Ilustração artística mostrando uma colisão planetária perto
da estrela Vega,
semelhante à que poderia ter criado a Lua. Imagem - NASA
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
11 de julho de 2020
Por que é possível que estejamos sozinhos no universo?
Nosso planeta tem certas características que podem ter sido
cruciais para o surgimento da vida
Por Patrícia Sánchez Blázquez e Pablo G. Pérez González
O princípio da mediocridade, em astronomia, afirma que não
há nada intrinsecamente especial em relação à Terra. Vivemos em um planeta
rochoso normal que gira em torno de uma estrela normal, localizada em uma
galáxia típica espiral. O grande astrônomo e divulgador Carl Sagan, criador da
mítica série Cosmos, usava esse princípio para sugerir que, se a vida pôde se
desenvolver em nosso planeta, ela deveria ser comum no universo. Hoje, graças ao
satélite Kepler, sabemos que, de fato, considerando apenas a nossa galáxia,
existem bilhões de planetas rochosos orbitando estrelas semelhantes ao Sol, o
que, em princípio, endossa o princípio da mediocridade.
No entanto, existe um contraponto a esse princípio, a
chamada Hipótese de Terra Rara. O nome tem origem no livro Rare Earth,
publicado por Peter Ward e Donald E. Brownlee em 2000. Nele se argumenta que o
surgimento da vida inteligente na Terra pode ter ocorrido em razão de uma série
de coincidências, tanto astronômicas como geológicas, algo difícil de se
repetir. Hoje, vamos falar sobre esse acaso astronômico que pode ter sido
crucial para nossa existência e, afinal de contas, acontece que nosso Sistema
Solar não é tão comum como poderia parecer.
Nosso Sistema Solar é composto de quatro planetas internos,
todos eles rochosos, e quatro externos, bolas gigantes de gás rodeadas de
anéis. No meio há um cinturão de asteroides. Esta configuração é muito
estranha. A maior parte dos milhares de sistemas planetários observados até o
momento possui planetas de tamanhos semelhantes entre si, com raios maiores que
os da Terra, mas menores que os dos gigantes gasosos. Esses planetas geralmente
estão em órbitas muito mais próximas do Sol do que estão Júpiter e seus companheiros.
De fato, a maioria dos exoplanetas está em órbita mais próxima de sua estrela
do que a de Mercúrio, nosso planeta mais interior. Apenas 10% dos sistemas
planetários observados até o momento têm planetas tão grandes quanto Júpiter e
Saturno, e em menos de 2% dos casos esses planetas estão em órbitas estáveis
longe da estrela, como a nossa.
Não está claro como chegamos a ter planetas tão pequenos,
por um lado, e tão grandes, por outro, nem como o Sistema Solar se expandiu
tanto. Uma teoria, chamada de A Grande Travessia, afirma que Júpiter, que foi o
primeiro planeta gigante a se formar, começou a se mover em direção ao Sol,
assim como ocorre em outros sistemas solares que têm gigantes gasosos em
órbitas próximas. Saturno, que se formou um pouco mais devagar, fez o mesmo um
pouquinho mais tarde, mas muito mais rápido que Júpiter. Acredita-se que
naquele momento a duração da órbita de Saturno e a de Júpiter guardassem uma
proporção simples de 2: 3. Isto significa que a cada duas voltas de Júpiter e
três de Saturno, os planetas estavam alinhados. Quando isso acontece, os
planetas exercem uma força gravitacional maior entre si e, como as órbitas
estão sincronizadas, isso acontece em intervalos regulares de tempo. É o que na
física se chama de ressonância e é parecido com o que acontece quando
empurramos um balanço. Se sincronizarmos o momento de empurrar com o movimento
do balanço, ele alcança cada vez mais altura. O processo com os dois planetas
gigantes fez com que seu movimento se revertesse e começassem a se afastar do
Sol, até alcançar órbitas mais distantes do que aquelas onde se formaram. Essas
migrações obviamente alteraram as órbitas dos planetas internos até chegarem à
configuração atual.
A migração talvez não tenha afetado apenas os planetas. Essa
jornada também pode explicar a origem da água na Terra. Embora a Terra tenha
sido formada a partir de material próximo ao Sol, provavelmente muito seco, a
gravidade dos gigantes pode ter desestabilizado as órbitas de asteroides e
cometas mais distantes do Sistema Solar, aqueles que, por causa de sua
distância do Sol, tinham água em forma de gelo. A desestabilização de suas
órbitas fez com que grande parte deles fosse direcionada para o interior do
Sistema Solar, onde a Terra estava se formando, bombardeando-a. O gelo desses
objetos foi capaz de se derreter nos oceanos da Terra e permitir a nós, e tudo
o que vive neste planeta, permanecer com vida.
Por outro lado, nossa Terra tem outra característica que a
torna especial, a sua parceira de dança, a Lua. Nosso satélite é
excepcionalmente grande para o tamanho da Terra. É o quinto em tamanho no
Sistema Solar, comparável às luas de Júpiter e Saturno, embora esses planetas
sejam de uma dimensão 10 vezes maior que a da Terra. Esse fato insólito faz com
que a teoria mais aceita para a formação da Lua se baseie na existência de um
evento muito pouco provável: a violenta colisão de uma jovem Terra com um
planeta de tamanho similar ao de Marte, Theia, mãe da deusa da lua Selene na
mitologia grega. Esse choque teria produzido um desprendimento de material do
nosso planeta a partir do qual nosso satélite se formou.
É muito provável que esse choque seja o responsável pela
alta velocidade de rotação da Terra. Isso é importante porque reduz as
variações de temperatura entre o dia e a noite e viabiliza a fotossíntese,
essencial para a vida no planeta. Por outro lado, o impacto de Theia também
pode ter inclinado o eixo de rotação da Terra, graças ao qual temos estações, a
que se acrescenta que a própria presença da Lua implica que essa inclinação
quase não varie muito ao longo do tempo. Sem ela, é provável que houvesse
variações bruscas, levando a mudanças repentinas no clima, assim como sucede em
Marte, o que poderia ter acabado com a vida.
Por outro lado, a colisão com Theia pode ter aquecido a
Terra e impedido uma diferenciação dos elementos químicos, o que não permitiria
ao nosso planeta ter um campo magnético que é, de longe, o mais poderoso entre
os planetas rochosos do Sistema Solar. Como sabemos, o campo magnético da Terra
cria um amortecedor eficaz contra as partículas carregadas de alta energia
procedentes do vento solar, protegendo a vida dos efeitos nocivos dessa
radiação.
Tudo isso são hipóteses, é claro, mas muitas das
características da Terra, que parecem críticas para o desenvolvimento da vida
inteligente, não foram observadas em outros lugares, o que poderia indicar,
simplesmente, que estamos no único lugar do mundo em que poderíamos estar:
contemplando de nossa Terra rara os confins despovoados do espaço-tempo.
Pablo G. Pérez González é pesquisador do Centro de
Astrobiologia, órgão do Conselho Superior de Pesquisa Científica, e do
Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial (CAB / CSIC-INTA)
Patricia Sánchez Blázquez é professora titular da
Universidade Complutense de Madri (UCM)
Vazio Cósmico é uma seção em que nosso conhecimento do
universo é apresentado de maneira qualitativa e quantitativa. O objetivo é
explicar a importância de compreender o cosmos não apenas do ponto de vista
científico, mas também filosófico, social e econômico. O nome “vazio cósmico”
faz referência ao fato de que o universo é e está, em sua maior parte, vazio,
com menos de um átomo por metro cúbico, apesar de que, paradoxalmente, em nosso
entorno existem quintilhões de átomos por metro cúbico, o que convida a uma
reflexão sobre a nossa existência e a presença da vida no universo.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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