Graças ao Pornhub, o cinema para adultos deixou de ser um gênero que vivia nas
sombras para se tornar um fenômeno que atrai cantores famosos,
marcas reconhecidas e causas ecológicas.
Imagem: Getty (Montaje: Blanca López)
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 15 de setembro de 2019
Pornhub: a revolucionária história do site que mudou a forma
como vemos sexo
Começou como uma plataforma de vídeos piratas e hoje atrai
superestrelas, anuncia marcas de moda italiana e promove campanhas para limpar
os oceanos
Por Guillermo Alonso
O Pornhub já foi chamado de “os Estudos de Kinsey da nossa
geração”. A plataforma contém tantos milhões de vídeos (você precisaria de
várias vidas para ver todos), tantas variedades, localizações, piruetas,
morfologias, etnias, gêneros, orientações e fetiches que está pronto não apenas
para satisfazer as perversões mais estranhas de uma pessoa, mas também para
ajudar a descobrir algumas novas. Uma experiência reveladora é buscar
informação sobre o Pornhub no Google. Seu posicionamento tem tanta primazia, e
sua oferta é tão variada, que os termos em inglês sempre “dançarão” de um modo
que esses resultados tragam vídeos pornográficos exatamente sobre o que você
está buscando. Por exemplo: se procuramos informação sobre os escritórios ou os
funcionários do Pornhub, o Google vai nos sugerir o vídeo “Minha assistente
quer um aumento” ou “Secretária libertina seduz o chefe”. E se buscamos
“história do Pornhub”, não aparecerá nenhum artigo que nos ajude a conhecer a
trajetória da plataforma, e sim vídeos pornô como “As eróticas aventuras de
Marco Polo” ou “Boquete no museu criacionista”.
Nesse sentido, poderíamos afirmar que o Pornhub ultrapassou
o Google pela direita na busca de conteúdo, embora o Google seja o site mais
visitado do mundo e o Pornhub esteja em 38.o lugar: o que quer que você busque,
tem sempre alguma coisa no Pornhub que fala sobre isso.
Para conhecer as origens da plataforma de vídeos sexuais
mais popular do mundo, porém, é preciso conhecer primeiro da plataforma de
vídeos mais popular do mundo. Se o YouTube nasceu em 2005 (e é hoje um fenômeno
que mudou para sempre a indústria do entretenimento e o segundo site mais
visitado, após o Google) foi para saciar também um instinto selvagem. Um jovem
chamado Jawed Karim buscava desesperadamente na Internet o vídeo em que se pode
ver parcialmente o seio de Janet Jackson durante o intervalo do Super Bowl de
2004. Não o encontrou em nenhuma parte. E pensou: “Por que não existe nenhum
site onde as pessoas possam publicar vídeos e os outros possam vê-los?” O resto
é história – e está todinha em nossos celulares.
O dono do Pornhub ficou tão rico que “instalou um aquário
dentro de casa, “tão grande que um mergulhador tinha que ir toda semana para
limpar o fundo”, como contou uma pessoa que esteve lá
O Pornhub nasceria dois anos depois, fundado pelo
desenvolvedor Matt Keezer e como parte de uma empresa maior chamada InterHub. O
domínio “Pornhub” custou apenas 2.500 euros (11.250 reais). Sua história mudou
com a chegada de Fabian Thylmann (Aachen, Alemanha, 1978) em 2010. Até então, o
Pornhub era uma plataforma que oferecia, basicamente, material pirata: os
próprios usuários postavam cenas pornográficas que tinham em seus drives,
geralmente ilegais porque possuíam copyright. Thylmann deu um foco à operação
com a qualidade que você nunca esperaria no pornô: a frieza.
Com mentalidade de empresário, ele comprou o Pornhub e
outras plataformas concorrentes (como o YouPorn e o RedTube). Numa indústria em
que os chefes sempre haviam sido homens interessados no sexo e que se deixavam
levar pelos instintos mais básicos, Thylmann triunfou porque o pornô na verdade
lhe interessava muito pouco: ele sabia de números, empréstimos, publicidade e
tecnologia. O homem que deu de presente para o mundo a possibilidade de ver
qualquer tipo de vídeo erótico, a qualquer hora, em qualquer lugar e em troca
de nada não estava pensando em sacanagem, e sim em dinheiro.
Thylmann ficou tão rico que, como contou um conhecido num
programa de rádio, “instalou um aquário dentro de casa, tão grande que um
mergulhador tinha que ir lá toda semana para limpar o fundo. Você sabe que
triunfou na vida quando precisa do seu próprio mergulhador.” Thylmann vendeu a
empresa em 2013 por 66 milhões de euros (297 milhões de reais) enquanto era
investigado por evasão fiscal. Agora já não faz parte dela. Em 2015, pagou uma
multa de 4,5 milhões de euros (20 milhões de reais) para que retirassem as
acusações contra ele. Hoje, casado e com dois filhos, ele se apresenta em sua
conta do Twitter como “pai e investidor”.
No Natal de 2017, o Pornhub abriu uma ‘pop up store’ (loja
temporária) num elegante
bairro de Milão onde vendiam-se roupas e brinquedos
eróticos. (GETTY IMAGES)
Mas como Thylmann ficou rico com um serviço gratuito? A
história é paralela à de qualquer conteúdo multimídia na Internet. Numa
primeira etapa, ele oferecia um material que nem era seu, mas afirmava que só
colocava sua tecnologia à disposição dos usuários e não podia controlar a
disponibilidade legal do que era postado. Por outro lado, as produtoras de
vídeos de sexo que possuíam os direitos desses vídeos percebiam, derrotadas,
como era impossível lutar contra isso: buscar material para apagá-los era uma
tarefa titânica. Mesmo quando conseguiam, em poucos dias o vídeo era publicado
de novo.
Isso não durou muito: numa segunda etapa, assim como
aconteceu antes com a música e o Spotify, e com o cinema e as plataformas de
streaming, a indústria pornográfica soube que, se não podia derrotar o inimigo,
devia se juntar a ele. Hoje o Pornhub funciona com a colaboração de centenas de
produtoras. Elas o alimentam com materiais, dividem a receita de publicidade e
redirecionam os usuários aos seus próprios sites. E, claro, numa terceira etapa
cumpriu-se outra máxima da Internet: se o que você oferece gratuitamente é bom,
o usuário estará disposto a pagar uma mensalidade para ver com mais facilidade
e sem anúncios. Por 9,99 euros por mês (preço do Spotify), o conteúdo se
multiplica, tem mais qualidade de imagem e até a possibilidade de realidade
virtual.
“Todos visitamos o Pornhub”, disse Nicola Formichetti,
ex-diretor de criação da Diesel. “Então, antes de começar a se masturbar,
talvez você possa dedicar um tempinho para dar uma olhada em nossas calças e
sapatos”
Que publicidade é feita no Pornhub? A maior parte é
previsível: camisinhas, aumentadores de pênis, comprimidos para ereção, shows
de webcam, videogames... ou mais pornô. Mas em janeiro de 2016 o panorama mudou
e alguém da Diesel, a empresa italiana cujo diretor de criação na época era
Nicola Formichetti, que vende perfumes de enorme sucesso e jeans a partir de
200 euros (900 reais), pensou que havia uma oportunidade numa plataforma que
recebia 60 milhões de visitas por mês (hoje são muito mais). Foi a primeira
marca mundialmente reconhecida que anunciou no Pornhub. E foi notícia em todo
canto.
“Todos visitamos o Pornhub”, disse Formichetti. “Então,
antes de começar a se masturbar, talvez você possa dedicar um tempinho para dar
uma olhada em nossas calças e sapatos.” Três meses depois, o fundador da marca,
Renzo Rosso, contou que tinha havido um aumento de 31%, embora sem especificar
se era no tráfego do site da Diesel ou nas vendas. Mesmo que fosse só no
tráfego, já é uma cifra espetacular.
Uma experiência parecida aconteceu com a plataforma de entrega
de comida Eat24, que brincava em seus anúncios com certas mensagens ousadas. “O
pornô não vai mais ser visto sozinho”, diziam. Ou seja: se você saía para
buscar comida, teria menos tempo para ver sexo, então era melhor pedir através
do serviço. No início deste ano, a marca de produtos de beleza masculina Dollar
Shave Club (que pertence à gigante Unilever) também começou a anunciar no
Pornhub. Matt Knapp, diretor de criação da marca, explicou a um jornal
econômico australiano: “A campanha no Pornhub não foi cara e,
surpreendentemente, as impressões e a exposição que conseguimos foram
incríveis.”
Kanye West e Kim Kardashian têm, cada um à sua maneira,
algo
a ver com o mundo pornô: ele atuou nos prêmios Pornhub de 2018
e ela demonstrou
que o vazamento de um vídeo sexual privado
não tem por que ser o fim de uma
carreira no mundo dos negócios;
pode inclusive ser o início. (GETTY IMAGES)
O surpreendente é que se surpreendam. E que esse tipo de
campanha não seja mais comum. Em 2018, o Pornhub teve em média 92 milhões de
visitas diárias. Já não é um meandro obscuro e secreto. É o pornô transformado
em algo tão popular e maciço quanto o Twitter (que este ano teve 100 milhões de
visitas diárias, ou seja, só 8 milhões a mais que o Pornhub). O pornô, além
disso, perdeu em grande medida sua sombra de lixo social: há atores pornôs que
publicam novelas e dão longas entrevistas (Logan Pierce), e há atrizes pornôs
que filmam cinema convencional, publicam ensaios e são reconhecidas ativistas
feministas (Sasha Grey). E não nos esqueçamos de que a maior estrela multimídia
da atualidade, Kim Kardashian, ficou famosa quando um vídeo pornográfico seu
vazou e se tornou o mais visto da história. Poucos anos depois, ela seria
eleita pela Time uma das mulheres mais influentes do mundo e sairia em várias
capas da Vogue.
Justamente o marido de Kim Kardashian, Kanye West, ajudou em
setembro de 2018 a confirmar esse caminho rumo à popularização do Pornhub: ele
não somente esteve em sua primeira entrega de prêmios, mas também foi seu
diretor criativo. West desenhou os prêmios (vibradores gigantes), estreou um
clipe produzido por Spike Jonze e pediu ao artista Richard Kern que criasse o
visual dos telões que rodeavam o evento, emitido em streaming através da
própria plataforma de vídeo. Enquanto isso, eram entregues os prêmios: melhor
boquete, melhor fetichista, melhor ator bem dotado... Este ano o segundo prêmio
Pornhub será entregue em 11 de outubro. Até o momento, está confirmada a
presença do porto-riquenho Bad Bunny, estrela da música atual e ícone
millennial.
Como hoje ser popular passa inevitavelmente por ser
comprometido, o Pornhub realizou iniciativas como plantar uma árvore por cada
100 visualizações de vídeos e rodou uma cena chamada “O pornô mais sujo já visto”,
que acontece numa praia cheia de resíduos: por cada pessoa que assiste, o site
faz uma doação à organização Ocean Polymers. Em menos de um mês, o vídeo já foi
visto mais de cinco milhões de vezes.
O Pornhub também fez pelo mundo algo quase mais valioso do
que presentear pornô grátis: a cada ano, traça aquele que é provavelmente o
perfil psicológico mais íntimo, verídico e fascinante da atualidade. Todo
janeiro, o site publica suas estatísticas: que tipo de pornô vemos, quando,
como e onde. Livres de convencionalismos sociais, entramos no plano mais
atávico e profundo de nós mesmos. Certamente não há nenhum outro relatório
anual que diga mais sobre a alma humana. Em 2018, a estrela pornô feminina mais
buscada foi Stormy Daniels (que disse ter tido um romance com Donald Trump em
2006), e a masculina foi Jordi El Niño Polla, nascido em Ciudad Real (Espanha)
e hoje o homem mais famoso da indústria em todo o mundo.
O Pornhub fez pelo mundo algo quase mais valioso do que
presentear pornô grátis: a cada ano, traça aquele que é provavelmente o perfil
psicológico mais íntimo, verídico e fascinante da atualidade
Talvez o exemplo mais revelador sobre o uso do Pornhub tenha
ocorrido em janeiro de 2018, quando o serviço de emergências do Havaí enviou
por erro um alerta de míssil à população. Em meio ao pânico, que durou uma hora
e meia, o tráfego do Pornhub caiu bruscamente no arquipélago. Logo que o
problema foi resolvido e as autoridades anunciaram que a vida seguia tranquila,
o site viveu um dos picos de acesso mais espetaculares da sua história. Todo
mundo decidiu que era preciso comemorar que estava vivo. Ejaculando,
aparentemente. Se você pensar do ponto de vista biológico, tem muito sentido. E
do ponto de vista intelectual, tem muita poesia.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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