A insatisfação
Desconfortável e às vezes angustiante, esse sentimento
também pode nos ajudar a trazer soluções novas e a buscar conquistas que tragam
mais sentido para nós
Eugenio Mussak
“OBRIGADO, estou satisfeito!” Essa frase, acompanhada de um
meio sorriso e de mãos espalmadas em direção à outra pessoa, costuma ser usada
quando, já saciados, recusamos mais comida que alguém está nos oferecendo.
Estar satisfeito tem, então, o significado de não querer mais, de rechaçar uma
oferta, de abrir mão da oportunidade de aumentar a posse de um bem. No caso, de
mais comida, mesmo sabendo que essa satisfação será temporária. Analisemos
melhor essa questão: ao recusar o segundo prato você está sinalizando que já
comeu o suficiente ou que não quer comer mais? Pode parecer a mesma coisa, mas
há uma diferença sutil entre as duas possibilidades. Talvez você não queira
mais por já ter comido muito, uma vez que a comida estava deliciosa. Mas talvez
você não queira mais porque não gostou. Dessa forma, o “estou satisfeito” pode
ser sincero, ao sinalizar que seu corpo e seu prazer já foram convenientemente
atendidos, ou pode ser apenas uma força de expressão, pois na verdade você está
mesmo é insatisfeito com o que está recebendo e, portanto, não quer mais. Essa
pequena reflexão nos leva a outra, ligada com a essência da satisfação em si
mesma. O que seria isso? A satisfação é uma coisa boa a ser perseguida? A insatisfação
é, necessariamente, ruim? O que significa estar satisfeito? Vejamos, pois. A
palavra satisfação, de origem latina, integra dois conceitos em sua estrutura.
Satis significa bastante, suficiente, ou em quantidade adequada. Facere tem o
sentido de fazer, realizar, ou atingir um objetivo. A etimologia, que sempre
nos socorre, coloca a satisfação em uma ótima perspectiva. Deixa claro que a
satisfação não vem apenas com o que conseguimos, mas também com a maneira como
conseguimos. Eu fico realmente satisfeito quando consigo o que desejo através
de minha atitude em relação a meu objetivo. A verdadeira satisfação tem a ver,
então, com movimento, com realização, com trabalho. Isso explica por que pouco
valorizamos aquilo que conseguimos sem esforço, gratuitamente, como mero regalo
da vida. Gostamos mesmo é do que conseguimos a partir de nossa intenção e de
nossa ação. Estar satisfeito, por outro lado, pode colocá-lo em uma situação de
imobilidade. Eu me movimento para alcançar o que desejo e, uma vez atingido o
objetivo, tal movimento perde sentido, eu então paro e me acomodo. Pessoas
satisfeitas correm o risco de estacionar na vida, pois já têm o que desejam, o
que nos leva a outra discussão, que é nossa relação com o desejo. Uma das
vertentes, com o amparo da filosofia, relaciona desejo com amor. A lógica é que
amamos o que desejamos, o que coloca o amor como algo volátil, que desaparece
após o obtermos. Mas vamos com calma, pois essa é apenas uma das vertentes do
amor, o Erótico, o mais comum e primitivo. Os outros seriam o amor Philos,
fraternal, e o Ágape, o mais elevado, o afetivo, universal e desprovido de
interesses. O amor Erótico é o amor pela posse, pela conquista, e que vale não
apenas para o amor por outra pessoa mas também pelas coisas, por tudo aquilo
que desejamos obter e possuir. Ele, claro, encontra sua essência em Eros, cujo
nascimento parece explicar tudo. Os deuses estavam reunidos nos domínios de
Zeus, em festa, para comemorar o nascimento de Afrodite, que seria a deusa da
Beleza. Havia música, alegria, comida e bebida, e entre os mais alegres estava
Poros, o deus da Riqueza. Embriagado, saiu para os jardins de Zeus, buscando
sossego e ar puro. Espiando pela janela estava Pênia, a deusa da Pobreza,
magra, curvada e andrajosa. Ao ver Poros sair, teve a ideia de seduzi-lo e
conseguiu que ele a fecundasse, pois queria ter um filho que, ao ser filho da
riqueza, também fosse rico e poderoso. O filho gerado a partir dessa união
furtiva recebeu o nome de Eros, que, ao crescer, transformou-se, ele mesmo, em
um deus muito especial: o deus do Amor. O amor é, então, filho da riqueza e da
pobreza. Por isso é satisfeito e insatisfeito ao mesmo tempo e oscila entre
esses dois extremos o tempo todo, na busca incessante de sua completude, que
nunca poderá ser atingida. Esse é um dos clássicos da mitologia grega, que,
como sabemos, é muito rica em elementos que nos ajudam a entender a essência
humana. Não por acaso, a mitologia foi uma das principais fontes de inspiração
de Freud, especialmente quando ele se deparava com alguma lacuna teórica para
explicar seus conceitos. O amor erótico seria, então, o amor do desejo, e este,
como sabemos, se extermina quando se completa. Em outras palavras, só desejamos
o que não temos, pois, quando obtemos o que desejávamos, perdemos a
justificativa para o desejo. Pode parecer paradoxal, mas não é. Faz sentido e
pertence à qualidade humana da insatisfação, que se, por um lado, é causa de
ansiedade, por outro, é origem de progresso. Voltando à satisfação, vale
lembrar o que disse o escritor Guimarães Rosa sobre o assunto: “O animal
satisfeito dorme”, sintetizou. Nessa curta frase, o mineiro, aliás autor do
longo Grande Sertão: Veredas, define a satisfação como um bem tão precioso,
capaz de gerar serenidade, conforto e, como consequência, sono. Mas também
alerta para o fato de que o animal que dorme torna-se vulnerável, uma vez que
perde o estado de alerta, necessário à sobrevivência no ambiente perigoso da
natureza. Devemos, então, viver insatisfeitos para nos mantermos vivos? Esse é
um tema recorrente em ambientes empresariais, nas escolas de negócio, nas
denúncias da imprensa sobre os desmandos políticos. A insatisfação – dizem –
mobiliza, energiza as ações diversas, promove mudanças, conquistas e,
consequentemente, realizações. Somos animais insatisfeitos por natureza, o que
não apenas nos manteve vivos até aqui como promoveu nossa evolução e nosso
progresso. A satisfação é um prazer provisório, transitório, e é também
necessário. A insatisfação é desconfortável, às vezes angustiante, mas também é
necessária, e é do movimento dessa gangorra que tiramos nossa essência. Era
isso por hoje. Espero, sinceramente, que a satisfação gerada pelas ideias deste
texto só dure até que surja a expectativa pelo próximo. Assim continuaremos
juntos...
EUGENIO MUSSAK ama escrever, já se aprofundou em muita
coisa, mas se diz insatisfeito com seus textos.
Texto e imagem reproduzidos do site: vidasimples.uol.com.br
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