De Niro, Scorsese e Pacino em Nova York, em setembro.
No
vídeo, trailer de 'O Irlandês'.
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, 14 de novembro de 2019
Robert De Niro e Al Pacino: “Filme ‘O Irlandês’ completa
nosso círculo profissional”
Os dois atores se juntam a Martin Scorsese em outra história
sobre a máfia. Em uma entrevista em Londres, confessam que é difícil que isso
volte a acontecer em um projeto parecido
Por Gregorio Belinchón Yague
No final dos anos sessenta, em 1968 ou, mais provavelmente,
em 1969, Al Pacino descia com a namorada pela rua 14 em direção ao cruzamento
da Avenida B, no East Village nova-iorquino, quando se chocou com Robert De
Niro. Literalmente. De Niro só tinha atuado em um punhado de filmes de baixo
orçamento. Pacino, três anos mais velho, já era uma estrela no teatro
nova-iorquino, depois de ter passado pelo Actors Studio, e havia trabalhado com
John Cazale, outro mito da interpretação. Em 1969, ganhou seu primeiro Tony. De
Niro se lembra perfeitamente do encontrão. Pacino não é capaz de colocar uma
data àquele momento, mas conhecia a fama crescente de De Niro. E define o que
sentiu naquele primeiro cara a cara: “Pensei que ele iria longe. Tinha carisma.
Era óbvio”.
E aqui estão meio século depois, como se fosse a comemoração
de suas bodas de ouro, Pacino (79 anos) e De Niro (76 anos), glórias
nova-iorquinas do Bronx e de Little Italy. Festival de cinema de Londres. O
Irlandês, o filme de Martin Scorsese, é exibido pela primeira vez na Europa. No
quarto de hotel, onde um grupo de jornalistas os espera, Pacino entra, com seu
habitual bling-bling de joias, a camisa aberta quase até o umbigo e a sensação
de que a idade o atropelou nos últimos dois anos. “Olá, bom dia”. Atrás aparece
De Niro, mais polido na maneira de se vestir e com aspecto muito mais juvenil.
Pacino diminuiu o volume de sua verborreia costumeira e usa um tom quase
inaudível; De Niro ao menos aumentou o número de palavras por frase, superando
em alguma sentença seus típicos monossílabos. Os dois encabeçam a nova
contribuição de Scorsese ao cinema de mafiosos: a história de Frank, o
irlandês, Sheeran, um motorista de caminhão que entrou na máfia nos anos
cinquenta por causa de sua relação com a família Bufalino, que controlava
Filadélfia e Detroit. Entre seus amigos estava Jimmy Hoffa, o sindicalista mais
famoso da história dos Estados Unidos, que desapareceu em 1975 sem deixar
rasto. O primeiro é encarnado por De Niro; o segundo, por Pacino. E Joe Pesci,
aposentado faz quase uma década da interpretação, faz um excepcional Russell
Bufalino.
O Irlandês estreou nos cinemas dos EUA na sexta-feira
passada. No Brasil poderá ser visto em poucas salas de apenas 15 cidades –as
únicas que aceitaram as condições da Netflix– a partir de 14 novembro e na
plataforma digital a partir de 27 de novembro. “Foi um trabalho feliz”,
reconhece Pacino. “Nos conhecemos há muito tempo. Não nos vemos com frequência,
mas nos sentimos próximos. Chegamos à fama quase ao mesmo tempo, vivemos
experiências semelhantes. E obviamente recebemos ofertas similares no cinema.
Eu nos definiria como camaradas”. E lembra que, no primeiro filme em que
trabalharam juntos, O Poderoso Chefão – Parte II, não apareceram ao mesmo tempo
na tela. “Então vieram Fogo contra Fogo e mais algumas coisas, como As Duas
Faces da Lei [da qual nenhum deles tem boas lembranças]... Enfim, para mim, O
Irlandês completa nosso círculo profissional”.
Joe Pesci e Robert De Niro em uma cena de ‘O Irlandês’.
O thriller de Scorsese não é mais um filme. E por isso ambos
estufam o peito com seu trabalho. “Tivemos a sorte de estarmos disponíveis para
filmar”, admite De Niro. Porque O Irlandês sofreu incontáveis atrasos durante
anos, causados pelo seu orçamento –enorme para um filme de Scorsese– de 175
milhões de dólares (cerca de 730 milhões de reais), necessário para
rejuvenescer digitalmente os rostos dos protagonistas. No caso de Sheeran/De
Niro, vai desde seus 24 anos, quando se tornou um assassino impiedoso na
Segunda Guerra Mundial, até os 83, quando morreu. “Li o livro sobre Sheeran
quando foi publicado [em 2004] e achei ideal para todos nós. Eu o passei a
Marty”, lembra De Niro. Isso foi há muitos anos; inclusive fizeram uma leitura
do roteiro em 2012. Pacino estreia sob as ordens de Scorsese, embora durante
algum tempo tenham tentado levantar um projeto: a biografia do artista italiano
Amedeo Modigliani. “Na interpretação existem coisas que escapam do seu
controle”, reconhece o ator. “É por isso que é tão bom colaborar com outros
intérpretes de talento, porque isso faz com que surjam coisas. Você soma
sensibilidades, dá e recebe, permite que a centelha salte, e ainda mais nas
mãos de um diretor como Scorsese, que te dá absoluta liberdade e confiança.”
Rejuvenescimento digital
O Irlandês também reflete sobre o envelhecimento. Como ambos
lidam com isso? De Niro: “É a vida”. Pacino: “Estamos tão mal assim?”. Não
querem se deter nesse ponto e tampouco estão muito preocupados com o legado que
deixam. “Se você teve a sorte de estar na posição artística de que desfrutamos,
um fato inimaginável quando éramos jovens”, responde De Niro, “algo você deixa,
e eu gostaria de legar um mundo melhor, no qual as pessoas se ajudem mais umas
às outras.” Pacino continua: “Eu nunca pensei que chegaríamos até aqui” e
retorna à sua felicidade por ter trabalhado com Scorsese.
O Irlandês é um filme de gângsteres crepuscular no estilo,
no gênero do western, de O Homem que Matou o Facínora? “Lembro-me muito bem de
uma foto dos atores juntos, que foi um dos últimos filmes de John Wayne. E ao
assisti-lo quando era garoto pensei que seria provavelmente a única vez em que
veria Lee Marvin, Wayne e Jimmy Stewart juntos. Não quero fazer brincadeiras ou
comparações, mas efetivamente existem muitas semelhanças”, sorri De Niro. E
sobre o remorso que a violência provoca naqueles que a exercem durante a trama
deste filme, algo nunca antes apontado no cinema de Scorsese, De Niro continua:
“Pode ser. Eles têm de fazer o que fazem para sobreviver, quase
inconscientemente”. Pacino abre um olho e diz: “Não tenho opinião. Estava
apenas ouvindo Bob. Muito embora pense que tudo faz parte da visão de
Scorsese”. Mas ele se entusiasma ao lembrar que a tecnologia não os incomodou
muito nas filmagens –usaram uma espécie de pequenos botões colados ao rosto
para a captura digital dos gestos– e que se esforçaram para fazer movimentos
mais juvenis: “Na segunda vez em que você se senta e se levanta como um jovem,
seu corpo estala e te lembra de que você tem 79 anos”. Para De Niro, “tudo
ajudou a completar a visão de Scorsese”.
Eles voltarão a trabalhar juntos? Pacino brinca entre risos:
“Nunca mais. Acabou-se”. De Niro: “Espero que surja um material forte. Mas,
como este? Provavelmente não. É o que temos”...
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário