domingo, 2 de dezembro de 2018

Olavo de Carvalho, o guru da direita que rejeita o que dizem seus fãs

O filósofo Olavo de Carvalho Foto: Josias Teófilo/Divulgação

Perfil do filósofo foi publicado originalmente em outubro de 2017

Olavo de Carvalho, o guru da direita que rejeita o que dizem seus fãs

Por Flávia Tavares

Esta Entre tragos abreviados em seus American Spirits, Olavo de Carvalho busca na memória o momento em que conheceu a notoriedade. É tarde da noite. Olavo está sentado diante do computador, no que parece ser o porão da casa de um dos filhos, no subúrbio de Richmond, nos Estados Unidos. Ele está lá até que a obra em sua casa ali perto, no meio do mato, termine. Olavo está rodeado de livros, como determina a etiqueta da entrevista com quem fala de ideias. O cenário é uma reconstrução provisória do que usa para ministrar suas aulas de filosofia on-line para cerca de 5 mil alunos. Olavo recapitula sua carreira de astrólogo. Lembra que um repórter o desafiou, em 1980, a traçar um perfil astrológico de uma pessoa desconhecida. Ele diz que o fez com precisão. Depois, soube que o sujeito era o jornalista Fernando Gabeira. Mas não, ainda não foi ali que Olavo se tornaria o famoso Olavo.

Quase 20 anos mais tarde, ele já dava “aulinhas” para pequenos grupos. Os temas eram diversos: literatura, filosofia, esoterismo, religião comparada... Ao fim de cada palestra, lia comentários que havia escrito, em tom sarcástico, sobre as “besteiras” que andava lendo nos jornais – em suma, tudo que ia neles. Até que, em 1996, convidado a coordenar a editora da Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro, Olavo recebeu do chefe a tarefa de, dali a duas semanas, colocar a recém-nascida editora na Bienal do Livro. “Mas como? Não temos nenhum livro publicado!” Olavo correu. Numa máquina que a Xerox acabara de inventar, imprimiu cópias de um livro do ex-ministro Mangabeira Unger com o já – e ainda – presidenciá­ve l Ciro Gomes. E de outros três títulos. Juntou as anotações em que insultava a elite dos pensadores brasileiros e aproveitou para incluir na empreitada um título seu,  O imbecil coletivo . Foi ali. No meio da década de 90, o autodidata, astrólogo, jornalista, que estudara desenho artístico e cinema, se tornaria “o filósofo conservador Olavo de Carvalho”, como é conhecido até hoje.

Após um longo período sem se ouvir falar de Olavo de Carvalho, especialmente depois que ele se mudou para os Estados Unidos, em 2005, seu nome voltou a aparecer em conversas nas rodas da direita. Olavo se radicalizou e esposou ideias divorciadas dos fatos. Passou a divulgá-­las compulsivamente nas redes sociais – tem 380 mil seguidores no Facebook e 190 mil no Twitter. Personalidades como o apresentador Danilo Gentili (16 milhões de seguidores no Twitter) se declaram fãs. O filósofo foi cedendo cada vez mais espaço ao conservador.

Parte central do pensamento de Olavo como filósofo é despertar a consciência individual dos alunos. Levá-los a questionar como cada ideia que o sujeito tem surgiu, que influências sofreu, qual a história daquela ideia. Olavo cursa esse caminho para tentar desmontar a pecha de guru da direita – mais especificamente do presidenciável Jair Bolsonaro – que lhe é atribuída. Rejeita os dois termos com veemência. Diz que não é “agente político”, mas mero “observador científico” da realidade. E que sua real influência se limita ao círculo de cerca de 200 alunos mais assíduos de seu curso de filosofia on-line, que conta com mais de 400 aulas de cerca de uma hora e meia cada. Mas Olavo está preso ao rótulo de guru da direita pelo paradoxo que ele próprio criou, pelas contradições que empreende.

Olavo é um carola que fuma e fala palavrão (tem obsessão por c...). Um homem gentil e divertido, mas virulento em seus ataques. Figura da direita que detona figuras da direita. Estudioso erudito que acredita em teorias, digamos, excêntricas e as dissemina, ao menos nas redes, sem nenhuma preocupação com fatos que as alicercem. Enquanto insiste que seus discípulos verdadeiros são somente seus alunos, faz em média uma dezena de posts diários no Facebook. “É uma espécie de diário, em que faço apontamentos sobre as impressões do momento. Isso quer dizer que aquilo que você leu no Facebook nunca é a minha opinião terminal sobre algo.”

Pensar assim é contrariar a natureza da plataforma em que ele escolhe desovar boa parte de suas impressões. Nas redes sociais, pega-se uma anotação de alguém – sobretudo pirações sem relação mínima com a realidade – e replica-se aquilo para sua bolha, que passa também a multiplicar aquele pensamento até que ele ganhe o status de relevante. Sem contexto. Sem história. Olavo sabe disso. “O seguidor de Facebook é o político-­ideológico, que pega duas ou três frases minhas, transforma aquilo em slogan e sai berrando por aí. São pessoas que eu não conheço, não sei quem são e nem quero saber.” Nas manifestações de 2013, ano em que ele passou a usar o Facebook com mais constância, pipocaram cartazes com a hashtag “Olavo tem razão”. “Se há alguma pessoa que foi símbolo das manifestações, fui eu. Não tinha cartaz do Lobão, do Kim Kataguiri”, Olavo se gaba em um de seus vídeos. Para alguém que rechaça o rótulo de guru e lamenta que as pessoas falem em seu nome sem conhecer sua obra, ele não soa insatisfeito.

O trajeto até aqui não foi involuntário. Em 2005, quando deixou de escrever suas colunas no jornal  O Globo  e em ÉPOCA, Olavo viu-se sem palco. Ele criara seu espaço defendendo a ideia de que havia um domínio esquerdista no pensamento cultural do Brasil. “Só o que se via no mundo era a repetição do mesmo discurso. Depois de 40 anos de hegemonia de esquerda não sobrava nada. Só a propaganda política, o adestramento comportamental.” Olavo se cansou de tentar alcançar lideranças empresariais e políticas. Decidiu moldar sua linguagem para um tom mais popular. Criou, em 2006, um programa de rádio chamado  True outspeak , em que traduzia suas ideias mais complexas. Abriu mão do papel de “observador científico” e passou a “agente político”. “O professor nos disse que queria ser uma síntese de Platão com Trapalhões. De Aristóteles com Alborghetti”, conta Filipe Martins, um de seus discípulos, que acompanha o curso on-line desde o começo, em 2009.

Uma década depois, personalidades como o cantor Lobão e o youtuber Nando Moura citam o professor sem cerimônia, embora não tenham feito seu curso. Páginas como a Terça Livre, uma das primeiras a denunciar a exposição  Queermuseu  em Porto Alegre, compartilham seus textos. A advogada do impeachment, Janaina Paschoal, leu suas obras e o elogia publicamente, embora ache que “quando ele usa um tom tão exacerbado, acaba fomentando o ódio e comportamentos radicais, como aqueles que sempre criticou”. O ex-ator pornô Alexandre Frota, que virou uma figura influente nas redes sociais, também cita Olavo esporadicamente – e recebe em troca elogios por sua “coragem”. O Movimento Brasil Livre, o MBL, adorava Olavo. Mas eles romperam – o filósofo se refere ao líder Kim Kataguiri como “mosquito”. Sobre Jair Bolsonaro, Olavo diz que, por ser o único candidato “desvinculado do capital internacional”, ele teria seu voto. Em viagem aos Estados Unidos, os dois tinham um encontro marcado, que foi substituído por uma conference call. “Adianta eleger o Bolsonaro? Claro que não. Nessas condições, ele não dura seis meses na Presidência. Eu queria dar alguns conselhos no caso de ele ser eleito. Mas não posso contar quais”, Olavo ri.

Na ponta mais extrema dos seguidores está o engenheiro José Geraldo Moura. Ele administra no Facebook o grupo Olavo de Carvalho – cuja foto é um Fabio Jr. apavorado, embrulhado em uma bandeira do Brasil –, que tem mais de 61 mil seguidores. “Olavo fala as verdades. O nazismo é socialista. Os militares são de centro-esquerda. Eu lembro na faculdade, a turma da esquerda eram tudo vagabundo. O Olavo percebeu essa tendência de globalização lendo o George Lucas”, diz Moura, ao se referir, imagina-se, ao filósofo húngaro György Lukács, não ao criador da saga  Star wars . As postagens no grupo vão de vídeos defendendo um golpe militar a textos sobre o Escola sem Partido. Em setembro, foram mais de 25 mil publicações e “1 milhão de ações entre comentários, compartilhamentos e reações”, segundo o administrador. Moura, que tem “uma sobrinha casada com um judeu e amigos no hospital Sírio-­Libanês”, administra outros 45 grupos no Facebook. Diz que está lendo  A nova cruzada , do Olavo. O livro não existe.

