domingo, 21 de janeiro de 2018

As redes sociais são fantásticas. As redes sociais são perigosas


Texto publicado originalmente no site Publico.pt, em 21 de Janeiro de 2018

As redes sociais são fantásticas. As redes sociais são perigosas

As redes têm hoje um lugar central (às vezes, demasiado central) na vida das pessoas.

Por Hugo Daniel Sousa.

Um destes dias, vi na minha timeline no Twitter algo que dizia o seguinte: “Coisas que não existiam em 2003: Facebook, Twitter, iPhone, iPad, (...), Spotify, Dropbox, Instagram, Snapchat, WhatsApp...” A lista era longa e incluía várias aplicações e redes sociais que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia. Algumas fazem parte de uma forma assustadoramente omnipresente, quase como se fossemos incapazes de viver sem elas. Basta ver, por exemplo, o ruído que se cria cada vez que o Whatsapp ou o Facebook estão em baixo. Uma reacção que não é muito diferente do que acontece quando faltam a electricidade e o gás e estamos perante a perspectiva de um banho gelado ou de um jantar frio.

As redes sociais têm hoje um lugar central (às vezes, demasiado central) na vida das pessoas. Os números de utilizadores activos de algumas delas são impressionantes e assustadores: Facebook (dois mil milhões de utilizadores activos), Facebook Messenger (1300 milhões), Whatsapp (1200 milhões), Instagram (800 milhões), etc. O que pensar das redes sociais?

As redes sociais são perigosas, porque lhes demos um poder desmedido. Sabem quem somos, onde estamos, do que gostamos, de quem somos amigos. Demos-lhe informação valiosa, que geram milhões em receitas publicitárias.

As redes sociais são fantásticas, porque nos ligam (gratuitamente ou a um preço reduzido) àqueles de quem mais gostamos. Conseguimos, de forma fácil e prática, falar ou trocar imagens com familiares e amigos que estão do outro lado do mundo.

As redes sociais são perigosas, porque se tornaram campo aberto para a mentira, a manipulação, as notícias falsas, a demagogia e, em particular, para o fenómeno da indignação colectiva acéfala, em que o ruído colectivo abafa a racionalidade dos argumentos.

As redes sociais são fantásticas, porque democratizaram o espaço público. Já não é apenas uma elite que tem voz. E muitas vezes é lá que se denunciam as mentiras, a manipulação, as notícias falsas. E foi também lá que nasceram vários movimentos de indignação colectiva, justos e necessários.

As redes sociais são perigosas, porque ajudaram pessoas como Donald Trump a chegar ao poder, seja pela comunicação directa via Twitter, seja pela propaganda dissimulada e assente em notícias falsas. E são perigosas porque ajudam a disseminar pensamentos abjectos e racistas.

As redes sociais são fantásticas, porque permitem combater pessoas como Donald Trump e desmontar argumentos ridículos. São fantásticas porque nos emocionam, quando, por exemplo, vemos discursos como os de Oprah Winfrey contra o racismo e o assédio ou intervenções como a de Anderson Cooper a contestar a posição racista de Trump sobre o Haiti e outros países pobres.

As redes sociais são perigosas, porque destapam e amplificam o que de pior o ser humano tem.

As redes sociais são fantásticas, porque nos dão a conhecer o melhor do ser humano e projectos (como o Humans of New York) que noutras circunstâncias não veriam (ou teriam mais dificuldade em ver) a luz do dia.

As redes sociais são perigosas, porque são um vício e, como alertava Arwa Mahdawi numa recente crónica no jornal Guardian, foram feitas para serem adictivas, sendo difícil usá-las de forma moderada. São também palco de hipocrisia social, como a daqueles “amigos” virtuais que passam por nós na rua e não nos cumprimentam.

As redes sociais são fantásticas, porque são úteis, como diversão, como instrumento de trabalho e como rede de contactos.

As redes sociais são tudo isto e muito mais. Quando olhamos para a gravura Day and Night  do artista holandês M. C. Escher (uma bela exposição para ver em Lisboa), podemos ver as aves brancas ou as aves negras, consoante o foco do nosso olhar. O mesmo acontece com as redes sociais. A diferença é que nas redes sociais podemos ir além da postura contemplativa de quem olha para um quadro de Escher. Podemos ser activos e usá-las com critério, protegendo-nos. E até podemos experimentar um período de desintoxicação, como fez Arwa Mahdawi, percebendo o que as redes sociais, em concreto, nos dão e nos tiram. O mais perto que estive disso foi numa viagem à Amazónia, onde fiquei num hotel sem telefone e sem Internet. Como foi? Foi uma bela “massagem mental”, em que desliguei do mundo e trouxe sons e cheiros que nenhum smartphone consegue captar.

Texto reproduzido do site: publico.pt

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