Salman Khan, na terça-feira, em Oviedo (Espanha).
Foto: Paco Paredes
Publicado originalmente no site [brasil.elpais.com], em 16
de outubro de 2019
“A escola tradicional não responde ao funcionamento do
cérebro”
Matemático Salman Khan, fundador da Academia Khan, é o novo
ganhador do Prêmio Princesa de Astúrias de Cooperação
Por Ana Torres Menárguez
Se há uma certeza na mente de Salman Khan (Nova Orleans, 43
anos) é que não se deve limitar as crianças com a nossa própria aprendizagem.
Elas nasceram em outro tempo. Khan, matemático, engenheiro eletricista e
informático formado em Harvard e MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts),
espremeu o cérebro para encontrar uma nova pedagogia que ajudasse a uma prima
de segundo grau, de 12 anos, a entender a matemática. Conseguiu. “Sem
preconceitos nem hábitos pré-adquiridos”, conta, porque ele nunca tinha sido
docente. Conversou com muita gente, de Boston (onde vivia) a Nova Orleans, e
descobriu que a chave era procurar as conexões com outras áreas. Assim
identificou a “grande falha” da escola tradicional: o conteúdo é distribuído de
forma fragmentada, em temas autoconclusivos. Com todas as conexões cortadas.
Khan, que recebeu o Prêmio Princesa de Astúrias de
Cooperação 2019, conseguiu alterar o panorama educacional. Desde que criou em
2009 a Academia Khan, uma plataforma online gratuita de aprendizagem e sem
publicidade (sem fins lucrativos), mais de 72 milhões de pessoas de todo o
mundo seguiram alguma de suas 7.000 videoaulas, 100 horas de conteúdos que
abrangem da aritmética básica à Revolução Francesa. São característicos do seu
modelo pedagógico os chamados mapas de conteúdos, um software que encontra
conexões entre os temas e gera exercícios de forma automática.
“É mais fácil entender uma ideia se você pode relacioná-la
com outra que já conhece”, explica Khan sentado em uma das poltronas do Hotel
de la Reconquista, em Oviedo, capital da região espanhola das Astúrias. Como
tem muitas entrevistas a dar, trata de resumir ao máximo cada resposta. Como
exemplo do que propõe, cita o estudo da genética na Biologia, sem relação com o
cálculo de probabilidades na Matemática, embora sejam duas questões
estreitamente relacionadas. “São divisões que limitam a compreensão e dão uma
imagem errônea de como funciona o universo”, diz, em alusão ao seu livro Um
Mundo, Uma Escola (Intrínseca), onde faz uma crítica feroz do sistema
educativo.
Em sua opinião, essa forma de ensinar marca a diferença
entre memorizar uma fórmula para uma prova (o que acontece na escola atual) ou
interiorizar a informação e ser capaz de aplicá-la uma década mais tarde.
“A escola tradicional não responde ao funcionamento do
cérebro, as redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas
estanques”, insiste. Enquanto ensinava matemática a sua prima Nadia, em 2004,
deduziu que ela havia perdido uma aula em que se explicou a conversão para
unidades. A partir daí, a menina não conseguiu mais acompanhar a matéria. “Esse
é outro dos problemas da sala de aula atual, a mentalidade de que é preciso
seguir o programa, respeitar o calendário. A repetição é básica para a
aprendizagem, e numa sala de aula normal não se retrocede à espera de que todos
os alunos entendam; alguns ficam pelo caminho.” Porque cada um, afirma, tem um
ritmo de aprendizagem diferente. “E se não aprenderem no seu ritmo, acumulam
lacunas.” Foi o que aconteceu com sua prima até ele começar a lhe dar aulas por
telefone e a retomar várias vezes os conceitos que ela não assimilava,
impedindo-a de entender outras questões matemáticas. Diante do sucesso, outros
parentes pediram sua ajuda. O telefone já não era tão útil, então começou a
fazer vídeos que publicava na Internet e que são o germe desta escola mundial
onde a lousa com os exercícios não é apagada, está sempre na nuvem disponível
para o aluno.
