Legenda da foto: O empresário Oscar Maroni, dono do Bahamas Hotel Club, uma das atrações de Moema — (Crédito da foto: Edilson Dantas)
Publicação compartilhada do site de O GLOBO, de 5 de agosto de 2023
'Moema proibida': bairro tradicional de SP abriga 'lado B' com cassinos, casas de swing e clubes de strip-tease
Moradores evitam associar bairro a apostas ou ao sexo enquanto convivem com essas atividades na vizinhança
Por Nicolas Iory — São Paulo
O tradicional bairro de Moema, na Zona Sul de São Paulo, ergueu-se no início do século 20 em torno da Igreja de Nossa Senhora Aparecida. O nome vem do tupi-guarani: significa “mentira” e “falsidade”. De dia, as ruas e avenidas com nomes de pássaros e tribos indígenas situadas entre o Parque do Ibirapuera e o Aeroporto de Congonhas abrigam moradores que passeiam com seus pugs e shih-tzus nas calçadas movimentadas de inúmeras quadras. À medida que o sol se põe, a vida urbana na vizinhança de classe média e alta ganha novos contornos. Cassinos e bingos clandestinos começam a receber sua clientela, assim como casas de swing e clubes de strip-tease.
— Aqui é 24 horas. Só entra com convite — disse o segurança de um endereço na Avenida Moema ao barrar a reportagem do GLOBO na noite de uma sexta-feira.
Momentos depois, cinco pessoas chegaram ao local, bem vestidas, na faixa dos seus 60 anos, e tiveram a entrada liberada. Junto a outro colega, o segurança vigiava uma pequena porta de ferro, também monitorada por duas câmeras, em meio a um muro alto sem letreiro ou iluminação. Ali funciona um cassino, com serviço de alimentação e mordomias aos apostadores.
Esse "lado b" de Moema contrasta com a imagem de bairro conservador, corroborada pelo comportamento dos eleitores do bairro. Em 2022, Jair Bolsonaro recebeu 46%, contra 31% de Lula na 258ª zona eleitoral (Indianópolis) no primeiro turno e 58% contra 41% do petista no segundo turno. O conservadorismo de costumes, no entanto, parece ter encontrado válvulas de escape no bairro.
— A classe média-alta de Moema é diferente da dos Jardins, por exemplo. O bairro é habitado por novos ricos e emergentes, filhos, netos e bisnetos de imigrantes italianos, espanhóis e árabes, principalmente, e ali vigora uma lógica do neoliberalismo apaixonado pelo status que o consumo proporciona. Moema virou uma ilha de consumo e bem-estar, que oficialmente é uma espécie de Miami de São Paulo, e extraoficialmente é uma Las Vegas — analisa o cientista político Renato Dorgan, morador do bairro.
Operações policiais para combater o funcionamento desse tipo de estabelecimento costumam passar por Moema. Em 2021, o atacante Gabigol, do Flamengo, foi flagrado em uma casa de jogos que funcionava em um prédio comercial da Avenida Juriti. O atleta assinou um termo circunstanciado na delegacia e foi liberado. O dono do local é Reginaldo Moraes de Campos, o “rei dos cassinos”, conhecido de longa data pelas autoridades paulistas.
No Brasil, jogos de azar como bingos e cassinos são considerados contravenções puníveis com prisão por até um ano, mais o pagamento de multa. Um projeto para legalizar essa atividade foi aprovado no início do ano passado pela Câmara dos Deputados, mas está parado no Senado desde então.
Durante a pandemia, a Polícia Civil instaurou inquérito para investigar outro cassino na Avenida Miruna onde foram encontradas mais de 80 máquinas caça-níqueis. Diante de dificuldades para localizar as pessoas que alugavam o imóvel, o caso prescreveu em dezembro.
Por dentro do darkroom
A alguns quarteirões de distância do cassino onde o GLOBO teve o acesso vetado, casais aproveitavam outra atração noturna do bairro. Moema é a Meca dos adeptos do swing, prática em que casais liberais fazem trocas entre si ou convocam desconhecidos para experiências sexuais.
Às sextas e sábados, carros de luxo se acumulam em vagas nos arredores da Alameda dos Pamaris, onde estão duas casas de swing famosas do bairro, a Hotbar e a Spicy Club. Na Marrakesh, uma das mais tradicionais da região, o público é menos elitizado. O local tem poltronas com revestimento em couro preto junto a mesas dispostas em um salão onde ao centro há uma pista de dança com barra de pole dance. Ao fundo, uma cortina separa o ambiente principal de um pequeno labirinto, o darkroom, que não é chamado assim por acaso: o breu por ali é total.
