Sexo e Sexualidade
Por Dênis Athanázio
Muitas pessoas confundem sexo com sexualidade. O sexo,
segundo o “pai dos burros”, é a conformação física, orgânica, celular que
permite distinguir o homem e a mulher, atribuindo-lhes um papel específico na
reprodução. Para a Psicanálise, a sexualidade é muito mais que sexo, genitália
ou algo estritamente biológico.
A sexualidade está diretamente relacionada à libido, isto é,
à pulsão. Essa libido é a energia psíquica pulsante que nos motiva a levantar
da cama, a encontrar um amor, a sentir prazer, a criar, pensar, cuidar, chorar,
protestar por uma causa, se enraivecer, investir nossa atenção (não apenas com
o objetivo de fazer sexo ou se reproduzir). Se pudesse resumir isso tudo, eu
diria que é quando vivenciamos a eroticidade da vida em nossa própria vida.
Dizem popularmente que tem gente por aí que não consegue
gozar a vida porque são recalcados(as), reprimidos(as), vivem carrancudos e
infelizes, o que quer dizer, em outras palavras, e no sentido psicanalítico,
que não estão com sua sexualidade minimamente saudável, e isso tem direta
ligação com momentos de alegria que possamos sentir ou não no decorrer da nossa
nada mole vida. Pois quanto mais “severo” o nosso recalque e repressão, menos nós
abrimos para novas possibilidades de vida que batem a nossa porta, mesmo que
algumas delas sejam positivas.
O conceito de repressão, muito trabalhado por Freud e seus
contemporâneos, nos ensina que este é o processo psíquico através do qual todos
os sujeitos rejeitam determinadas representações, ideias, pensamentos,
lembranças ou desejos, mergulhando-os na negação inconsciente e no
esquecimento, bloqueando, assim, os conflitos geradores de angústia. Na
prática, e se o Freud estiver certo, isso quer dizer que não existe ser humano
que não recalque ou reprima, o que existe são intensidades, graus e formas
diferentes em cada pessoa para onde estes conteúdos vão se manifestar.
O problema prático é que, quando rejeitamos essas
determinadas representações que temos dentro de nós fingindo que elas não
existem, a gente “esquece não esquecendo”, tampa o pote, mas, mesmo assim, o
cheiro vaza pelos lados. Tudo isso escapa e aparece em nós em forma de sintoma,
neuroses, dores físicas e doenças de todo tipo.
Até hoje temos muitas dificuldades em lidar com nossa
sexualidade e a dos outros. Vejo muitas pessoas reclamando e alegando sobre o
pouco interesse de seus parceiros(as) em fazer sexo, alegando que os mesmos não
têm a quantidade de libido que eles têm. O problema é que este tipo de pessoa
comumente deseja o sexo no sentido quase animal, procriador e do “sexo fácil” e
esse outro grupo deseja o “sexo da sexualidade”. Este é mais refinado, deve
nutrir afeto diário, personalidade interessante, para depois a prática sexual
acontecer. É daí que ouvimos ou dizemos sobre pessoas que achamos sexy ou um
“bom partido” por ser inteligente, compreensivo(a) ou criativo mesmo não sendo
necessariamente bonito(a), no padrão físico estabelecido socialmente. Quem olha
de fora não entende nada e só fica com inveja, mas para quem está dentro faz
todo o sentido do mundo. A sexualidade exala no ar e conquista os mais atentos
e os mais sofisticados psiquicamente.
Outro ponto que nos gera medo é que o contato com nossa
sexualidade ligada ao outro pode trazer à tona sentimentos relacionados a nossa
vulnerabilidade e à perda de controle por acharmos que estamos na palma da mão
desse outro.
Seja por algum trauma ou por uma repressão muito forte que
constituímos em nossa história de vida, nos entregar em uma relação íntima,
cria dentro de nós uma fantasia de que vamos nos perder no outro, nos destruir
ou ficarmos dependentes para sempre dele. E é a partir dessa fantasia que nos
entregamos pela metade, ficamos apenas na superfície da relação, não nos doamos
de corpo e alma no sexo, no afeto e reprimimos nossa sexualidade. Nesse
sentido, o ato do chamado sexo casual é menos angustiante, pois mesmo sem o
entrosamento prático de ambos, a cobrança interna pode ser menor e o desempenho
sexual melhor, com mais liberdade. O medo começa quando esse “casual” se
transforma em “casal”. Pois é quando começa a se intensificar a intimidade e
nossos esqueletos saem do armário.
Não acredito que exista alguém cem por cento resolvido em
todas as vivências, contradições e desdobramentos da sexualidade inerente ao
ser humano. Mas podemos pensar e refletir sobre os sinais inconscientes que
transmitimos em forma de resistências, defesas e desculpas para não
enfrentarmos essas contradições. A seguir citarei algumas:
Quando a relação entre duas pessoas começa a ficar mais
íntima e a convivência frequente, alguns abandonam seus pares antes mesmo de
saber se terão futuro como casal. É o medo da entrega e da frustração, mas o
discurso é que “você é bom demais para mim e não te mereço”.
Quando ficamos tristes por ver que o homem ou a mulher tem
energia para fazer as tarefas de um universo inteiro, mas quando o assunto é a
prática sexual, o cansaço, sono, dores de cabeça surgem mais rápido que um
cometa. É o medo de conhecer o mundo da sua sexualidade, de se soltar e não ter
mais como frear, caso queira.
Quando vemos pessoas que conseguem ter energia suficiente
para, após um longo dia de trabalho, ir direto para um happy hour de três horas
de duração com o pique de uma criança. Se fosse para se entregar ao sexo
comprometido, ao cuidado e à atenção dos
filhos, o esgotamento mental e físico viria imediatamente.
Quando adicionamos compromissos de última hora para evitar
aquela conversa tão importante e necessária sobre o futuro da relação, com a
desculpa (socialmente aceita) de que tivemos que passar na casa dos pais, pois
era “caso de vida ou morte”. Aliás, compromisso profissional, cuidar dos
filhos, limpar a casa, visitar um amigo e problemas de saúde muitas vezes são
boicotes inconscientes, que geram desculpas difíceis de negociar, pois sempre
vem em nossa mente a culpa “e se for verdade mesmo que ele(a) precisou estar lá
ou fazer o que disse que iria fazer”? Geralmente essas desculpas socialmente
aceitas, fazem com que quem está do lado de fora ou que possui uma reflexão
mais primitiva da vida pensar que somos egoístas, intolerantes e chatos por não
entendemos o ocorrido. Mas é porque eles só enxergam as linhas e esses
conteúdos só se apresentam em forma de defesa da sua sexualidade nas
entrelinhas.
Sei que existem as exceções e os contratempos cotidianos,
mas sei também que alguns deles nós criamos por medo de vivenciarmos nossa
sexualidade nesse conceito maior que é forma erótica de se relacionar com a
vida, incluindo todas as suas tristezas, alegrias, responsabilidades e
prazeres, perdas e ganhos existencialmente falando.
Um dia desses, ouvi pessoalmente a história de um casal que
após 25 anos de casamento conseguiu se liberar mais sexualmente e em suas
outras formas de sexualidade. O sorriso sincero e brilho no olhar deles era
nítido e fiquei realmente feliz por eles. Mesmo sabendo que cada um tem seu
tempo para as coisas acontecerem, me peguei pensando se eles não poderiam ter
esse despertar aos 25 ou 30 e não apenas aos 55 anos. Inclusive o homem me
confessou que está adorando essa nova fase do casal, e que o relacionamento com
os filhos melhorou muito. Em relação ao sexo também está tudo ótimo, mas me disse que sente várias dores no corpo por
fazer sexo quase todos os dias. “Não sou mais um menino, Dênis!”, ele me disse,
respirando profundamente. É como se agora a alma de um menino estivesse num
corpo mais velho.
Entregar-se a alguém é difícil, mesmo. Alguns preferem se
relacionar com várias pessoas ao mesmo tempo para talvez não ter intimidade com
nenhuma. Outros preferem estar apenas com uma pessoa, mas são desconhecidos
vivendo debaixo do mesmo teto. Outros são um pouco mais corajosos para tentarem
se doar e se conhecerem cada dia mais, sem saberem o que acontecerá daqui uma
semana, um mês ou um ano.
Nossa vida começa com a abertura de uma pequena aspa antes
do nosso nome. Quando esta será fechada, isso só Deus sabe. O que nos cabe é se
entregar a ela com responsabilidade misturada com pequenas doses de loucura.
Isso se chama sexualidade.
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Dênis Athanázio - Psicólogo, palestrante, terapeuta de
família e casal. Gosto de futebol e de “arranhar” minha guitarra. Escrevo
primeiramente para me ajudar e quem sabe, talvez, ajudar outras pessoas.
Escrevo aqui no Obvious e semanalmente no meu blog
denisathanazio.wordpress.com.
Texto e imagem reproduzidos do site: obviousmag.org/denis_athanazio
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