O GRANDE LEGADO O juiz Moro acredita que, apesar das ameaças de retrocesso,
o Brasil não voltará aos tempos da impunidade.
Crédito: Stefano Martini.
Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 01.12.17
Ele condenou Lula e derrotou os barões da corrupção
Implacável defensor da Lava Jato, o juiz Sergio Moro foi o
responsável por mandar para a cadeia em 2017 o ex-governador Sergio Cabral, o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e os ex-ministros do PT José Dirceu e
Antonio Palocci. A sentença de maior repercussão, no entanto, foi a que
condenou o ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão
Por Germano Oliveira
Sergio Moro
Aos 45 anos, o juiz Sergio Fernando Moro conseguiu uma
inalcançável façanha em 2017: mandou um lote de políticos dos mais poderosos
para a cadeia, como o ex-governador Sergio Cabral, o ex-presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci. A mais
estrepitosa sentença, no entanto, pela repercussão e simbolismo, foi a que
condenou a nove anos e meio de prisão o ex-presidente Lula. Se confirmada pela
segunda instância, e não houver liminares marotas capazes de sustentar uma ilegalidade
até o pleito, o petista, mesmo que em última hipótese não seja preso, estará
impedido de concorrer às eleições de 2018. Daí o peso e a relevância histórica
do veredicto de Sergio Moro. Graças ao infatigável trabalho no combate à
corrupção, norte que perseguiu com desassombro ao longo dos últimos 12 meses, o
juiz será homenageado pela ISTOÉ na noite de terça-feira 5 como o Brasileiro do
Ano.
Depois de três anos e meio à frente da Operação Lava Jato,
Moro leva uma faina exaustiva. Trabalha mais de dez horas por dia. Não raro,
sequer almoça. Como magistrado, já condenou 114 pessoas, sobretudo políticos
importantes, ex-diretores da Petrobras e os mais conhecidos empreiteiros
brasileiros, sentenciados a penas que somam mais de 2.100 anos de cadeia. O mais
emblemático empresário a ser preso pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba
foi o empreiteiro Marcelo Odebrecht, dono de um império que faturava R$ 130
bilhões por ano. Devido à atuação implacável da Lava Jato, e, claro, de Sergio
Moro, Marcelo e outros envolvidos no esquema já devolveram R$ 11 bilhões aos
cofres públicos. Estima-se que a Petrobras foi desfalcada em R$ 40 bilhões pela
quadrilha organizada a partir do PT, PP e PMDB.
Apesar dos resultados altamente positivos, Moro acha que o
Brasil pode não conseguir acabar com a corrupção endêmica. “A passagem do
Brasil de um ambiente de corrupção disseminada para um ambiente de integridade
corre riscos. Faltam reformas gerais mais incisivas que diminuam incentivos e
oportunidades para a prática de corrupção. A omissão da maior parte de nossas
lideranças políticas a esse respeito é notável e frustrante”, disse Moro em
entrevista à ISTOÉ. Ele não acredita,
porém, que o Brasil vá retroceder em matéria de punição aos corruptos, a
despeito de os fantasmas do atraso insistirem em assombrar o País. “Pelas
aspirações da sociedade brasileira, acredito que, apesar da sombra do
retrocesso, não há como voltar ao status quo da impunidade dos barões da
corrupção”.
“A corrupção será tema central nas eleições de 2018” Sergio
Moro, juiz federal
O laborioso cotidiano de Moro o motivou a insinuar, em
palestras pelo Brasil, que a Lava Jato estaria chegando ao fim e que
eventualmente ele poderia descansar. Em função da repercussão, o juiz logo
corrigiu seu desabafo. Disse que irá até o fim. Explicou, contudo, que o
trabalho da operação em Curitiba realmente aparenta estar na reta final. “Há
uma lista de julgamentos relevantes, como a condenação criminal de vários
corruptores e corrompidos, entre eles quatro ex-diretores da Petrobras e
diversos ex-parlamentares. Então grande parte do trabalho já foi feita em
Curitiba”.
Paralelamente à Lava Jato, o juiz tem se posicionado contra
o fim do foro privilegiado. Entende que essa medida acabará com privilégios que
protegem os mais ricos e poderosos. Há duas semanas, o STF praticamente
restringiu a prerrogativa de foro. A maioria dos ministros decidiu que só terão
direito ao foro privilegiado políticos acusados por crimes cometidos no
exercício do mandato e que também tenham relação com o cargo ocupado. A sessão
foi interrompida por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli, mas só uma
improvável reviravolta, embalada por revisões em série de votos, impedirá a
corte de seguir por esse caminho. “A decisão do STF, ainda em formação, vem em
boa hora, mas o ideal seria acabar de vez com o foro privilegiado, para todos,
inclusive para juízes. Não quero para mim esse privilégio”, frisa.
Outra discussão sobre a qual o juiz do Paraná tem se
debruçado é a prisão dos condenados em segunda instância. Ele faz coro de que a
Justiça brasileira é morosa e há um generoso sistema de recursos que, manejado
por criminosos poderosos e habilidosos, pode impedir que qualquer ação penal
chegue a um final. Processo sem fim, sublinha Moro, “é o equivalente à
impunidade”. Sensível a essa realidade, o STF mudou sua jurisprudência em 2016
e passou a admitir que, após uma condenação por uma Corte de Apelação, se possa
desde logo executar a pena. “Foi um grande golpe contra a impunidade dos
poderosos. Isso não impede que, havendo um recurso com plausibilidade, não se
possa, como exceção, suspender a execução da pena”, disse. Moro lembra bem que,
em outros países, como EUA e França, o preso condenado em primeira instância já
pode ir para a cadeia. No Brasil, desde 2016, o destino de qualquer condenado
em segunda instância é aninhar-se atrás das grades, mas já há articulações em
curso para dar um cavalo de pau na herança bendita do ex-ministro do STF Teori
Zavascki.
O contraste entre as céleres condenações de Sergio Moro e as
decisões do STF a passos de cágado, corte que ainda não condenou nenhum réu da
Lava Jato com foro privilegiado, é gritante e salta aos olhos do mundo jurídico.
Neste ano, o feito do magistrado foi destacado por vários órgãos de imprensa
nacionais e além-mar. Mesmo assim o juiz dá um desconto e fala em falta de
vocação das cortes superiores para processar. “Como Teori, o ministro Edson
Fachin tem realizado um destacado trabalho. Tem tomado decisões rápidas e muito
bem fundamentadas. Agora, os Tribunais Superiores, por melhores que sejam as
intenções, não estão vocacionados para processar, instruir e julgar ações
penais desde o início”.
A respeito das naturais especulações acerca de uma eventual
candidatura a presidente da República, Moro repete como um mantra não ter
interesse de ingressar na política partidária”. Na verdade, o juiz pretende dar
prosseguimento à carreira jurídica. Ele não esconde acalentar uma vaga como
desembargador em instância superior. Ou, quem sabe, um dia chegar ao STF.
Embora já tenha repetido inúmeras vezes que não pretende ser
candidato a presidente, Sergio Moro acha que o legado da Lava Jato pode
contribuir para mudar os rumos das eleições no ano que vem. “A corrupção será
tema central nas eleições de 2018 e será uma oportunidade para que os eleitores
cobrem dos candidatos posições concretas para a eliminação da corrupção
sistêmica, propiciando talvez a superação, a partir de 2019, da omissão atual
de nossas lideranças políticas”. O magistrado entende que, graças à Lava Jato,
os candidatos a presidente no ano que vem não irão escapar de responder a
questões cruciais como a posição sobre o foro privilegiado, a execução da
prisão em segunda instância, como os aspirantes ao Planalto pretendem atuar
para que o STF consolide sua atual jurisprudência e o que será feito para
evitar o loteamento político de cargos públicos, gênese dos crimes na Petrobrás
“Submeter os candidatos a essas questões concretas parece ser mais relevante do
que discussões sobre as suas preferências ideológicas ou sobre sua condição de
outsider ou não”, justificou Moro. Pelo que já contribuiu para o País tecer com
os fios da Justiça e da contumaz retidão de caráter páginas fundamentais de sua
história, Sergio Fernando Moro é uma unanimidade nacional. A única unanimidade
que de burra não tem nada. Indubitavelmente, o juiz é o brasileiro de maior
destaque em 2017.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br
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