O filósofo Olavo de Carvalho Foto: Josias Teófilo/Divulgação
Perfil do filósofo foi publicado originalmente em outubro de
2017
Olavo de Carvalho, o guru da direita que rejeita o que dizem seus fãs
Por Flávia Tavares
Esta Entre tragos abreviados em seus American Spirits, Olavo
de Carvalho busca na memória o momento em que conheceu a notoriedade. É tarde
da noite. Olavo está sentado diante do computador, no que parece ser o porão da
casa de um dos filhos, no subúrbio de Richmond, nos Estados Unidos. Ele está lá
até que a obra em sua casa ali perto, no meio do mato, termine. Olavo está
rodeado de livros, como determina a etiqueta da entrevista com quem fala de
ideias. O cenário é uma reconstrução provisória do que usa para ministrar suas
aulas de filosofia on-line para cerca de 5 mil alunos. Olavo recapitula sua
carreira de astrólogo. Lembra que um repórter o desafiou, em 1980, a traçar um
perfil astrológico de uma pessoa desconhecida. Ele diz que o fez com precisão.
Depois, soube que o sujeito era o jornalista Fernando Gabeira. Mas não, ainda
não foi ali que Olavo se tornaria o famoso Olavo.
Quase 20 anos mais tarde, ele já dava “aulinhas” para
pequenos grupos. Os temas eram diversos: literatura, filosofia, esoterismo,
religião comparada... Ao fim de cada palestra, lia comentários que havia
escrito, em tom sarcástico, sobre as “besteiras” que andava lendo nos jornais –
em suma, tudo que ia neles. Até que, em 1996, convidado a coordenar a editora
da Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro, Olavo recebeu do chefe a tarefa de,
dali a duas semanas, colocar a recém-nascida editora na Bienal do Livro. “Mas
como? Não temos nenhum livro publicado!” Olavo correu. Numa máquina que a Xerox
acabara de inventar, imprimiu cópias de um livro do ex-ministro Mangabeira
Unger com o já – e ainda – presidenciáve l Ciro Gomes. E de outros três
títulos. Juntou as anotações em que insultava a elite dos pensadores
brasileiros e aproveitou para incluir na empreitada um título seu, O imbecil coletivo . Foi ali. No meio da
década de 90, o autodidata, astrólogo, jornalista, que estudara desenho artístico
e cinema, se tornaria “o filósofo conservador Olavo de Carvalho”, como é
conhecido até hoje.
Após um longo período sem se ouvir falar de Olavo de
Carvalho, especialmente depois que ele se mudou para os Estados Unidos, em
2005, seu nome voltou a aparecer em conversas nas rodas da direita. Olavo se
radicalizou e esposou ideias divorciadas dos fatos. Passou a divulgá-las
compulsivamente nas redes sociais – tem 380 mil seguidores no Facebook e 190
mil no Twitter. Personalidades como o apresentador Danilo Gentili (16 milhões
de seguidores no Twitter) se declaram fãs. O filósofo foi cedendo cada vez mais
espaço ao conservador.
Parte central do pensamento de Olavo como filósofo é
despertar a consciência individual dos alunos. Levá-los a questionar como cada
ideia que o sujeito tem surgiu, que influências sofreu, qual a história daquela
ideia. Olavo cursa esse caminho para tentar desmontar a pecha de guru da
direita – mais especificamente do presidenciável Jair Bolsonaro – que lhe é
atribuída. Rejeita os dois termos com veemência. Diz que não é “agente
político”, mas mero “observador científico” da realidade. E que sua real
influência se limita ao círculo de cerca de 200 alunos mais assíduos de seu
curso de filosofia on-line, que conta com mais de 400 aulas de cerca de uma
hora e meia cada. Mas Olavo está preso ao rótulo de guru da direita pelo
paradoxo que ele próprio criou, pelas contradições que empreende.
Olavo é um carola que fuma e fala palavrão (tem obsessão por
c...). Um homem gentil e divertido, mas virulento em seus ataques. Figura da
direita que detona figuras da direita. Estudioso erudito que acredita em
teorias, digamos, excêntricas e as dissemina, ao menos nas redes, sem nenhuma
preocupação com fatos que as alicercem. Enquanto insiste que seus discípulos
verdadeiros são somente seus alunos, faz em média uma dezena de posts diários
no Facebook. “É uma espécie de diário, em que faço apontamentos sobre as
impressões do momento. Isso quer dizer que aquilo que você leu no Facebook
nunca é a minha opinião terminal sobre algo.”
Pensar assim é contrariar a natureza da plataforma em que
ele escolhe desovar boa parte de suas impressões. Nas redes sociais, pega-se
uma anotação de alguém – sobretudo pirações sem relação mínima com a realidade
– e replica-se aquilo para sua bolha, que passa também a multiplicar aquele
pensamento até que ele ganhe o status de relevante. Sem contexto. Sem história.
Olavo sabe disso. “O seguidor de Facebook é o político-ideológico, que pega
duas ou três frases minhas, transforma aquilo em slogan e sai berrando por aí.
São pessoas que eu não conheço, não sei quem são e nem quero saber.” Nas
manifestações de 2013, ano em que ele passou a usar o Facebook com mais
constância, pipocaram cartazes com a hashtag “Olavo tem razão”. “Se há alguma
pessoa que foi símbolo das manifestações, fui eu. Não tinha cartaz do Lobão, do
Kim Kataguiri”, Olavo se gaba em um de seus vídeos. Para alguém que rechaça o
rótulo de guru e lamenta que as pessoas falem em seu nome sem conhecer sua
obra, ele não soa insatisfeito.
O trajeto até aqui não foi involuntário. Em 2005, quando
deixou de escrever suas colunas no jornal
O Globo e em ÉPOCA, Olavo viu-se
sem palco. Ele criara seu espaço defendendo a ideia de que havia um domínio
esquerdista no pensamento cultural do Brasil. “Só o que se via no mundo era a
repetição do mesmo discurso. Depois de 40 anos de hegemonia de esquerda não
sobrava nada. Só a propaganda política, o adestramento comportamental.” Olavo
se cansou de tentar alcançar lideranças empresariais e políticas. Decidiu
moldar sua linguagem para um tom mais popular. Criou, em 2006, um programa de
rádio chamado True outspeak , em que
traduzia suas ideias mais complexas. Abriu mão do papel de “observador
científico” e passou a “agente político”. “O professor nos disse que queria ser
uma síntese de Platão com Trapalhões. De Aristóteles com Alborghetti”, conta
Filipe Martins, um de seus discípulos, que acompanha o curso on-line desde o
começo, em 2009.
Uma década depois, personalidades como o cantor Lobão e o
youtuber Nando Moura citam o professor sem cerimônia, embora não tenham feito
seu curso. Páginas como a Terça Livre, uma das primeiras a denunciar a
exposição Queermuseu em Porto Alegre, compartilham seus textos. A
advogada do impeachment, Janaina Paschoal, leu suas obras e o elogia
publicamente, embora ache que “quando ele usa um tom tão exacerbado, acaba
fomentando o ódio e comportamentos radicais, como aqueles que sempre criticou”.
O ex-ator pornô Alexandre Frota, que virou uma figura influente nas redes
sociais, também cita Olavo esporadicamente – e recebe em troca elogios por sua
“coragem”. O Movimento Brasil Livre, o MBL, adorava Olavo. Mas eles romperam –
o filósofo se refere ao líder Kim Kataguiri como “mosquito”. Sobre Jair
Bolsonaro, Olavo diz que, por ser o único candidato “desvinculado do capital
internacional”, ele teria seu voto. Em viagem aos Estados Unidos, os dois
tinham um encontro marcado, que foi substituído por uma conference call.
“Adianta eleger o Bolsonaro? Claro que não. Nessas condições, ele não dura seis
meses na Presidência. Eu queria dar alguns conselhos no caso de ele ser eleito.
Mas não posso contar quais”, Olavo ri.
Na ponta mais extrema dos seguidores está o engenheiro José
Geraldo Moura. Ele administra no Facebook o grupo Olavo de Carvalho – cuja foto
é um Fabio Jr. apavorado, embrulhado em uma bandeira do Brasil –, que tem mais
de 61 mil seguidores. “Olavo fala as verdades. O nazismo é socialista. Os
militares são de centro-esquerda. Eu lembro na faculdade, a turma da esquerda
eram tudo vagabundo. O Olavo percebeu essa tendência de globalização lendo o
George Lucas”, diz Moura, ao se referir, imagina-se, ao filósofo húngaro György
Lukács, não ao criador da saga Star wars
. As postagens no grupo vão de vídeos defendendo um golpe militar a textos
sobre o Escola sem Partido. Em setembro, foram mais de 25 mil publicações e “1
milhão de ações entre comentários, compartilhamentos e reações”, segundo o
administrador. Moura, que tem “uma sobrinha casada com um judeu e amigos no
hospital Sírio-Libanês”, administra outros 45 grupos no Facebook. Diz que está
lendo A nova cruzada , do Olavo. O livro
não existe.