Se os alunos não aprendem no seu próprio ritmo, acumulam
lacunas
Doações Milionárias
"Às vezes, quando você tem uma ótima ideia, o universo
conspira para torná-la possível", diz o matemático. Em seu caso, foi o que
aconteceu. Em 2009, ele decidiu deixar o cargo de analista financeiro no Vale
do Silício para se dedicar completamente a seu projeto educacional, no qual
investiu todas as suas economias. Algum tempo depois, com o sucesso e a
viralidade de seus clipes, nos quais se escuta sua voz, mas sua imagem não
aparece por uma questão de “austeridade” —“Não tinha uma câmera profissional
para me gravar nem orçamento para comprar uma”—, começaram a chegar doações
milionárias dos grandes nomes da tecnologia. O 1,5 milhão da Fundação Bill e
Melinda Gates e os dois milhões do Google, aos quais se somariam outras
quantidades de magnatas, como o mexicano Carlos Slim. Em 2012, Khan era uma das
100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time.
Seu diagnóstico é que a humanidade está vivendo um momento
decisivo que ocorre apenas a cada 1.000 anos, uma circunstância que deve levar
ao surgimento de novos modelos educacionais sobre uma base científica: os
"melhores teóricos" da educação concluíram que a capacidade de
atenção dos alunos oscila entre 10 e 18 minutos. As aulas continuam sendo de
mais de 50 minutos. “Por que essas descobertas não foram aplicadas? O sistema
tende a ignorar fatos biológicos indubitáveis”, observa em seu livro.
O pensamento analítico é necessário para se sobreviver
A que época remonta o atual sistema educacional que tanto
resiste às mudanças? Khan não tem dúvida ao responder. A origem dos padrões
atuais, "que potencializam uma aprendizagem passiva baseada na
escuta", está na Prússia do século XVIII, com o objetivo de formar
"cidadãos leais e dóceis" que aprendessem a se submeter à autoridade
dos professores, aos pais, à igreja e ao rei. "O que se buscava era
reduzir o pensamento independente, mas agora vivemos uma revolução sem
precedentes da informação e essa fórmula não é mais válida: o pensamento
analítico é necessário para se sobreviver."
Para Khan, outro dos grandes problemas é que as famílias
procuram a melhor educação para seus filhos e, em muitas ocasiões, esquecem o
interesse e o bem-estar das crianças da quadra em frente. “Ser egoísta é
inerente à natureza humana, mas não é aceitável que apenas 1% da população
entenda o que está acontecendo e tenha as ferramentas para sobreviver. Se não
buscarmos a educação do vizinho, o sistema democrático não funcionará e estaremos
permitindo que surjam os extremos”, conclui.
“NÃO ESTOU CONTRA EXAMES, MAS NÃO PODEM SER O PONTO CENTRAL”
Durante a entrevista, Khan repete várias vezes: "Não
sou contra os exames, acho que são necessários, embora não devam ser o ponto
central do processo de aprendizagem". O matemático acredita que os
formuladores de políticas, em vez de focar o debate nas falhas na educação,
ficam obcecados com os resultados, os rankings e o número de graduados por ano.
Em alguns casos, a atenção dedicada à avaliação leva a
situações limítrofes, como ocorreu em 2009 no Estado de Nova York, onde a
Administração Educacional contratou uma empresa para redesenhar os exames
padronizados —preparados por pessoal de fora para medir o rendimento das
escolas e dos professores. Segundo Khan, a pontuação dos alunos era muito alta
e não era considerada confiável, por isso a Administração encomendou a elevação
dos níveis de dificuldade. As notas despencaram. "A quem se pretendia
examinar, os alunos ou os próprios avaliadores?", questiona o criador da
Academia Khan. Por isso, ele não defende a dispensa das provas, mas
"avaliar os resultados com certo ceticismo".
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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