O filósofo Olavo de Carvalho
Foto: Tratamento de imagem em
cima de fotografia de Josias Teófilo
Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 30/11/2018
O boom editorial conservador puxado por Olavo de Carvalho
Por Daniel Salgado
Antes de sua influência política, o filósofo favorito de
Bolsonaro se tornou referência de casas editoriais alinhadas com suas leituras
Após indicar dois ministros do governo de Jair Bolsonaro,
Olavo de Carvalho voltou aos holofotes. Por isso, gostaria de apontar um dos
pilares do fenômeno Olavo pouco explorado até agora: o boom editorial de
tradução e publicação de autores conservadores, em sua grande maioria
recomendados pelo próprio filósofo em suas aulas e cursos.
São uma torrente de livros publicados por pequenas e médias
casas editoriais ao longo dos últimos anos, que vão além dos best-sellers
escritos por Olavo. Para entender o fenômeno, basta olhar os casos das editoras
É Realizações, Vide Editorial, Editora Concreta e Edições Kírion
Quem acompanha o trabalho de Olavo há algum tempo sabe que
um dos seus maiores artifícios retóricos é o de seduzir seus alunos com a
promessa de conhecimento proibido no mundo intelectual brasileiro. Se nossa
elite intelectual regurgita apenas o consenso do “pensamento de esquerda” nas
universidades e livrarias, seus alunos eram apresentados ao outro lado da
moeda: o pensamento conservador do século XX. Assim, Olavo trazia figuras como
Xavier Zubiri, René Girard, Mário Ferreira dos Santos, René Guenon e Eric
Voegelin.
Havia, porém, um pequeno problema: a maioria desses autores
tinha escassas edições brasileiras e, em muitos casos, nunca nem sequer haviam
sido traduzidos. E não foram poucos, o professor incluso, que perceberam a
oportunidade editorial de ouro que então se desenhava. O mercado apareceu com a
ideologia.
É preciso pontuar, porém, que Olavo não é o único a
influenciar o mercado editorial brasileiro com ideias conservadoras. Think
thanks liberais, por exemplo, são protagonistas na construção de uma nova base
leitora de autores libertários, como os da escola austríaca. Nem é o filósofo o
fundador da retórica das guerras culturais do século XXI, tema já recorrente
nos Estados Undios e na Europa.
E Olavo não ganha financeiramente com esse mercado que ele
próprio criou. Ao menos não diretamente. É claro que, ao recomendar essas
editoras que publicam suas sugestões — e que o citam como influência direta —,
Olavo gera um contexto favorável para a expansão de seu curso e da sua receita.
A exceção é a editora É Realizações, talvez a maior e mais
antiga das aqui citadas. Fundada na virada do século, ela teve participação
direta de Olavo em seus primórdios.
Nas palavras do próprio, era a oportunidade de:
“Complementar e consolidar, mediante essas leituras, o que [seus alunos] haviam
aprendido nas aulas. Não se tratava, portanto, apenas publicar bons livros,
muito menos divulgar autores, mas de refletir todo um projeto pedagógico que já
havia beneficiado milhares de pessoas e criado um público cativo que garantia
de antemão um mercado suficiente para sustentar a editora e fazê-la prosperar”,
disse em 2011, em um de seus programas de rádio, no qual também exaltava as
próprias qualidades como editor e autor de sucesso.
A parceria com o editor Edson Filho, da É Realizações não
durou para sempre e foi rompida em 2011. Hoje é possível ver críticas diretas
de Olavo à casa, que chegou até a publicar dois de seus títulos entre 2002 e 2006.
Ainda assim, a “É” continua investindo na linha editorial recomendada
originalmente por Olavo. Basta ver seu catálogo e depararcom livros de Mortimer
Adler, Mário Ferreira dos Santos, Eric Voegelin.
Esse é um aspecto importante dessas editoras. Não se trata
apenas de livros de filosofia. O escopo das publicações é dos mais variados. A
Editora Concreta, fundada por alunos de Olavo, teve como um de seus primeiros
projetos a publicação da obra crítica de Machado de Assis, e promove um largo
catálogo de teologia católica. Já a Kírion, também recomendada pelo filósofo,
aposta bastante nos lançamentos que falam sobre a educação do ponto de vista
conservador. Outro exemplo a se destacar é o da Vide Editorial. Casa de uma
série de publicações de Olavo, a editora é outra das maiores do segmento e traz
títulos de filósofos como Ortega y Gasset, economistas como Ludwig von Mises e
até de São Tomás de Aquino.
De certa maneira, a existência dessas casas é de fato
importante. Nomes antes pouco publicados ganharam nova vida. É o caso do
próprio Ortega Y Gasset, cujo clássico “A rebelião das massas” havia sido
publicado pela última vez nos anos 80. No passado, tive de recorrer a uma
edição argentina, coisa que hoje já não mais seria necessária. Ao mesmo tempo,
em plena crise editorial no Brasil, é de se pensar na necessidade da publicação
tão incessante de livros para uma base ainda limitada de leitores.
Mais do que isso, porém, essas editoras botam em xeque
alguns dos argumentos centrais de Olavo. Que seus autores prediletos eram
abandonados no Brasil, de que o conhecimento era limitado no país e que a porta
para o conservadorismo nas universidades estava fechada por decisão da
inteligentsia nacional. Agora, com sua biblioteca particular publicada
massivamente no país, não há porque bater na mesma tecla. Resta saber se esses
autores um dia tomarão o vulto que o filósofo tanto deseja ou voltarão ao
esquecimento dos sebos e edições esgotadas.
Texto e imagem reproduzidos do site: epoca.globo.com
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