Publicado originalmente no site Revista Donna, em 29/07/2016
Entrevista! Marcelo Tas fala sobre os tabus masculinos e a
relação com o filho transgênero Luc
Por Thamires Tancredi
Provocador por natureza, Marcelo Tas parece ter herdado de
um de seus mais célebres personagens o dom de questionar. Desde 1983, quando
estreou na pele do repórter Ernesto Varela, que colocava o dedo na cara de
políticos com perguntas desconcertantes, o jornalista, ator e apresentador
coleciona trabalhos em que a máxima é divertir sem deixar de fazer pensar. No
currículo, inclua o Professor Tibúrcio, da série infantil Rá-Tim-Bum, um
clássico da TV Cultura, o Telekid do Castelo Rá-Tim-Bum e, nos últimos anos, o
comando da bancada do CQC, que deixou em 2014.
Depois de sete anos na Band, Tas agora é um dos quatro
amigos com perfis completamente distintos do Papo de segunda, atração semanal
do canal GNT voltada ao público masculino. De peito aberto, ele, o jornalista
Xico Sá, o cantor e compositor Léo Jaime e o ator João Vicente de Castro
debatem temas do universo masculino e não pensam duas vezes antes de expor
experiências e vivências pessoais.
— É o programa mais difícil que já fiz, porque chegou a hora
de eu mesmo me colocar. Em outros, como o CQC, onde existia mais uma persona
falando do Brasil e dos problemas, era um papel muito mais fácil do que o que
tenho que desempenhar no Papo de segunda — diz Tas. — Aqui o fogo está muito
mais próximo de alguém que eu desconheço, que sou eu mesmo. Se colocar é um
exercício, estou aprendendo.
Mas o diálogo de Tas com o público vai além da atração
exibida toda segunda, às 22h. No Twitter, onde se define como “jornalista,
comunicador e extraterrestre”, ele divaga, alfineta e polemiza com seus mais de
9,3 milhões de seguidores. E tem ainda o blog Tasômetro, em que debate temas
como ocupação das escolas e impeachment e até dá dicas de livros. Na entrevista
a seguir, Tas aponta quais são os temas que geram mais polêmica entre a ala
masculina, o que ainda é tabu para eles e discute a participação dos pais na
educação dos filhos – além de contar mais sobre a relação com Luc, seu filho
mais velho, que é transgênero.
Entrevista!
Na TV, temos vários programas dedicados às mulheres, mas um
espaço exclusivo para falar sobre o homem é novidade. Como é falar deles e para
eles no Papo de Segunda?
É dificílimo! Nós somos muito básicos, não temos
complexidade. Aquele estereótipo cerveja, mulher e futebol tem muita verdade.
Não que necessariamente todo homem goste de cerveja, mulher e futebol, mas o
homem se satisfaz com coisas muito simplórias. É mais ligado ao primitivo, ao
caçador, e a mulher é a complexidade, a sensibilidade, o inesperado. Tem essa
coisa lunar, essa relação diferente com a natureza. Elas são complexas como a
natureza. Ali, nos colocamos como operários do amor. No fundo somos homens
básicos tentando uma tarefa inglória que é abrir o coração e nos entregar,
enquanto cutucamos nossos telespectadores para fazer o mesmo. Ou pelo menos
para deixá-los constrangidos em casa ao lado das suas mulheres (risos).
Procuramos fazer isso com humor porque é uma forma de haver diálogo. Tentamos
não falar disso de uma maneira autoritária, cheia de certezas. A gente faz
questão de colocar nossas próprias precariedades e dúvidas em cima da mesa.
Vocês recebem sugestões de pauta do público?
O público é nosso pé na terra, é muito legal. Por isso, faço
tanta questão, desde o início, de colocar o máximo possível o público, durante
o programa mesmo, na tela. Creio que temos conseguido mais participação do
público nos últimos meses, até pelo fato de o programa ser ao vivo. Às vezes,
ficamos em uma divagação e vem alguém nas redes sociais e joga na tela um fato
ou uma vivência muito real, e aquilo ajuda o programa a pegar de novo no
tranco, a olhar para a vida de uma maneira mais sincera. Esse é um DNA meu, de
fazer televisão ouvindo o espectador.
No Saia Justa, causou polêmica quando as apresentadoras
falaram de aborto. Qual foi o tema que mais gerou discussão no Papo?
O machismo é um tema recorrente do programa em vários
recortes, e geralmente causa grande movimento em casa. Percebo que muita gente
vê o programa junto com alguém, o que acho bárbaro. Isso para mim é um
presente: perceber que algumas pessoas reservam a segunda à noite junto com
alguém que amam e que querem trocar alguma ideia sobre o que estamos ali
fazendo. Como lidar com o afeto, com a pessoa amada, é algo que sempre pega
fogo na nossa tribuna. Creio que há um terceiro: me julgo muito privilegiado
por a gente poder falar da política. Até por nós quatro sermos muito
diferentes, o Papo de segunda permite abordarmos a barbaridade que se tornou a
vida política do Brasil com pontos de vista diferentes e que ao mesmo tempo
dialogam. Não é um programa de petismo versus coxismo, ou de mortadelas ou
coxinhas. É um programa que, ao longo dessa crise, conseguiu debater o assunto
com liberdade e jogar alguma luz e provocação nessa conversa polarizada. Esse
também foi um dos temas quentes. Nós vamos completar um ano, e só caiu essa
ficha ontem. É uma aventura que já tem uma memória, uma consistência.
E como você avalia esse período? Que relatos chegam dos
espectadores?
Tem acontecido com muita frequência (de os espectadores
relatarem experiências de mudanças a partir do Papo). “Eu estava aqui em casa e
finalmente tive uma conversa com meu pai, com minha mãe ou parceira.” Muitas
mulheres também, contam que, no outro dia, eles (os parceiros) vieram falar com
elas e têm certeza de que foi por conta do programa. Isso é tão recompensador…
No fundo, somos um programa de entretenimento, que passa na segunda-feira,
quando as pessoas estão com sono, retomaram a rotina depois do fim de semana.
Estamos lá para entreter e ao mesmo tempo levar um pouco de reflexão, e é tão
legal saber que isso acontece.
O que você percebe que ainda é tabu para os homens?
Por onde começar? (risos) O que não é tabu, não é? O homem
ainda tem muito problema com seu corpo. O homem tem muito problema com seus
órgãos genitais, seja com a bunda ou com o pinto. Ele não olha muito para isso,
tanto que é o cara que tem doenças, que morre de câncer na próstata porque tem
problema em deixar outro homem introduzir o dedo e prefere morrer do que fazer
isto. Somos uma coleção de tabus, uma espécie de cardápio, e isto começa pelo
corpo. Somos muito mal resolvidos e, por incrível que pareça, somos obcecados
com o corpo da mulher e não olhamos para o nosso, somos descuidados em relação
a isso.
E quais são as bandeiras dos homens atualmente?
Agora é crucial a questão de nos colocarmos ao lado das
mulheres, reconhecendo a cultura do macho, o desastre causado por ela. Não
podemos temer nem fugir disso, porque é um espetáculo grotesco que estamos
vendo e o resultado dele, que vem de muito tempo, já se provou desastroso. Ao
mesmo tempo, a reconstrução desse equilíbrio, masculino e feminino, vai
depender muito desse rearranjo. Não basta simplesmente dizer que as mulheres
precisam ser CEOs e presidentes das empresas, não é isso. Precisamos reinventar
qual é o papel desse novo homem. É claríssimo que precisa ser reparada essa
injustiça criminosa contra a mulher, e creio que o homem tem um lugar que a
gente ainda não sabe qual a posição ou a atitude. Vamos ter que descobrir
juntos.
Como é seu envolvimento na educação de seus filhos? Acha que
os pais ainda são pouco presentes?
A educação, até comparando a que eu tive com a dos meus
filhos, é algo muito partido. A mulher responsável pela educação dos filhos em
casa e o pai pelo provimento dos recursos. O que aprendi muito tendo três
filhos é como é importante a educação ser algo compartilhado. Até porque estou
no segundo casamento, tive a experiência da separação e de ter compartilhado a
educação do meu primeiro filho com a minha primeira mulher, a Claudia Cope.
