segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

'Dois Papas' prega perdão em tempos de ódio


Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 20 de dezembro de 2019

'Dois Papas' prega perdão em tempos de ódio

Filme que estreia no catálogo da Netflix nesta sexta (20) usa um fictício encontro entre os papas Bento XVI e Francisco para discutir igreja, diálogo, compreensão e, principalmente, o perdão.

Por Rafael Argemon (Redator Sênior HuffPost Brasil)

Inspirada em fatos reais, a trama de Dois Papas, filme da Netflix que estreia na plataforma nesta sexta (20), se sustenta em uma grande suposição. Como seria um encontro entre os papas Bento XVI e Francisco? Dois pontífices “rivais” de estilos e ideias tão distintos. Esse é, na verdade, o grande mote do ótimo roteiro do neozelandês Anthony McCarten (Bohemian Rhapsody, O Destino de uma Nação) dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus, Ensaio Sobre a Cegueira).

Aliás, é quando parte para a mais pura ficção que o filme brilha. Muito por conta dos diálogos extremamente engenhosos de McCarten e, principalmente, pelas atuações excelentes de dois veteranos atores britânicos: Anthony Hopkins e Jonathan Pryce. O último, curiosamente, ganhou o papel apenas por sua semelhança física com Jorge Bergoglio, mas que tem aqui, pelo menos nas palavras de Meirelles, o seu melhor desempenho na carreira.

Os embates entre o Papa Bento XVI (Hopkins) e o então cardeal de Buenos Aires quando este vai à Roma para pedir sua aposentadoria são um deleite. Bento vê Bergoglio como alguém quer desviar o verdadeiro caminho da Igreja Católica, o de reiterar seus dogmas, já o argentino - que havia sido derrotado por Joseph Ratzinger no conclave de 2005 - vê o alemão como um atraso para a fé católica, que ano a ano perde fiéis pelo mundo.

Outro acerto do filme é não transformar Ratzinger em vilão e Bergoglio em santo. Se por um lado o papado de Bento XVI estava mergulhado em uma série de escândalos financeiros e sexuais, o cardeal que em 2013 se tornaria o papa Francisco, também tinha seus esqueletos no armário.

Em 1976, em plena ditadura militar na Argentina, quando era o chefe da Companhia de Jesus no país, Bergolio mantinha conversações com líderes do regime e falhou em não proteger dois sacerdotes jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que, segundo o governo da época, usavam o trabalho social em comunidades carentes de Buenos Aires para doutrinar fiéis. Eles terminaram sendo sequestrados e foram torturados por quatro meses.

A atuação complacente de Bergolio para com os militares durante a ditadura em seu país deixou marcas profundas nele e em sua imagem. Uma parte significativa da esquerda na Argentina nunca perdoou o agora papa Francisco.  Hoje ele é considerado um pontífice incansável na pregação dos direitos humanos e um crítico feroz da desigualdade social no mundo.

No entanto, é quando retrata a parte verídica da história que Dois Papas se entrega a um didatismo que chega a ser irritante. Fazendo um quase jogral para explicar ao espectador os motivos que levaram Bergolio a se transformar na figura de Francisco. Nesses momentos o filme vira praticamente um vídeo institucional pró-Francisco.

Felizmente, esse pedaço não chega a prejudicar o que Dois Papas tem de mais forte, os duelos verbais, filosóficos e culturais entre Hopkins e Pryce e a visão de que a compreensão e o perdão, para com os outros e você mesmo, são os dois maiores alicerces da fé cristã. E de todas as outras, aliás. Uma mensagem mais do que necessária em meio ao clima de extremo ódio dos dias de hoje, independentemente de qual seja a sua religião ou mesmo que você não tenha nenhuma.

Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário