Mulheres sauditas num festival de curta-metragens realizado em outubro em Riad.
Publicado originalmente no site Brasil Elpais, em 11 de dezembro de 2017
Arábia Saudita autoriza abertura de salas de cinema
Ministério da Cultura e Informação vai começar a conceder
alvarás imediatamente e espera que os primeiros multiplex abram em março de
2018
Por Ángeles Espinosa.
A Arábia Saudita autorizou nesta segunda-feira a abertura de
salas de cinema no reino pela primeira vez em quase quatro décadas. O
Ministério de Cultura e Informação vai começar a conceder alvarás de forma
imediata e calcula que os primeiros multiplex abram ao público em março do ano
que vem. A medida, longamente esperada, é parte do programa de reformas lançado
pelo príncipe herdeiro Mohamed bin Salman (conhecido pelas iniciais MBS) para
modernizar o país. Prevê-se que o primeiro cinema de Riad seja inaugurado com a
projeção de Born a King (“nascido rei”), primeira superprodução rodada no reino
sunita, com direção do espanhol Agustí Villaronga.
“Isto marca um antes e um depois no desenvolvimento da
economia cultural no reino”, declarou o ministro da Cultura e Informação, Awwad
Alawwad. Em nota, ele antecipou também que a Comissão Geral de Meios
Audiovisuais iniciou um processo para facilitar as autorizações necessárias.
“Esperamos que os primeiros cinemas abram em março de 2018”, afirma o ministro,
que preside essa comissão.
Estes serão os primeiros alvarás para a abertura de salas
comerciais de cinema desde a sua proibição, no começo da década de 1980.
Naquela época, a monarquia saudita, alarmada pela revolução islâmica do Irã e
pela revolta de Meca, procurou se proteger reforçando seus laços com a cúpula
religiosa wahabita, à qual concedeu enormes poderes em matéria educacional e de
controle social. Esse pacto fez da Arábia Saudita um dos países com as normas
mais anacrônicas do mundo.
A ausência de cinemas era só a ponta do iceberg de um
sistema social que até agora proibia qualquer tipo de diversão em público.
Entretanto, a conjunção de baixos preços do petróleo e a mudança geracional
representada pela ascensão de MBS, o verdadeiro detentor do poder por trás do
trono do seu pai, o rei Salman, motivaram uma reviravolta no reino. Necessitado
de um novo modelo produtivo, o príncipe compreendeu que a mudança seria
impossível sem reformas sociais radicais. Junto com a decisão de autorizar as
mulheres a dirigirem carros, a medida anunciada nesta segunda-feira representa
um dos pilares desse projeto.
“A abertura de cinemas servirá como catalisador para o
crescimento econômico e a diversificação; ao desenvolver o setor cultural em
geral, criaremos novos empregos e oportunidades de formação, além de enriquecer
as opções de entretenimento no reino”, afirmou Alawwad.
Desde o lançamento do programa de reformas Visão 2030, os
sauditas sabiam que a abertura de cinemas não era questão de se, mas de quando.
Durante a recente visita desta correspondente a Riad, os interlocutores
observavam que os projetos de vários shopping-centers atualmente já previam
espaço para os cinemas multiplex. Também davam como certo que a honra de
inaugurar esta nova fase caberia a Born a King, que na época estava terminando
de ser rodado complexo palaciano de Atheriyah, na periferia da capital saudita.
Com um orçamento de 20 milhões de dólares (65,8 milhões de
reais), a produção hispano-britânica Born a King narra a missão diplomática que
Abdulaziz ibn Saud, o primeiro monarca saudita, encomendou ao seu filho caçula
Faisal em 1919. Com apenas 13 anos, o príncipe foi enviado a Londres para
convencer os ingleses a apoiarem o reino que Saud tentava fundar na Arábia.
Realizar esse filme foi uma aventura sem precedentes, num país que não só
carece de tradição cinematográfica como também é, ainda hoje, muito fechado ao
turismo.
“Tivemos que inventar tudo, porque não havia
infraestrutura”, dizia Villaronga numa pausa das filmagens. E referia-se
literalmente a tudo, começando pela própria produtora que lhes prestou serviços
de apoio, a Nebras Film, criada por um construtor que viu uma oportunidade de
negócio num setor até então praticamente inexistente na Arábia Saudita.
Até hoje, apenas dois longas-metragens foram filmados no
reino com atores sauditas: O Sonho de Wadjda, de 2012, e Barakah Yoqabil
Barakah, de 2016. Num país onde 70% da população tem menos de 30 anos, só quem
tem mais de 50 se lembra das salas que existiam em Riad e Jidá até a década dos
setenta do século passado. Essa carência obriga os cinéfilos sauditas a
peregrinarem a Dubai ou ao Bahrein, como faziam os espanhóis na época
franquista indo a Biarritz ou Perpignan para ver filmes proibidos pela censura.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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