Imagem Gorka Olmo
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 29 de junho de 2019
Cinco lições de Murakami para a vida
Por Francesc Miralles *
Além de ser um entretenimento viciante para milhões de
leitores, os romances do escritor japonês oferecem chaves para viver melhor
Poucos escritores gozam de um sucesso tão contínuo nas
livrarias ocidentais quanto Haruki Murakami, e o fato de ser um autor japonês
torna isso ainda mais notável. O que tem o autor de Norwegian Wood para se
conectar de forma tão extraordinária com públicos que estão a vários milhares
de quilômetros dos cenários e histórias que ele descreve? Alguns críticos
literários afirmam que seu sucesso reside em oferecer narrativa japonesa para
ocidentais, motivo pelo qual Murakami tem muitos detratores em seu próprio
país. Outros observam que suas tramas costumam ser simples e com poucos
personagens, com o grau justo de mistério e reviravoltas narrativas. É muito
improvável que alguém se perca em seus romances.
Entretanto, isso não basta para explicar o furor que causam
suas histórias entre nós, cheias de estranhos acontecimentos, golpes do acaso,
amantes inesperados, música clássica – ou jazz – e um ou outro gato. Não
estaria Murakami plasmando nossa vida atual a partir do seu olhar particular?
Vejamos então de que maneira sua leitura nos ensina a viver:
1. A solidão é a melhor via para o conhecimento. Em mais de
um romance de Murakami, o protagonista empreende uma viagem solitária para
escapar da confusão vital. No caso do jovem fugitivo de Kafka à Beira-Mar, isso
lhe permitirá acessar aspectos desconhecidos de si mesmo. Quando nos vemos
confrontados com a solidão depois de uma separação ou morte, ou quando a
buscamos através de uma viagem iniciática, afloram partes de nós que antes
estavam soterradas. Sem a proteção e o ruído dos outros, o encontro com nós
mesmos é inevitável, com o que damos um salto adiante em nossa própria
evolução.
2. O mundo é imprevisível. A segunda lição de vida que
extraímos de seus romances é que a vida sempre nos surpreende. Portanto, é
absurdo tratar de controlá-la ou nos angustiar com possíveis ameaças. No último
romance de Murakami, o extenso O Assassinato do Comendador, um pintor de vida
estável e acomodada recebe a notícia de que sua mulher quer se separar porque
teve um sonho que a empurra a tomar essa decisão. Quando o pintor lhe pergunta
do que tratava esse sonho, lhe diz que é algo muito pessoal. Se só podemos
esperar o inesperado, é inútil fazer previsões. E isso pode ser um grande
calmante para a mente. Quanto aos porquês que podem surgir para nos torturar,
isso nos leva à seguinte lição.
3. Não procure um sentido. Os argumentos de Murakami se
desenvolvem em um mundo de caos e aleatoriedade. Muitas vezes nem sequer é
possível culpar ninguém pelo sofrimento, o que é uma boa notícia. Como dizia
Viktor Frankl, o ser humano vai em busca de sentido, mas grande parte das
coisas que nos acontecem não o tem. Como nos romances do autor japonês, muitas
vezes sentiremos que nossa vida é um sonho onde as coisas acontecem sem razão
aparente. Podemos confrontar este fato com duas atitudes opostas: lamentar como
o mundo é injusto e absurdo, ou surfar as ondas que a existência nos traz.
Disso decorre a quarta lição.
4. Se sobreviver ao caos, você já ganhou. Dado que
confrontamos sozinhos muitos trechos de nossa existência, e se sabemos também
que tudo é imprevisível e que não há razão para que coisas tenham sentido,
então talvez a arte de viver seja sair o melhor possível da experiência. Viemos
ao mundo para vivenciar coisas, para tropeçar e para resolver problemas, como
fazem os personagens de Murakami. O prêmio é seguir em frente no jogo.
5. O orgulho e o medo nos tiram o melhor da vida. Em seu
ensaio Romancista como vocação, Murakami menciona uma história tão mágica
quanto triste. Aparentemente, em uma noite de 1922 James Joyce e Marcel Proust
estiveram num mesmo restaurante de Paris, onde jantaram em mesas próximas. Os
comensais que os reconheceram estavam emocionados, esperando que aqueles
gigantes da literatura começassem a debater. Nada aconteceu. Nas palavras do
japonês: “A noite chegou ao fim sem que nenhum dos dois se dignasse dirigir a
palavra ao outro. Imagino que foi o orgulho o que frustrou uma simples
conversa, e isso é algo muito frequente”.
Quantas vezes perdemos uma oportunidade, pessoal ou profissional,
por não ter dado o passo? Trate-se de orgulho, como interpreta Murakami, ou do
medo de sermos rejeitados, ao nos conter talvez deixemos a mais bela página de
nossa história por escrever.
Em busca da ternura perdida
Como comenta Carme García Gomila em um ensaio para a revista
Temas de Psicoanálisis, a solidão dos personagens de Murakami vai além das
“relações líquidas”, o conceito do sociólogo Zygmunt Bauman para explicar o fim
dos vínculos “vitalícios” em um mundo no qual o amor se tornou provisório e
precário.
Para García Gomila, sob a rigidez da sociedade japonesa
pulsa uma ternura etérea, quase indetectável, pois está longamente reprimida na
alma japonesa e talvez atualmente na ocidental. As peripécias dos personagens
de Murakami, nesse sentido, são uma busca desesperada por essa ternura que, com
sorte, algum dia tiveram – talvez através de sua mãe – e que se oculta
adormecida no fundo de sua alma.
* Francesc Miralles é escritor e jornalista especializado em
psicologia.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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