Olavo de Carvalho, em cenas do documentário "O Jardim das Ilusões"
Foto: Josias Teófilo / Divulgação

Além de defender medidas como a liberação das armas e duvidar da Teoria da Evolução e de que o petróleo é um combustível fóssil, Olavo dissemina basicamente três teses, repetidas em looping na direita e na extrema-direita. A primeira, e da qual derivam as outras duas, é sobre o globalismo: cerca de 200 grupos econômicos querem controlar o planeta. Com a mesma seriedade dos comentários sobre Aristóteles, Olavo desembesta. “A ideia de uma administração mundial, global, unificada, é muito antiga. Começa no século XIX. Depois, a família Rockefeller contrata intelectuais para estudar o assunto. Um dos projetos desse pessoal: eliminar os carros com motoristas. Isso só é possível se você conectar todos a uma fonte central. Quem tiver posse dessa fonte saberá para onde todo mundo vai e a que horas. Outro: eliminar o dinheiro impresso. As operações financeiras são feitas eletronicamente e se tem o controle total da vida econômica da população.” São pensamentos em sua maioria descolados dos fatos. Olavo cita fontes proficua­mente, mas fontes que elucubram tanto quanto ele, que se baseiam tão somente no plano das ideias. Ele afirma que, para ter sucesso na empreitada, a elite globalista precisa dissolver as células de poder que poderiam resistir a esse projeto. A principal delas: a família.

Aí, entram as outras duas teses olavéticas. Uma arma de destruição da família é a ocupação dos espaços culturais tal qual ensinada por Antonio Gramsci. A agenda multicultural comunista, as ideias e a forma de pensar prevalentes no mundo ocidental, seria uma forma de esvaziar de significado as tradições judaico-cristãs. Se os cidadãos não acreditam em nada, são facilmente controláveis pela tal elite globalista. Na América Latina, o inimigo comunista se chama Foro de São Paulo, um encontro anual de mais de 100 partidos e organizações de esquerda e de extrema-esquerda de diversos países. A outra arma é normalizar práticas como a pedofilia, a zoofilia e até o canibalismo. “São fatos que posso provar. Existe um movimento mundial para a implantação da pedofilia.” Olavo diz que não tem como mostrar esses documentos porque “não tenho sequer uma secretária”. Mas cita autores como Tony Duvert e André Gide como exemplos de uma elite intelectual defensora da pedofilia. “A história do divórcio começa com argumentos sutis e respeitáveis. Hoje, 50% das crianças americanas vivem sem um dos pais. Quando você vai ver quem abusa de criança, a maioria é feita pelo padrasto.”
  
O filósofo que discorria sobre a história das ideias desapareceu da tela. Deu lugar a um personagem com raciocínios anacrônicos. (Ele diz que a repórter usa esse adjetivo pelo filtro esquerdista e socioconstrutivista com que foi criada.) “Os escravos romanos não podiam ter família. Só a classe rica tinha direito a uma família estruturada. Hoje, qual o interesse da elite global em dissolver a família dos outros? Restaurar a situação romana, em que será mais fácil controlar a sociedade. Mas não tenho esperança de que o pessoal que está gritando nas ruas entenda essa filosofia.”

Talvez nem todos entendam, mas Olavo faz sucesso. Seu livro  O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota  vendeu mais de 250 mil exemplares, segundo Carlos Andreazza, editor executivo na Record e fã de Olavo. Em outubro de 2017, começou a pré-venda da edição de colecionador do título, com capa dura e um posfácio inédito do filósofo. No início de 2018, uma reedição de  O imbecil coletivo foi lançada. Há ainda planos para um livro com as entrevistas dadas por Olavo para o documentário  O jardim das aflições  e um outro com uma seleta de postagens de Facebook, cujo título, escolhido por Olavo, deve ser  O guru de Varginha . “Há uma demanda reprimida pelas obras do Olavo, que é um fenômeno comercial. Publicar seu livro me rendeu o rótulo injusto de editor da direita. Mas alguém precisa publicar o outro lado”, diz Andreazza. “Perdemos no Brasil a capacidade de respeitar o pensador público, figura que existe no mundo todo. Algumas plataformas exigem que se suba o tom. Mas ele não tem responsabilidade objetiva sobre o uso do seu pensamento.”

Para se eximir de tal responsabilidade, Olavo reafirma: “Se você quer compreender meu pensamento, tem de entender das bases até a expressão mais popular e improvisada. Toda obra filosófica são obras incompletas”. Olavo é um bom frasista (“O PT se tornou uma espécie de povo honorário”, “Tudo que aconteceu não desacontece”). É um orador envolvente. Por mais que não se concorde com uma simples palavra do que ele diz, é inevitável que se queira parecer inteligente para ele. Talvez sejam as tais técnicas de lavagem cerebral aprendidas com a neurolinguística de que fala sua filha, Heloísa, numa carta aberta publicada em setembro, acusando o pai, entre outras coisas, de apontar uma arma para os filhos. A obra incompleta de Olavo, aos 70 anos, transita na ambivalência entre o intelectual que quer formar “gênios” e o incendiário que berra contra “gayzistas”, “comunistas” e o Foro de São Paulo.

Texto e imagens reproduzidos do site: epoca.globo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário