O filósofo Jason Stanley, em Nova York no último mês de maio.
Foto:Joana Toro
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 29 de junho de 2019
Jason Stanley: “Investe-se muito em atacar universidades
porque é onde está a maior liberdade de expressão”
Em seu livro 'Como Funciona o Fascismo', professor de Yale
disseca os traços da ideologia radical
Por Andrea Aguilar
O anti-intelectualismo, o vitimismo e a imposição de valores
patriarcais são os elementos comuns da ideologia radical que brota hoje em
diferentes latitudes. Isto é o que argumenta Jason Stanley (Estados Unidos,
1969) em sua última obra, Como Funciona o Fascismo – A Política do “Nós” e
“Eles” (L&PM, tradução de Bruno Alexander). Presença habitual na mídia,
Stanley traça um amplo mapa do fascismo que abrange várias décadas e mais de
meia dúzia de países.
Esse doutor em Filosofia pelo Instituto Tecnológico de
Massachusetts (MIT) e professor na Universidade de Yale, antes de esmiuçar a
ideologia fascista e suas reencarnações no panorama político atual analisou os
mecanismos propagandísticos em seu livro anterior, How Propaganda Works (“como
funciona a propaganda”), que lhe valeu o prêmio da Associação Norte-Americana
de Editores em 2016. Daí deu o salto a estudar o efeito pernicioso da
mitificação de um passado nacional glorioso. Afirma Stanley que a falsificação
e a idealização da história hoje sustentam desde o lema trumpista de “tornar a
América grande outra vez” até a Hungria de Orbán, passando pelo partido
Bharatiya Janata na Índia. Na biblioteca pública de Nova York, no começo de
maio, defendia com energia a urgência de agir frente à imparável ascensão de
uma retórica radical que não é inócua.
Pergunta. Você se especializou em filosofia da linguagem.
Como decidiu estudar o fascismo?
Resposta. Em 2009, dei aulas na Universidade Central
Europeia, em Budapeste. Voltei um ano mais tarde, depois da vitória de Viktor
Orbán, e o ambiente estava rarefeito. Percebi o antissemitismo por trás do
discurso político como se fosse uma onda de ultrassom, e recordei o que
escreveu minha avó sobre como havia sido gradual a mudança em Berlim dos anos
trinta. Vi claramente: o antissemitismo não era algo remoto, havia voltado.
P. Sua avó, fazendo-se passar por uma assistente social, ajudou
centenas de prisioneiros a escaparem do campo de concentração alemão de
Sachsenhausen. O que você recorda dela?
R. Morreu quando eu tinha um ano, não cheguei a conhecê-la.
Mas em seus escritos ela falou de um tempo em que se usava uma determinada retórica
e parecia que nada estava acontecendo, que as palavras não tinham
consequências. Entretanto, os discursos não são inócuos, a retórica acaba se
instalando, e hoje já está afetando o mundo.
P. Em Como Funciona o Fascismo, você escreve sobre o ataque
às universidades como um dos traços definidores do fascismo.
R. É assim, basta olhar a situação hoje no Brasil ou ler o
que Masha Gessen escreveu sobre o furioso ataque ao politicamente correto nos
EUA, sua caricaturização. Esse ataque ocorre no âmbito internacional; as
universidades se transformam em zona de guerra.
P. Como vê os campi norte-americanos?
R. O que vejo nas universidades dos EUA é a chegada de
muitas corporações. Veja, Yale não é nenhum antro de esquerdistas perigosos, lá
está guardado o arquivo do Henry Kissinger, e ninguém tirou Shakespeare dos
programas letivos. É incrível a quantidade de coisas que são exageradas e
inventadas e que se divulgam. Investe-se muito dinheiro em atacar esses centros
porque é lá onde há maior liberdade de expressão e onde há mais protestos.
P. Essa difusão de exageros e falsidades vai na linha do
Breitbart News e do seu ex-diretor Steve Bannon. Por que você não escreve sobre
ele em Como Funciona o Fascismo?
R. Bannon não é nenhum mago e não acho que tenha tanto poder
como se supõe. O republicano Newt Gingrich foi muito mais visionário quanto à
comunicação política. E quem têm poder são os oligarcas da direita ligados ao
vice-presidente Mike Pence, que promovem todas as políticas antigays. Na
Hungria, Orbán sabe bem o que faz, não precisa de Bannon, como tampouco
precisam dele em Viena.
P. Como deter as teorias conspiratórias que alimentam o
medo?
R. Isto é algo que os filósofos políticos estão debatendo
muito hoje em dia. Essas teorias podem passar por verdades quando as
democracias atacam políticas antidemocráticas.
P. Por exemplo?
R. Veja, o fenômeno das fake news não é novo. Em 2003 nos
levaram à guerra do Iraque.
P. A novidade são as caixas de ressonância que criam as
redes sociais?
R. Bom, isto das caixas de ressonância acho que basicamente
se refere a um tribalismo que tampouco é novo. Algumas pessoas ficam isoladas
da realidade e acabam retidas em falsos mitos.
P. Nenhuma sociedade está imune às técnicas do fascismo?
R. Acho que algumas zonas da Alemanha nunca serão fascistas,
e isto permite ter certa esperança no poder de uma boa educação. Mas, bom,
embora na Alemanha o assunto da supremacia ariana não ressurja, é bem verdade
que eles têm alguns mitos nacionalistas, como essa imagem de que os gregos são
uns vagabundos.
Steve Bannon não é nenhum mago e não tem tanto poder como se
supõe
P. Em seu livro você não menciona em nenhum momento o
populismo como um dos traços do fascismo. Por quê?
R. É um termo que tratei de evitar, sim. Queria deixar claro
que o que enfrentamos é um etnonacionalismo de extrema direita. Há um velho
debate sobre os traços que ficam de fora se você tenta englobar tudo e analisar
todos os extremismos, tanto da esquerda como da direita.
P. A pensadora Hannah Arendt, a quem você cita amplamente,
foi a primeira a teorizar sobre o que ela batizou de totalitarismos.
R. Sim, mas não estou de acordo com Arendt. Algumas coisas
se aplicam a qualquer regime totalitário, mas não todas.
P. Quais?
R. Arendt coloca a raça, um assunto que define o fascismo, e
a luta de classes no mesmo nível.
P. O enfrentamento de classes não desempenhou um papel, por
exemplo, na eleição do presidente Trump nos EUA?
R. Os brancos de classe baixa nos EUA estão sendo mortos por
sua brancura. O Partido Republicano há anos apoia políticas que não só os estão
prejudicando como também dizimando, com leis sobre armas, reduções de impostos
às grandes fortunas, cortes na educação pública e a rejeição ao Obamacare. São
eles que estão sendo sacrificados.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário