Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 20 de
dezembro de 2019
'Dois Papas' prega perdão em tempos de ódio
Filme que estreia no catálogo da Netflix nesta sexta (20)
usa um fictício encontro entre os papas Bento XVI e Francisco para discutir
igreja, diálogo, compreensão e, principalmente, o perdão.
Por Rafael Argemon (Redator Sênior HuffPost Brasil)
Inspirada em fatos reais, a trama de Dois Papas, filme da
Netflix que estreia na plataforma nesta sexta (20), se sustenta em uma grande
suposição. Como seria um encontro entre os papas Bento XVI e Francisco? Dois
pontífices “rivais” de estilos e ideias tão distintos. Esse é, na verdade, o
grande mote do ótimo roteiro do neozelandês Anthony McCarten (Bohemian
Rhapsody, O Destino de uma Nação) dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles
(Cidade de Deus, Ensaio Sobre a Cegueira).
Aliás, é quando parte para a mais pura ficção que o filme
brilha. Muito por conta dos diálogos extremamente engenhosos de McCarten e,
principalmente, pelas atuações excelentes de dois veteranos atores britânicos:
Anthony Hopkins e Jonathan Pryce. O último, curiosamente, ganhou o papel apenas
por sua semelhança física com Jorge Bergoglio, mas que tem aqui, pelo menos nas
palavras de Meirelles, o seu melhor desempenho na carreira.
Os embates entre o Papa Bento XVI (Hopkins) e o então
cardeal de Buenos Aires quando este vai à Roma para pedir sua aposentadoria são
um deleite. Bento vê Bergoglio como alguém quer desviar o verdadeiro caminho da
Igreja Católica, o de reiterar seus dogmas, já o argentino - que havia sido
derrotado por Joseph Ratzinger no conclave de 2005 - vê o alemão como um atraso
para a fé católica, que ano a ano perde fiéis pelo mundo.
Outro acerto do filme é não transformar Ratzinger em vilão e
Bergoglio em santo. Se por um lado o papado de Bento XVI estava mergulhado em
uma série de escândalos financeiros e sexuais, o cardeal que em 2013 se
tornaria o papa Francisco, também tinha seus esqueletos no armário.
Em 1976, em plena ditadura militar na Argentina, quando era
o chefe da Companhia de Jesus no país, Bergolio mantinha conversações com
líderes do regime e falhou em não proteger dois sacerdotes jesuítas, Orlando
Yorio e Francisco Jalics, que, segundo o governo da época, usavam o trabalho
social em comunidades carentes de Buenos Aires para doutrinar fiéis. Eles
terminaram sendo sequestrados e foram torturados por quatro meses.
A atuação complacente de Bergolio para com os militares
durante a ditadura em seu país deixou marcas profundas nele e em sua imagem.
Uma parte significativa da esquerda na Argentina nunca perdoou o agora papa
Francisco. Hoje ele é considerado um
pontífice incansável na pregação dos direitos humanos e um crítico feroz da
desigualdade social no mundo.
No entanto, é quando retrata a parte verídica da história
que Dois Papas se entrega a um didatismo que chega a ser irritante. Fazendo um
quase jogral para explicar ao espectador os motivos que levaram Bergolio a se
transformar na figura de Francisco. Nesses momentos o filme vira praticamente
um vídeo institucional pró-Francisco.
Felizmente, esse pedaço não chega a prejudicar o que Dois
Papas tem de mais forte, os duelos verbais, filosóficos e culturais entre
Hopkins e Pryce e a visão de que a compreensão e o perdão, para com os outros e
você mesmo, são os dois maiores alicerces da fé cristã. E de todas as outras,
aliás. Uma mensagem mais do que necessária em meio ao clima de extremo ódio dos
dias de hoje, independentemente de qual seja a sua religião ou mesmo que você
não tenha nenhuma.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

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