Na escuridão do darkroom há diversas cabines, algumas com poltronas para mais de um casal, outras tão apertadas que mal parece ser possível entrar uma pessoa desacompanhada. Há frestas e pequenas janelas que permitem aos observadores verem o que acontece ali dentro. Um punhado de homens passa a madrugada perambulando nesse labirinto em busca de alguma forma de prazer.
— O que excita não é necessariamente o toque, mas o ambiente — diz R., um experiente frequentador de casas do gênero. Ele diz que a ideia de que ‘ninguém é de ninguém’ nesses espaços é equivocada e ensina o ‘código’ adotado para participar de um swing: o homem encosta a mão no ombro de uma mulher desconhecida, sem se comunicar com o parceiro dela. O gesto é uma demonstração de interesse, que pode ser rechaçado pela mulher apenas retirando a mão de seu ombro, sem comunicação verbal.
— Você tem a sua vida normal, e a vida liberal. Se conseguir unir as duas com discrição, melhor ainda — afirma R.
'Magnata do sexo'
Para quem está só, Moema também pode oferecer companhias pagas. A casa-símbolo do ramo é o Bahamas Hotel Club, fundado há 18 anos pelo polêmico empresário Oscar Maroni — que em 2018 distribuiu cerveja gratuita para celebrar a prisão do agora presidente Lula.
Autodenominado o “magnata do sexo”, Maroni já foi preso quatro vezes sob acusações de explorar a prostituição de mulheres. Ele não nega que o sexo pago seja o grande atrativo do Bahamas, mas diz que ganha dinheiro apenas com o aluguel dos quartos para os clientes. As cerca de 60 mulheres que frequentam o local todos os dias, diz ele, também pagam a entrada, mas só isso. Um novo inquérito foi aberto contra o empresário após denúncia que indicou até os números de contas bancárias atribuídas a Maroni. A Polícia Civil quer receber dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para avançar com as investigações. O depoimento do empresário, inicialmente marcado para o dia 11 deste mês, foi adiado a pedido de Maroni, que refuta as acusações.
— Por que um cara pode transar com alguém no Hilton, no Mofarrej, e não pode no Bahamas? Eu não lucro em cima das mulheres, lucro com o bar, com o restaurante, o ingresso e as suítes. Sexo é crucial, faz muito bem para a cabeça. O Bahamas é o templo da felicidade e do prazer — diz o empresário, citando um lema que está inscrito na fachada do hotel-clube.
Hoje aos 74 anos, Maroni está aos poucos passando a administração do Bahamas para um de seus filhos. Ele ainda ataca de showman assumindo o microfone em uma das pistas de dança do espaço, quando anuncia o apagar das luzes para a entrada teatral de uma dezena de jovens vestindo somente as sandálias. Apesar de dizer que não mantém vínculo empregatício com nenhuma das moças, Maroni afirma que só admite a entrada de garotas que tenham até 30 anos de idade.
Moradores do bairro torcem o nariz com as associações entre Moema e atividades ligadas a jogos clandestinos ou ao sexo. Preferem destacar o fato de que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do bairro supera o da Noruega, conforme indicavam dados de 2010. O desenvolvimento do bairro, que tem os nomes de suas ruas em homenagem a aves da Mata Atlântica e a etnias indígenas tradicionais, explodiu a partir da década de 1950 com a expansão de pontos de comércio na região.
Claudia Mendes, que vive no bairro há 18 anos e integra o corpo diretivo de uma associação de moradores, diz não ver problemas na vinda de pessoas de fora em busca dos “prazeres secretos” de Moema, mas relata que já houve reclamações em relação à presença de traficantes de drogas, segundo ela atraídos por pontos de prostituição a céu aberto nas imediações das avenidas Indianópolis e Moreira Guimarães:
— Moema é uma área mista, com comércio e residências, e está acostumado a receber gente de fora por causa da proximidade com o aeroporto. Isso é saudável. O que buscamos aqui é ter um equilíbrio, em que essas atividades não incomodem os vizinhos. A maioria aqui sabe que existe isso dentro do bairro, mas passa despercebido.
Texto e imagem reproduzidos do site: oglobo globo com
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