Vista vertical de uma faixa de pedestres lotada de gente.
Foto: GETTY IMAGES
Publicado originalemtne no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 15 de julho de 2020
A humanidade não chegará aos 10 bilhões de pessoas
População do Brasil recuará a menos de 165 milhões até 2100,
e a China será superada por Índia e Nigéria, segundo um estudo publicado na
‘The Lancet’
Por Javier Salas
“Há 10.000 anos
éramos apenas um milhão. Em 1800, faz pouco mais de 200 anos, já éramos um
bilhão. Há 50, por volta de 1960, chegamos a 3,5 bilhões. Atualmente, superamos
7,5 bilhões. Em 2050, nossos filhos e os filhos dos nossos filhos viverão em um
planeta habitado por no mínimo nove bilhões de pessoas. Antes do final do
século atual, seremos pelo menos dez bilhões. Talvez mais.” Em seu livro Dez
Bilhões, o professor Stephen Emmott, de Oxford, tentava nos advertir da
realidade apocalíptica que aguardará a humanidade se alcançarmos essa
formidável cifra de pessoas sobre a Terra. Mas cabe a possibilidade de que o
ritmo de crescimento se freie muito antes e que nunca cheguemos a esse perigoso
número.
É o que propõe um estudo publicado na revista médica The
Lancet, segundo o qual o pico de população ocorrerá na década de 2060, com 9,7
bilhões. E a partir daí a humanidade irá se reduzindo lentamente, até chegar a
8,8 bilhões em 2100. A chave: a educação da mulher, que será mais generalizada
e precoce, segundo os cientistas que propõem estas cifras, do Instituto de
Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington (IHME, na sigla em
inglês). “Nossas conclusões sugerem que as tendências contínuas no nível
educativo feminino e o acesso à anticoncepção acelerarão a redução da
fertilidade e o crescimento demográfico lento”, afirma o estudo. Mesmo países
como Níger, atualmente com uma taxa de sete filhos por mulher, chegariam a um
índice de natalidade semelhante ao França atual (1,8 por mulher, insuficiente
para ampliar a população).
O prognóstico das Nações Unidas é de que haverá 11 bilhões
de pessoas em 2100, ou mais dois bilhões a mais do que sugere o novo cálculo.
“Uma redução da população mundial total na segunda metade do século é uma boa
notícia para o meio ambiente mundial”, diz o artigo, e “significaria menos
emissão de carbono, menos estresse para os sistemas alimentares mundiais e menos
probabilidades de ultrapassar os limites do planeta”.
Esse encolhimento se deverá essencialmente a uma drástica
redução da taxa de fertilidade na África Subsaariana e à rápida redução
populacional prevista para a Ásia e Europa Central e Oriental. Especificamente,
esses demógrafos calculam que as populações minguarão pela metade em 23 países
e territórios, incluindo Espanha, Japão, Tailândia, Itália, Portugal e Coreia
do Sul. Além disso, outros 34 países terão uma grande redução de habitantes,
incluída a China, que passaria de 1,4 bilhão para 732 milhões de habitantes. O
Brasil, hoje com aproximadamente 210 milhões de habitantes, chegaria a um pico
de 235 em 2043, para então cair a 164,75 milhões no final deste século.
A África, segundo esse estudo, freará seu crescimento mais
rapidamente do que a ONU previa, mas mesmo assim triplicará sua população. Isso
provoca, entre outras coisas, que a Nigéria se transforme numa potência global
em 2100, com quase 800 milhões de habitantes, atrás apenas da Índia (um bilhão)
e à frente da China no pódio da população mundial. Entre os 10 países mais
populosos do mundo no final do século haverá cinco africanos (Nigéria,
República Democrática do Congo, Etiópia, Egito e Tanzânia), enquanto Brasil,
Bangladesh, Rússia e Japão deixariam essa lista. Permanecem Indonésia e EUA,
embora o caso norte-americano dependerá muito de resgatar a sua política
imigratória do último século, e não a da gestão Trump. “As políticas liberais
de imigração nos Estados Unidos sofreram um revés político nos últimos anos, o
que ameaça seu potencial para manter o crescimento econômico e populacional”,
afirma o estudo.
Essa é a chave e a principal moral da história: os países
que apostarem de forma decidida na imigração como política de longo prazo sairão
fortalecidos. França, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia mantêm e
reforçam sua população, sua influência e seu posto na economia global nas
próximas décadas, graças, em grande medida, a esse investimento em população de
origem estrangeira. “Alguns países manterão suas populações através de
políticas de imigração liberais e políticas sociais que amparem mais as
mulheres que trabalham e alcançam o tamanho de família desejado. É provável que
estes países tenham um PIB maior que outros países, com os diversos benefícios
econômicos, sociais e geopolíticos de uma população ativa estável”, explica o
estudo.
Segundo o artigo, os países têm quatro opções para enfrentar
os problemas de natalidade: podem tentar aumentar a taxa de fertilidade criando
um ambiente propício para que as mulheres tenham filhos e sigam suas carreiras;
podem restringir o acesso das mulheres aos serviços de saúde reprodutiva; podem
aumentar a participação na força de trabalho em idades mais avançadas; e podem
promover a imigração. Os autores da pesquisa estão convictos de que haverá uma
mudança de políticas em países como Japão e Hungria, que até agora se deixaram
levar pelo “desejo de manter uma sociedade linguística e culturalmente
homogênea”, apesar “dos riscos econômicos, fiscais e geopolíticos das
populações em declínio”.
