, em 1985, durante uma viagem à Suíça, pegou uma
pneumonia. Ficou tão debilitado que os médicos sugeriram desligar o respirador
artificial que o mantinha vivo. Jane não aceitou e levou o marido de volta para
Cambridge. Lá, Hawking foi submetido a uma traqueostomia, cirurgia que colocou
um tubo de ar em sua garganta, facilitando sua respiração. Isso salvou sua
vida, mas ele nunca mais falou. A partir daí, o físico se comunicaria usando um
computador – com a voz eletrônica pela qual é conhecido. De lá para cá,
surgiram sintetizadores que produzem um tom de voz mais natural. Mas Hawking
preferiu continuar soando como robô: “Não vou trocar [de voz]”.
Em 1988, veio o grande momento de sua carreira. O físico
publicou Uma Breve História do Tempo, livro que fala sobre a origem do
Universo. Apesar do tema complexo, Hawking tentou escrever em linguagem
simples, para leigos. Acertou em cheio: o livro se tornou um sucesso
gigantesco, vendeu 10 milhões de cópias e foi traduzido em mais de 30 idiomas.
E Stephen Hawking virou o cientista mais famoso do mundo.
Em 1995, ele pediu o divórcio de Jane e se mudou para outro
apartamento, no qual morava com uma de suas enfermeiras, Elaine Mason. Eles se
casaram, e Hawking viveu uma vida aparentemente feliz, com direito até a
algumas aventuras. Em 2003, ele foi visto na Stringfellow’s Cabaret, uma casa
de striptease em Londres. Hawking estava na cidade comemorando o noivado da
filha e, para aproveitar a noite, foi até a boate junto com um assistente e
duas enfermeiras. Ele nunca comentou o caso, mas há provas: uma foto sua ao
lado de Peter Stringfellow, dono do cabaré, e outra com o cientista rodeado por
cinco strippers sorridentes. Hawking teria repetido a dose na Califórnia, onde
supostamente frequentou uma boate de sexo. Quando a imprensa descobriu, a
Universidade de Cambridge negou, dizendo que ele tinha ido “uma vez apenas”.
A vida conjugal de Hawking foi marcada por episódios de
violência doméstica. Em 2000, ele foi parar no hospital, com cortes e
hematomas, mas negou ter sido vítima de maus-tratos (e não quis dizer como
tinha se machucado). Em 2003, Lucy, uma das filhas do cientista, disse que ele
apanhava da esposa. Em 2007, uma enfermeira fez a mesma acusação, dizendo que
Elaine agredia e humilhava Hawking – batendo em seus braços, fazendo-o engolir
água durante o banho e deixando-o sob o sol escaldante por horas. O físico não
comentou o caso, mas se separou da esposa naquele mesmo ano. Foi morar numa
casa em Cambridge, onde esteve até o final, com uma governanta.
A doença pode ter trazido enormes dificuldades, mas não fez
Hawking ficar parado. Tirando a Oceania, ele esteve em todos os continentes.
Andou de submarino, voou num balão e até num voo da empresa americana Zero
Gravity, em que o avião faz uma série de manobras para produzir uma situação de
gravidade zero. “Me senti livre da minha doença”, ele relatou.
Texto e imagem reproduzidos do site: super.abril.com.br
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