terça-feira, 1 de agosto de 2023

No átrio da (r)evolução

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 31 de julho de 2023

No átrio da (r)evolução

Não há profissão que não vá ser afetada pela Inteligência Artificial. Continuamos a formar jovens para profissões que vão desaparecer ou transformar-se em nichos. Preparar o futuro começa na educação. Vicente Ferreira da Silva para o Observador:

A 21 de março de 2018, o Observador publicou o meu artigo – No limiar duma (r)evolução? – onde referi as implicações na sociedade dos progressos tecnológicos verificados na medicina, biotecnologia, nanotecnologia, focalizando, com mais pormenores, as consequências da robótica e da inteligência artificial (IA) no trabalho.

Referenciei que se a substituição da mão-de-obra humana não era novidade desde os anos sessenta do século passado, qual era a razão para esta nova geração de máquinas colocarem um problema? E salientei que se tratava de máquinas capazes de dispensar a mão-de-obra humana especializada e forçar a passagem da produção colaborativa centralizada para a descentralizada. Assim, não estávamos perante outra forma de mecanização ou automatização e que era urgente entender que os robots que iriam eram autênticos sistemas físicos cibernéticos que não se confinariam à indústria. Logo, a substituição do trabalho humano aconteceria a uma escala impensável até agora.

O COVID-19, com as medidas de protecção de saúde pública, que implicaram a adopção de trabalho remoto pelas empresas portuguesas, veio, de certa forma, contribuir para acelerar uma mudança de paradigma. Cinco anos depois, em que ponto estamos?

Pode não parecer, mas o maior desafio que temos actualmente é a educação. Há duas coisas que devem ser alteradas já. Primeiro, a maneira como ensinamos e, segundo, o que ensinamos. Continuamos a formar jovens para profissões que vão desaparecer ou transformar-se em nichos de especialidade. A base científica do conhecimento continuará a ser utilizada, mas a metodologia actual é insuficiente. Os nossos filhos não serão capazes de competir com máquinas. Só isto indica que a sociedade (assim como as suas diferentes formas de estruturação) vai ser profundamente alterada.

Não há profissão que não vá ser afectada pela IA. Até a medicina e a própria programação o serão. Emad Mostaque, da Stable Diffusion (inteligência artificial de código aberto projectada para gerar imagens a partir de texto), diz que até os programadores serão um nicho de especialidade. Emad Mostaque acrescentou que hoje, 41% de todo o código no github já é gerado por IA e que o ChatGTP, para além de conseguir passar no exame de programador de nível 3 do Google, também o que já programa facilmente será aplicado nos computadores ou telemóveis. Os computadores conseguem conversar melhor entre si do que os humanos conseguem com computadores. É importante não negligenciar estes avisos.

Por falar em ChatGTP (algoritmo baseado em inteligência artificial desenvolvido num laboratório de pesquisas norte-americano – OpenAI – capaz de responder em texto escrito às mais variadas perguntas ou pedidos), qual foi o efeito que teve na escrita? Há quanto tempo foi lançado? Bem, acho que a leitura deste artigo – Algorithms and journalism: the dawn of a new age, or the beginning of the end? – poderá ser interessante.

A aposta na igualdade de resultados, em detrimento da igualdade de oportunidades, só promoveu a diminuição do potencial humano e a impreparação dos jovens para a vida. Não é possível continuar a apostar no decréscimo da exigência, com receio de ferir a susceptibilidade e a auto-estima dos jovens, deixando-os progredir sem o conhecimento adequado até à universidade. Para ultrapassar os problemas é essencial reconhecer a sua existência. Só assim será possível definitivamente transformar fragilidades em forças.

Considerando o que acabei de descrever, o ensino devia ser reformulado já. Não é daqui a uns anos. Essa reforma no ensino deve basear-se no que está na base da comunicação: o sistema alfa-numérico. Como tal, há três coisas que são essenciais para aprender: ler e escrever (português), contar (matemática) e pensar. Especialmente pensar criticamente (filosofia). Ler e escrever, fazer contas e pensar devem ser os vectores permanentes do ensino, desde o primeiro ano até à universidade (pelo menos). A metodologia do ensino deve alterar-se. A aplicação do modelo utilizado na Escola 42, do Pedro Santa Clara, – que incentiva a cooperação e colaboração entre alunos, simultaneamente responsabilizando-os e dando-lhes a possibilidade de progredir consoante o seu esforço e vontade – devia ser seriamente considerado. Relativamente à utilização da IA no ensino, estas quatro ideias – 1) Aprendizagem personalizada; 2️) Tutoria Inteligente; 3) Tarefas administrativas aprimoradas; 4) Informações baseadas em dados – apresentadas por Charlotte Joy Trudgill, também são de considerar. Todavia, a principal mudança consiste na alteração de como encaramos as crianças e os alunos.

Durante a pandemia, numa reunião da UMinho para reflectir sobre as dificuldades do ensino online e como o tornar mais atractivo, eu disse que não podíamos continuar a ver os alunos de um modo passivo e que até mesmo metodologia de avaliação devia ser diferente. Sim, é necessário aferir o conhecimento adquirido pelos alunos. Mas também é preciso ensinar-lhes destreza de pensamento para encontrarem a solução. Não há nenhuma empresa que contrate um jovem e que lhe diga: resolva este problema, sem consultar nada, nem ninguém.

O professor vai tornar-se num mentor. A sala de aula deve ser um local onde o conhecimento é transmitido incentivando os alunos a explorar de modo a potenciar as suas capacidades e gostos. A cooperação em equipa não impede o desenvolvimento individual. E a empatia criada em grupo pode potenciar esse mesmo desenvolvimento.

A improbabilidade tem a propensão para se transformar numa possibilidade que mais cedo ou mais tarde é uma inevitabilidade. A IA vai transformar o mundo e tudo aquilo que temos por garantido. Quanto mais tarde reagirmos, mais sofreremos as consequências.

“Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Que tempo queremos ter?

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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