quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

'O corpo' como capital na cultura brasileira

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Publicado originalmente no site Huffpostbrasil, em 24/01/2018

'O corpo' como capital na cultura brasileira

Por Mirian Goldenberg 
Doutora em Antropologia Social e Professora da UFRJ

"É interessante a recorrência do corpo como um objeto de desejo, algo que é admirado não apenas pelas mulheres, mas também, de forma expressiva, pelos homens."

Nas últimas duas décadas, ao entrevistar homens e mulheres da classe média da cidade do Rio de Janeiro, tenho sido constantemente surpreendida pela frequência com que a categoria "o corpo" está presente no discurso dos meus pesquisados.

Quando apresentadas à questão: "O que você mais inveja em outras mulheres?", a respostas mais comuns das mulheres foi: beleza, corpo, juventude, magreza e sensualidade. Quando os homens responderam o que mais invejam em outros homens, as respostas foram: inteligência, situação financeira, beleza e corpo.

Em outra questão, perguntei às mulheres: "O que mais te atrai em um homem?". Obtive como resposta: inteligência e corpo. Quando perguntei aos homens: "O que mais te atrai em uma mulher?", encontrei: beleza e corpo. O corpo apareceu ainda com maior destaque quando perguntei às mulheres: "O que mais te atrai sexualmente em um homem?" As respostas foram: tórax e corpo. Também perguntei para os homens: "O que mais te atrai sexualmente em uma mulher?" Tive como resposta: bunda e corpo.

O corpo é um valor em si, que simultaneamente identifica o indivíduo com um grupo e o distingue dos demais.

É interessante a recorrência do corpo como um objeto de desejo, algo que é admirado não apenas pelas mulheres, mas também, de forma expressiva, pelos homens.

Em outra questão da pesquisa, convidei os participantes a dizer como, hipoteticamente, eles se descreveriam em um anúncio buscando um parceiro amoroso e como eles descreveriam o parceiro que estariam procurando. Em suas respostas, o corpo veio acompanhado de palavras como: esculpido, bem definido, atlético, forte, trabalhado, saudável, bonito, atraente, sexy, gostoso, entre outros inúmeros adjetivos.

Alguns exemplos dos anúncios dos pesquisados podem ilustrar melhor o que encontrei nas respostas:

Sou magra, jovem, cabelos longos e lisos, bonita. E também muito sexy!

Procuro um homem de corpo sarado, muito masculino e romântico!

Sou alto, moreno, forte, bem-dotado, inteligente e rico.

Procuro uma mulher loira de cabelo longo, cintura fina, seios firmes e bumbum bonito, de corpo lindo e muito gostosa.

Pode-se dizer que o corpo e tudo o que ele simboliza estimula nos brasileiros a conformação a um estilo de vida e a um código de conduta. A obediência a estas normas é recompensada pelo sentimento de pertencer a um grupo "superior". O corpo é um valor em si, que simultaneamente identifica o indivíduo com um grupo e o distingue dos demais. O corpo malhado, esculpido e desenhado constitui uma espécie de prova de virtude. Sob a moralidade da boa forma, trabalhar o corpo é um ato prenhe de significado.

O corpo, muito mais do que as roupas, se transforma em símbolo que consagra e torna evidente as diferenças entre classes sociais. Ele sintetiza três ideias:

1) o corpo como insígnia (ou emblema) do esforço que cada um faz para controlá-lo e domesticá-lo até atingir a "boa forma";

2) o corpo como ícone da moda, que demarca a superioridade daqueles que possuem "o corpo da moda";

3) o corpo como medalha ou prêmio, merecidamente conquistado por aqueles que conseguiram um físico mais "civilizado" por meio de um trabalho duro e muito sacrifício.

Minha pesquisa sugere que o capital social literalmente incorporado pelo corpo é de enorme importância. O corpo pode ser uma fonte de distinção e um meio de mobilidade social. No Brasil, o corpo em "boa forma" é considerado um verdadeiro capital nos mercados afetivo, sexual e, também, no mercado de trabalho.

*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

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