Tive que aprender um pouco o que significa isso, olhar para mim mesmo e ver
qual era a minha importância naquela conjuntura quando morávamos juntos e
depois ver o que mudou depois que nos separamos. Quando vou para meu
relacionamento atual, com a Bel Kowarick, vejo que já cheguei com aprendizados
que me ajudaram a tornar real essa visão do compartilhamento. Significa que,
mesmo dentro dos eventuais desequilíbrios, a mulher ou o homem que fica mais
dentro de casa ou com os filhos, isso não tem nada a ver com você dividir a
responsabilidade do olho no olho, de estar próximo. De participar do afeto que
tem que ser regado diariamente, e que para mim é ou deveria ser o núcleo da
educação familiar. Ser um provedor de afeto, um compartilhador de momentos de
apoio, de ouvir, de estar presente no drama do dia a dia. A vida é conflito
diário, e você não deve se ausentar deste conflito. O que percebo muito da
educação antiga, do meu avô, que foi um cara muito importante para mim, é que o
homem era alguém ausente desse drama diário, e isto não ajudou em nada. Para
mim, está aí uma função do homem contemporâneo: participar de verdade do drama
cotidiano com os filhos e as companheiras ou os companheiros.
Faz pouco mais de dois anos que você e seu filho Luc falaram
sobre a transição de gênero dele para a revista Crescer. É um assunto tabu e
difícil ainda para muitos pais. Como foi com você?
Foi uma grande responsabilidade, era um assunto que vivia
internamente desde sempre, é bom que se diga. O Luc sempre teve questões
iniciais relacionadas à sexualidade, e que para mim foi uma novidade. A questão
do gênero foi e é muito nova para todos nós, não só no Brasil. O Luc é um
presente, é um cara que trouxe para mim debate e informações que eu jamais
tinha acessado. Novamente, a chave para me colocar foi o afeto. Geralmente,
essa é a primeira reação que temos diante da sexualidade do filho,
independentemente de ele ser homossexual. A resposta que temos que buscar é o
afeto: como posso demonstrar o meu amor e apoio a essa angústia, a essa
transição que essa alma está sofrendo. Foi assim que procurei reagir e aprendi
um pouquinho com ele. Fiquei muito feliz com a entrevista da Crescer, e que
depois se desdobrou em muitas outras. Percebi que esse assunto entrou na pauta
nacional do jeito em que acredito que temos de olhar para ele, de maneira
afetuosa e civilizada. Temos que procurar entender evitando que o nosso preconceito
e ignorância nos impeçam de avançar, concordando ou não. Recebi muitos
feedbacks de quem discorda ou fica inseguro com a maneira tão sincera com que
abordamos tudo isso, e tento responder igualmente a todos eles: “Entendo o que
você está vivendo, é difícil mesmo”. Mas recebi milhares de e-mails de filhos
aliviados, que se sentiram encorajados para levar aquele assunto para dentro de
casa, e de pais também, Espero que tenha sido um bom início desse debate, que,
aliás, é muito antigo, veio por baixo dos panos por muito tempo e que agora,
com essa revolução que a gente vive, possamos conseguir viver plenamente, cada
um, as suas identidades e sua vida amorosa. E perceber que isso não é nada
demais, é simplesmente cada um querendo e vivendo o amor que lhe cabe, que
deseja. É muito simples, na verdade, e a gente complica muito.
Como você avalia a experiência no CQC e sua maneira de
abordar a política? O programa deixou uma lacuna na TV?
Vejo esse cenário que temos no Brasil e sinto falta de um
programa como o CQC, e tenho consciência da importância do programa. Estive lá
por sete anos e foi um período em que o país mudou muito, de 2008 a 2014. Creio
que isso indica o quanto a TV ainda está aquém do que o telespectador gostaria
que ela fosse. É um desafio para todos nós que fazemos televisão, não estou me
colocando fora disso. Principalmente a TV aberta tem um desafio gigantesco de
responder a uma exigência do público, sobretudo por conta da revolução digital.
O público que era calado e que agora tem um veículo de comunicação tão ou mais
poderoso do que a televisão, que tem esse efeito manada, de mobilização
instantânea que a gente vê nas redes. Respeito e procuro aprender muito com
essa mudança.
Texto e imagens reproduduzidos do site: revistadonna.clicrbs.com.br
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