“Estes estudos servem para advertir sobre determinadas
tendências, e por enquanto as políticas pró-natalidade adotadas por alguns
países, como a Hungria, não resolvem em longo prazo”, explica a demógrafa Teresa
Castro, do CSIC (agência pública espanhola de pesquisa científica). E observa
que “para melhorar a natalidade, o que é realmente útil não são cheques de
ajuda, e sim substituir o modelo de sociedade para obter políticas de emprego
estável”.
“Para os países de alta renda com uma fecundidade inferior à
taxa de substituição, as melhores soluções para manter os níveis populacionais
atuais, o crescimento econômico e a segurança geopolítica são políticas de
imigração abertas e políticas sociais que apoiem as famílias para que tenham o
número desejado de filhos”, explica Christopher Murray, diretor do IHME.
“Entretanto, existe um perigo muito real de que, diante da diminuição da
população, alguns países possam considerar políticas que restrinjam o acesso aos
serviços de saúde reprodutiva, com consequências potencialmente devastadoras. É
imperativo que a liberdade e os direitos das mulheres estejam no topo da agenda
de desenvolvimento de cada governo”, adverte Murray.
Castro considera “absurda” a possibilidade de que a
população do seu país, a Espanha, caia pela metade, de 46 para 23 milhões de
habitantes (ou 33 milhões, segundo a estimativa da ONU para o fim do milênio),
e também acha “irreal” prever uma redução de fecundidade tão expressiva para
países como Afeganistão, Níger e Paquistão, chegando a níveis inferiores
inclusive aos observados atualmente no norte da Europa. “É provável que baixe,
mas para que caia dessa forma depende do acesso das mulheres a uma verdadeira
educação de qualidade e a sistemas modernos de planejamento familiar e
anticoncepção”, acrescenta Castro, que também trabalhou na divisão das Nações
Unidas encarregada de projetar as populações do futuro. A demógrafa aponta que
talvez os autores do estudo, financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates,
“suponham que acontecerão as coisas que eles querem que aconteçam”. Os autores
desta nova análise reconhecem uma margem de incerteza considerável para
prognosticar evoluções num prazo de 80 anos, mas acreditam que é melhor que o
que tínhamos até agora, porque desenvolveram novos modelos de séries temporais
com maior quantidade de dados sociodemográficos, que inclusive incorporam a
probabilidade de conflitos, desastres naturais e o crescimento econômico.
O futuro que esse estudo propõe é o de um planeta
extraordinariamente idoso em 2100, onde os maiores de 65 anos beiram os 2,3
bilhões, em comparação com apenas 1,7 bilhão de indivíduos menores de 20 anos.
Haverá o dobro de pessoas maiores de 80 anos que menores de 5 (800 milhões
frente a 400). Essa mudança brutal na pirâmide demográfica afetará as relações
de poder entre os países e a sua capacidade de manter a solidez de sua economia
com uma força de trabalho minguante e envelhecida (à margem do que a robótica
possa oferecer, algo que os autores do estudo não se atrevem a prognosticar).
Por exemplo, a força de trabalho da China passará de 950 milhões para 350
milhões, e seu poderio militar será seriamente minguado ao perder 65% dos
jovens entre 20 e 24 anos em comparação à sua demografia atual.
“A atual narrativa populista sobre o valor da coesão étnica
para justificar os limites da migração será desafiada pela deterioração dos
níveis de vida”, escreve Ibrahim Abubakar, do University College, de Londres,
num artigo que acompanha o estudo. E aponta que “em última instância, se as
previsões de Murray e seus colegas forem apenas meio precisas, a migração se
transformará em uma necessidade para todas as nações, e não em uma opção”.
No estudo, os demógrafos também se atrevem a medir a
influência da população no peso político e econômico dos países, prevendo que
nações como a China e os EUA permanecerão como as maiores economias do planeta
por seu PIB, acompanhados da Índia. Mas a grande perda de habitantes afetará o
tamanho da economia de países como Brasil (hoje 8ª economia do mundo, que
passará a ser a 13ª no final do século), Itália (de 9ª para 25ª maior
economia), Espanha (de 13ª para 28ª) e Coreia do Sul (de 14ª para 20ª).
Richard Horton, diretor da The Lancet, escreveu que “esta
importante pesquisa traça um futuro que devemos planejar com urgência [...],
oferece uma visão de mudanças radicais no poder geopolítico, desafia os mitos
sobre a imigração e salienta a importância de proteger e fortalecer os direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres. O século XXI verá uma revolução na
história de nossa civilização humana. A África e o mundo árabe darão forma ao
nosso futuro, enquanto a Europa e a Ásia retrocederão em sua influência. No
final do século, o mundo será multipolar, com a Índia, Nigéria, China e EUA
como potências dominantes. Este será realmente um mundo novo, para o qual
deveríamos estar nos preparando hoje”, diz Horton.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário