ATITUDE O jornalista participou das grandes mudanças na sociedade brasileira
LUTA Gabeira (no destaque) foi solto ao ser trocado por ex-embaixador alemão,
sequestrado. No jornal Lampião, defendeu direito dos gays.
Crédito:Divulgação.
AÇÃO O jornalista foi um dos fundadores do PV, partido pelo qual disputou
a prefeitura do Rio, em 2008. Acima, com a filha surfista, Maya.
Crédito:Alexandre Sant'Anna/AG.ISTOE.
Publicado originalmente no site da revista Isto É, em 8 de dezembro de 2017.
Um homem do presente
Assim o poeta Ferreira Gullar definiu o amigo Fernando
Gabeira, cuja trajetória como jornalista, político e ativista é retratada em um
documentário que acaba de ser lançado
Por Andre Sollitto
Quem vê Fernando Gabeira hoje, à frente de seu programa na
GloboNews, pode não se lembrar que ele foi o responsável por fundar o Partido
Verde, pelo qual se elegeu como o deputado federal mais votado do Rio de
Janeiro em 2006. Ou que ele já foi um militante contra a ditadura militar que
participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, e foi
preso, torturado e exilado. Ou, ainda, que causou um escândalo ao aparecer na
praia de Ipanema usando apenas uma tanga de crochê rosa em um período em que o
país começava a respirar com um pouco mais de liberdade após anos de repressão.
Contar a trajetória do jornalista e político – e, principalmente, apresentar
seus ideais – é o objetivo de “Gabeira – Eu não fui preparado para a vida
doméstica”, documentário de Moacyr Góes.
Filho de libaneses, Gabeira manifestou um espírito
contestador ainda criança. Foi expulso de colégios e deixou a cidade de Juiz de
Fora, onde nasceu, para viajar ao Rio de Janeiro. Tornou-se jornalista, passou
pela redação do Jornal do Brasil e publicou reportagens em outros periódicos da
época. Influenciado pelo pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre
(1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986) e pela inclinação política do
casal, Gabeira se identificou com os ideais marxistas. Passou a militar pelo
Movimento Revolucionário Oito de Outubro, o MR8. “Não éramos adeptos da
democracia”, diz ele no filme. O regime era visto por Gabeira e por outros
militantes como fraco. “Era preciso uma ditadura do proletariado para que chegássemos
em um mundo em que os homens não explorassem os homens”, afirma. Com esse ideal
em mente, temas como a liberdade de expressão eram secundários.
Para chegar a um resultado radical, os militantes
acreditavam que atitudes extremas eram necessárias. Foi no final de 1969 que um
grupo sequestrou Charles Elbrick. Gabeira foi responsável por alugar a casa em
que Elbrick ficou, além de levar recados e a lista de presos que deveriam ser
libertados em troca do embaixador. “Havíamos sequestrado um símbolo, mas que
logo deu lugar a um ser humano”, diz Gabeira no filme. Segundo ele,
desenvolveu-se uma relação de empatia entre sequestradores e sequestrado. Em uma
entrevista feita com Elbrick dez anos após o ocorrido, o americano diz que
ficou impressionado com a dedicação dos jovens. O sequestro levanta debates
sobre a validade da ação até hoje, e o documentário não se propõe a colocar um
fim na discussão. “É uma crítica contundente ao método da ação armada”, diz o
diretor, Moacyr Góes.
Identificado pelos militares, Gabeira tentou fugir e levou
um tiro que atravessou seu estômago, fígado e rim. Começou a ser interrogado no
hospital e levou choques elétricos enquanto se recuperava. Foi libertado junto
com outros 39 presos em troca da soltura do ex-embaixador alemão Ehrenfried von
Holleben, então sequestrado, mas teve que deixar o país. Passou nove anos
viajando pelo mundo. Esteve na Argélia, Cuba, Chile e Suécia. Viveu o regime
comunista de Fidel Castro e o golpe militar que tirou Salvador Allende do poder
no Chile, em 1973.
Com a anistia, retornou ao Brasil em 1979 para causar
polêmica – na política e fora dela. No verão de 1980, apareceu na praia de
Ipanema usando apenas uma tanga de crochê rosa. Passou também a defender os
direitos dos homossexuais e a legalização da maconha, dois temas controversos
que lhe renderam apelidos variados que perduram até hoje. Foi um escândalo para
a época. “A luta da esquerda era muito associada à virilidade”, diz Gabeira.
Quando voltou ao país após o exílio, fez algumas das
primeiras críticas à luta armada, ao mesmo tempo em que passou a militar por
outras causas, como a preservação do meio ambiente. Essa revisão de conceitos
permeou sua trajetória e ganha intensidade em seus depoimentos no documentário.
Foi casado três vezes e teve duas filhas, a psicóloga Tami e a surfista Maya. O
filme mostra que ele queria uma vida familiar ao mesmo tempo em que lutava
contra o modelo tradicional conservador de família brasileiro.
Continuou defendendo causas alinhadas à esquerda, mas também
era a favor da privatização de empresas como a Telerj, vista por ele como um
empecilho ao progresso. O apoio à privatização foi considerado uma traição por antigos
companheiros de militância. A jornalista Cora Rónai diz no filme, porém, que
Gabeira será sempre “uma figura de esquerda”. Já o economista Armínio Fraga
afirma que ele é um “liberal com coração”. São definições que mostram uma
aparente contradição, mas que para Moacyr Góes apontam uma maturidade de
ideias.
“Havíamos sequestrado um símbolo, mas que logo deu lugar a
um ser humano” Fernando Gabeira, sobre o sequestro do ex-embaixador americano
Charles Elbrick, em 1969
Crítica ao PT
Gabeira ajudou a fundar o Partido Verde, em 1986, pelo qual
concorreu à presidência três anos depois. Foi filiado ao PT e apoiou a
candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas abandonou o partido
poucos meses depois que o candidato chegou à presidência, em 2003. O rompimento
foi polêmico. Gabeira diz que a divergência era insustentável. A ecologia, tema
tão caro ao político, era visto pelas lideranças petistas como uma “moda”. Ele
chegou a acompanhar uma viagem de celebração da vitória de Lula à Cuba. Segundo
Gabeira, ficou claro que eles estavam presos a uma rede de nostalgia.
A vida na política se estendeu. O jornalista concorreu à
prefeitura, ao governo do Rio de Janeiro, foi deputado federal por quatro
mandatos consecutivos e trocou de partido em diversas ocasiões. Em 2011, ao fim
do quarto mandato, decidiu abandonar a política. Defensor da Lava Jato, diz que
a operação só escancarou a decadência do sistema partidário brasileiro. Voltou
ao jornalismo com seu programa na GloboNews, decisão que pode ser vista como o
fechamento de um ciclo. Para um homem que lutou por mudanças tão radicais na
sociedade brasileira, hoje, aos 76 anos, contenta-se com um sonho que considera
bem mais modesto. “É o sonho da pessoa que procura se distanciar do cinismo.”
Texto e imagens reproduzidos do site: istoe.com.br
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