Crianças na fase de descoberta da sexualidade. Foto: Reprodução
Publicado originalmente no site SRZD, em 11 de julho de 2020
A inocência protege? A conversa sobre sexualidade com a
criança
Por Marcos Ribeiro *
O filósofo Rousseau (1712-1778) no século XVIII tinha a
ideia de que a ignorância e a informação dirigida e repressiva era o “pior dos
males”, preservando assim a criança dos “perigos” da sexualidade. Três séculos
depois, este é um assunto que não está totalmente resolvido, pois parece que a
conversa sobre sexualidade ainda causa um desconforto, como se estivéssemos
falando sobre algo pecaminoso e, por isso, impróprio.
Falar de sexualidade com as crianças é mesmo necessário, por
quê? Poderia aqui listar uma série de fatores, mas rapidamente podemos dizer
que conhecer o próprio corpo e ter acesso à informação é um direito de todas as
pessoas. Nunca, em nenhum século, a ignorância (no sentido de ignorar o assunto)
foi a melhor aliada da proteção. Inocência não protege, muito pelo contrário,
coloca a criança mais vulnerável.
Conversar com a criança é uma forma de protegê-la a uma
situação de risco como um abuso ou exploração sexual e, mais tarde, de uma
gravidez não planejada na adolescência, de uma Infecção Sexualmente
Transmissível, de situações constrangedoras por dificuldade de algumas pessoas
em lidar com o comportamento sexual do outro ou uma situação de violência onde
a mulher é a vítima preferencial.
No caso específico do abuso sexual, o abusador costuma fazer
ameaças e até chantagens. Mas não é só isso, relatos indicam que muitos usam
dinheiro, presentes e doces para crianças menores, como uma forma de se
aproximar e estabelecer uma relação com a vítima. Por isso a conversa é tão
importante, quando explica à criança a diferença entre o carinho permitido e do
abusivo; que no corpo dela ninguém pode tocar e que nenhuma criança mais velha,
adolescente ou adulto pode manter segredos sem o conhecimento dos pais (dos
dois, pai e mãe) ou responsáveis.
“Mas muitas vezes o abusador é o pai!”
Exatamente por isso que “ninguém pode tocar (…) ou manter
segredos sem o conhecimento dos pais (dos dois, pai e mãe) …”, vale reforçar.
Muitos pais acreditam que este assunto por ser uma questão
pessoal, portanto do âmbito do privado, deve ser discutido em casa. E estão
certos. Só que a escola tem um outro papel que é de ensino e aprendizagem,
construção social e formação do cidadão. Além disso, é no espaço escolar que se
estabelecem as primeiras relações afetivas depois da família, a convivência com
os amigos e a relação com as diferenças, num espaço em que isso se intensifica
muito.
Não saber lidar com essas questões podem gerar bullying (que
não é mimimi para os que insistem em minimizar o tema), relações de conflito e
violência.
Numa pesquisa realizada por mim com 326 professores do
Ensino Fundamental I, de 139 Municípios, das 5 regiões do Brasil, os(as)
professores(as) relatam que o maior “entrave” para que esta conversa na escola
é pai e mãe ou responsável. Portanto, há uma necessidade de aproximação entre a
família e a escola para que este assunto não fique debaixo do tapete ou espere
do lado de fora da escola. Os resultados dessa pesquisa, assim como todo o
conteúdo para o trabalho a ser realizado na escola sai esta semana (13 a 17 de
julho) com a publicação do livro “Educação em Sexualidade: conteúdos,
metodologias e entraves”, de minha autoria, pela Editora Wak.
A conversa sobre sexualidade além do conhecimento adquirido,
ajuda às crianças e adolescentes na autonomia para se protegerem ou pedirem
ajuda quando for necessário, a cuidarem da própria saúde, a desenvolverem
relações respeitosas com as outras pessoas e a conhecerem os próprios direitos,
garantindo-os.
“O que falar, quando falar?”
Falar o que a criança pergunta, na linguagem dela,
estabelecendo um diálogo claro, para que saiba a quem procurar quando surgir
outra dúvida. Não estamos falando de uma “aula de sexo”, mas ela perceba que em
casa este assunto é tratado de forma clara e com as informações necessárias.
Esta conversa acontece a partir dos valores da família e
suas crenças, entendendo mesmo assim que, quem educa, mesmo em casa, deve ter a
preocupação com as informações científicas e pautada nos Direitos Humanos, que
dizem respeito à todas as pessoas.
Cabe a pai e mãe ou os responsáveis dizer o que é “certo” ou
“errado”; “faça” ou “não faça”. A escola não cabe intervir nesses valores, mas
desenvolver a criticidade, o debate, as informações sobre o corpo e a
sexualidade e o respeito às diferenças. Mais saudável será se esses assuntos
forem discutidos também em casa, o que esperamos.
“No meu andar mora um casal gay, como explicar ao meu
filho?”
Antes de responder, vale uma historinha, que é real.
Uma amiga jornalista foi ao casamento de dois amigos de
redação. Estava sem saber como levar a sua filha de 6 anos mas, sem ter com
quem deixá-la, levou a menina com ela. Era um almoço. Ao chegar em casa na
volta do casório dos dois rapazes, perguntou o que a pequena Luísa tinha
achado. A menina disse que tinha achado diferente e, com isso, a mãe já
“armada” com todas as teorias perguntou: “por quê”?
Luiza: “Ué mãe, não tinha docinho!’.
A reação das crianças vai ser de acordo com o comportamento
dos adultos. Não importa que os vizinhos, amigos ou parentes sejam gays, trans
ou heteros. Independente da identidade de gênero ou orientação sexual da pessoa
é importante educar para o respeito ao outro e nos seus aspectos éticos e legais.
Se sentir a necessidade de conversar, diante da pergunta da
criança, diga que as pessoas amam de uma forma que as deixam mais felizes. Que
o papai e a mamãe são de um jeito; o vizinho ama de outro jeito e que pode
acontecer de ir na casa de um colega da escola e ele ter duas mães que se
gostam da maneira que elas são e por isso moram juntas e são felizes. Eduque a
criança com a ideia, muito verdadeira aliás, que as pessoas são diferentes e
diferenças não significam desigualdades!
Sobre o autor
Marcos Ribeiro (@educadormarcosribeiro) é pedagogo;
especialista em Educação Sexual; consultor, pontual, na área de sexualidade com
trabalhos realizados para a Fundação Roberto Marinho, John Hopkins University,
Canal Futura, UNESCO e Ministérios da Educação e Saúde, entre outros.
Autor, premiado pela Academia Brasileira de Letras, com mais
de 13 livros publicados e quase duas centenas de artigos publicados.
Texto e imagem reproduzidos do site: srzd.com
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