Olavo de Carvalho, em cenas do documentário "O Jardim
das Ilusões"
Foto: Josias Teófilo / Divulgação
Além de defender medidas como a liberação das armas e
duvidar da Teoria da Evolução e de que o petróleo é um combustível fóssil,
Olavo dissemina basicamente três teses, repetidas em looping na direita e na
extrema-direita. A primeira, e da qual derivam as outras duas, é sobre o
globalismo: cerca de 200 grupos econômicos querem controlar o planeta. Com a
mesma seriedade dos comentários sobre Aristóteles, Olavo desembesta. “A ideia
de uma administração mundial, global, unificada, é muito antiga. Começa no
século XIX. Depois, a família Rockefeller contrata intelectuais para estudar o
assunto. Um dos projetos desse pessoal: eliminar os carros com motoristas. Isso
só é possível se você conectar todos a uma fonte central. Quem tiver posse
dessa fonte saberá para onde todo mundo vai e a que horas. Outro: eliminar o
dinheiro impresso. As operações financeiras são feitas eletronicamente e se tem
o controle total da vida econômica da população.” São pensamentos em sua
maioria descolados dos fatos. Olavo cita fontes proficuamente, mas fontes que
elucubram tanto quanto ele, que se baseiam tão somente no plano das ideias. Ele
afirma que, para ter sucesso na empreitada, a elite globalista precisa
dissolver as células de poder que poderiam resistir a esse projeto. A principal
delas: a família.
Aí, entram as outras duas teses olavéticas. Uma arma de
destruição da família é a ocupação dos espaços culturais tal qual ensinada por
Antonio Gramsci. A agenda multicultural comunista, as ideias e a forma de
pensar prevalentes no mundo ocidental, seria uma forma de esvaziar de
significado as tradições judaico-cristãs. Se os cidadãos não acreditam em nada,
são facilmente controláveis pela tal elite globalista. Na América Latina, o
inimigo comunista se chama Foro de São Paulo, um encontro anual de mais de 100
partidos e organizações de esquerda e de extrema-esquerda de diversos países. A
outra arma é normalizar práticas como a pedofilia, a zoofilia e até o
canibalismo. “São fatos que posso provar. Existe um movimento mundial para a
implantação da pedofilia.” Olavo diz que não tem como mostrar esses documentos porque
“não tenho sequer uma secretária”. Mas cita autores como Tony Duvert e André
Gide como exemplos de uma elite intelectual defensora da pedofilia. “A história
do divórcio começa com argumentos sutis e respeitáveis. Hoje, 50% das crianças
americanas vivem sem um dos pais. Quando você vai ver quem abusa de criança, a
maioria é feita pelo padrasto.”
O filósofo que discorria sobre a história das ideias
desapareceu da tela. Deu lugar a um personagem com raciocínios anacrônicos.
(Ele diz que a repórter usa esse adjetivo pelo filtro esquerdista e
socioconstrutivista com que foi criada.) “Os escravos romanos não podiam ter
família. Só a classe rica tinha direito a uma família estruturada. Hoje, qual o
interesse da elite global em dissolver a família dos outros? Restaurar a
situação romana, em que será mais fácil controlar a sociedade. Mas não tenho
esperança de que o pessoal que está gritando nas ruas entenda essa filosofia.”
Talvez nem todos entendam, mas Olavo faz sucesso. Seu
livro O mínimo que você precisa saber
para não ser um idiota vendeu mais de
250 mil exemplares, segundo Carlos Andreazza, editor executivo na Record e fã
de Olavo. Em outubro de 2017, começou a pré-venda da edição de colecionador do
título, com capa dura e um posfácio inédito do filósofo. No início de 2018, uma
reedição de O imbecil coletivo foi
lançada. Há ainda planos para um livro com as entrevistas dadas por Olavo para
o documentário O jardim das
aflições e um outro com uma seleta de
postagens de Facebook, cujo título, escolhido por Olavo, deve ser O guru de Varginha . “Há uma demanda
reprimida pelas obras do Olavo, que é um fenômeno comercial. Publicar seu livro
me rendeu o rótulo injusto de editor da direita. Mas alguém precisa publicar o
outro lado”, diz Andreazza. “Perdemos no Brasil a capacidade de respeitar o
pensador público, figura que existe no mundo todo. Algumas plataformas exigem que
se suba o tom. Mas ele não tem responsabilidade objetiva sobre o uso do seu
pensamento.”
Para se eximir de tal responsabilidade, Olavo reafirma: “Se
você quer compreender meu pensamento, tem de entender das bases até a expressão
mais popular e improvisada. Toda obra filosófica são obras incompletas”. Olavo
é um bom frasista (“O PT se tornou uma espécie de povo honorário”, “Tudo que
aconteceu não desacontece”). É um orador envolvente. Por mais que não se
concorde com uma simples palavra do que ele diz, é inevitável que se queira
parecer inteligente para ele. Talvez sejam as tais técnicas de lavagem cerebral
aprendidas com a neurolinguística de que fala sua filha, Heloísa, numa carta
aberta publicada em setembro, acusando o pai, entre outras coisas, de apontar
uma arma para os filhos. A obra incompleta de Olavo, aos 70 anos, transita na
ambivalência entre o intelectual que quer formar “gênios” e o incendiário que
berra contra “gayzistas”, “comunistas” e o Foro de São Paulo.
Texto e imagens reproduzidos do site: epoca.globo.com
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