Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 20 de setembro de 2019
A lição da melhor professora do mundo
Entramos na escola londrina onde a docente que venceu prêmio
de um milhão de dólares põe em prática sua fórmula baseada nas artes para
educar alunos socialmente vulneráveis
Por Virginia López
Peluche. Irmão. Peluche. E Andria Zafirakou na frente com um
livro e um sonoro “quietos!” na boca. Com cinco anos, já se intuía que seu
destino era ser professora. “Todas as minhas brincadeiras tinham a ver com
ensinar, e eu dizia aos meus professores como eles tinham que dar a aula.”
Zafirakou tem agora 40 anos e sua foto aparece no cartaz na grade da Alperton
Community School, em Londres. Junto ao seu rosto, um rótulo: “Melhor professora
do mundo 2018”.
Faz um ano que ela ganhou esse título, num prêmio concedido
pela Fundação Varkey. Foi escolhida entre 30.000 candidaturas e, com o prêmio
—um milhão de dólares distribuídos ao longo de 10 anos— ela criou o projeto
Artist in Residence. “As crianças não escolhem uma carreira artística porque
não conseguem ver as oportunidades que teriam. Esta iniciativa leva a arte aos
colégios pela mão de fotógrafos, atores, músicos e demais profissionais que
inspiram os alunos. Investi o prêmio neste projeto porque acredito no poder da
arte.”
Zafirakou transformou suas brincadeiras infantis em
realidade. Já não dá aulas no seu quarto; ensina arte e tecelagem em uma sala
luminosa, na qual mal se vê as paredes pintadas de branco. Os trabalhos de seus
alunos cobrem quase completamente as paredes da classe, vazia numa sexta-feira
de junho. Com o cabelo preso em um coque alto, nem uma só mecha tampa seus
traços mediterrâneos. Filha de imigrantes gregos, nasceu em Londres e cresceu
no seio de uma grande família com as culturas grega e britânica entrelaçadas em
suas raízes. “Tive uma infância genial. Era um pouco ovelha negra. Travessa,
respondona e teimosa”. Sua vocação era ensinar, mas estudou Moda e Negócio
Têxtil na Universidade de Brighton para entender a matéria antes de explicá-la
aos seus alunos. Ao terminar, fez a formação necessária para se tornar
professora.
Recém-graduada e com apenas seis meses de estágio em dois
colégios, Zafirakou se apresentou na Alperton Community para pedir trabalho. E
se deparou com uma escola aos pedaços. Com janelas quebradas e baldes para
conter a água que se infiltrava nas salas de aula, porque nevava do lado de
fora. Os garotos que entravam na classe não passavam de 14 anos, mas pareceram
gigantes malcriados: “Foi a pior aula que dei na minha vida. Não dava arte,
ensinei-os a se comportarem”.
Através da arte, ela se tornou um exemplo inspirador para
seus alunos.
Foto: Manuel Vázquez
Saiu do teste convencida de que não queria o trabalho.
Levava uma experiência gratificante dos seus seis meses de estágio, e esse
centro só parecia prometer problemas. A escola fica em Brent, um bairro
imigrante e pobre na zona noroeste de Londres, e membros de gangues locais
ficavam na porta esperando os alunos saírem para recrutá-los. Os professores
dirigiam carros velhos porque, se aparecessem com um novo, seria vandalizado.
Mas o diretor lhe ofereceu o trabalho, e Zafirakou pensou que talvez não fosse
má ideia aceitar por um tempo. Ficava a 20 minutos de sua casa, bem poderia
ficar por lá durante um ano, no máximo. Ganhar experiência e cair fora.
Aceitou. Está lá há 14 anos e, além de professora, é subdiretora.
As gangues continuam espreitando os alunos na saída da
escola, mas o colégio pouco se parece com o que a professora conheceu mais de
uma década atrás. Não se veem janelas quebradas —na verdade, as instalações
atuais são invejáveis e com uma segurança pouco habitual para uma escola
secundária. Mas há um tecido social que ainda condiciona os alunos. “Os pais
desses garotos não têm muito dinheiro. Costumam viver várias famílias numa
mesma casa. Dispõem de um cômodo para cada uma e compartilham cozinha, sala e banheiro”.
Essa comunidade começou a lhe impressionar durante seu segundo ano de trabalho.
Ela notou que uma das suas “meninas” ia para a aula pela manhã, mas desaparecia
na hora do almoço. Descobriu que escapava para casa quando era a vez da sua
família usar a cozinha, pois assim podia preparar a comida de todos. Também viu
alunos fazerem os deveres no banheiro, por não encontrarem outro lugar
tranquilo em seus lares.
Zafirakou sabe que muitos de seus alunos vestem o mesmo
uniforme ano após ano porque seus pais não têm dinheiro para renová-lo, e que
alguns mal têm para comer. Entre as iniciativas que ajudou a promover
destacam-se a de oferecer um café da manhã gratuito diariamente e reservar
espaços para quem não puder estudar em casa. Além disso, 85% deles não têm o
inglês como língua materna, e Zafirakou usa sua disciplina para reduzir as
inseguranças que isso possa gerar: “Sentem muita pressão para aprender a falar
e escrever, acham que nunca vão estar à altura. Mas quando chega a matéria de
arte, é seu momento de brilhar”.
Os professores desta escola não se limitam a dar aula. Sabem
que muitos de seus alunos vivem em contextos de risco e que a chave para poder
ajudá-los passa por estabelecer com eles uma relação de confiança. “Muitas de
minhas meninas estiveram envolvidas em problemas com gangues. Nós as
acompanhamos até o ônibus para que cheguem a salvo à sua casa. E a primeira
coisa que fazemos ao voltar de férias é ver se as crianças que nos preocupam
vieram. Se estiverem aqui, para nós é um milagre.”
Através da arte, a professor se tornou um exemplo para seus
alunos.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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