Exposição Queermuseu Santander
Texto publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 12 setembro 2017
Queermuseu: O dia em que a intolerância pegou uma exposição
para Cristo
Após protestos nas redes sociais, banco Santander encerra
mostra que abordava questões de gênero e de diversidade sexual
Por Heloísa Mendonça.
Nos últimos dias, a intolerância voltou a assombrar a arte.
A exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, em
cartaz há quase um mês no Santander Cultural, em Porto Alegre, foi cancelada
neste domingo após uma onda de protestos nas redes sociais. A maioria se
queixava de que algumas das obras promoviam blasfêmia contra símbolos
religiosos e também apologia à zoofilia e pedofilia.
A mostra, com curadoria de Gaudêncio Fidelis, reunia 270
trabalhos de 85 artistas que abordavam a temática LGBT, questões de gênero e de
diversidade sexual. As obras - que percorrem o período histórico de meados do
século XX até os dias de hoje - são assinadas por grandes nomes como Adriana
Varejão, Cândido Portinari, Fernando Baril, Hudinilson Jr., Lygia Clark,
Leonilson e Yuri Firmesa.
Nas redes, as mensagens e vídeos mais compartilhados pelos
críticos e movimentos religiosos mostravam a pintura de um Jesus Cristo com
vários braços (a obra Cruzando Jesus Cristo Deusa Schiva, de Fernando Baril) e
imagens de crianças com as inscrições Criança viada travesti da lambada e
Criança viada deusa das águas, da artista Bia Leite. As manifestações foram
lideradas principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que pediu o
encerramento da exposição e pregou ainda um boicote ao banco Santander. O prefeito
de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB) também se manifestou contra a
mostra dizendo que elas exibiam "imagens de zoofilia e pedofilia".
Diante da forte repercussão repentina, o Santander
esclareceu, por meio de nota, em um primeiro momento, que algumas imagens da
mostra poderiam provocar um sentimento contrário daquilo que discutem. No
entanto, elas tinham sido criadas "justamente para nos fazer refletir
sobre os desafios que devemos enfrentar em relação a questões de gênero,
diversidade, violência entre outros". Dois dias depois, entretanto, o
banco voltou atrás e cedeu às pressões dos críticos com medo de um forte
boicote contra o Santander e de manchar a imagem da instituição financeira.
Em nova nota, neste domingo, o Santander Cultural pediu
desculpas a todos os que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte
da mostra. "Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da
exposição Queermuseu desrespeitam símbolos, crenças e pessoas, o que não está
em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar
inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a
condição humana". O banco resolveu então encerrar a mostra que ficaria em
cartaz até o dia 8 de outubro. A exposição foi viabilizada pela captação de 800
mil reais por meio da Lei Rouanet.
A decisão gerou, no entanto, outra polêmica no meio
artístico e entre internautas, que acusaram o banco de promover censura. Os
termos "MBL" e "Santander" estavam entre os mais comentados
do Twitter no Brasil nesta segunda-feira, com comentários contra e a favor do
fechamento prematuro da mostra. Muitos reclamavam também da falta de uma
classificação de idade mínima para visitar o local.
O curador da exposição diz ter sido pego de surpresa com a
notícia. "Já fiz duas bienais do Mercosul, nunca tinha visto algo
parecido. As manifestações foram muito organizadas e se debruçaram sobre
algumas obras muito específicas, que não dão a verdadeira dimensão da
exposição. Esses grupos [de críticos] mostraram uma rapidez em distorcer o
conteúdo, que não é ofensivo", disse Gaudêncio Fidelis ao jornal O Globo.
Antonio Grassi, ex-presidente da Fundação Nacional de Artes
e atual diretor executivo do Inhotim, acha lamentável que uma exposição seja
interrompida dessa forma. "A arte é o melhor lugar para debater. Eu vejo
como preocupante esse tipo de movimento que impulsiona esse tipo de
intransigência com o debate. Essas ideias de intolerância são incompatíveis com
a arte. É uma censura", disse ao EL PAÍS.
O crítico de arte Moacir Dos Anjos, que já foi curador da
Bienal de São Paulo, também criticou a decisão. "Rumo ao passado. E que
vergonhosa a nota do Santander, querendo justificar, valendo-se de hipócrita
retórica corporativa, o ato de censura que cometeu. Viva a diversidade!",
escreveu no seu Facebook.
Nas redes sociais, Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL,
rebateu as críticas e disse que a sociedade brasileira se mobilizou para
repudiar a exposição e o banco, com medo de perder clientes, cancelou a mostra.
"Isso é um boicote que deu certo, não uma censura", escreveu.
Kataguiri também publicou uma foto da obra Cena de Interior II, da artista
Adriana Varejão para alegar que 800 mil reais de dinheiro público foram
investidos em exposição para crianças verem pedofilia e zoofilia.
Ao EL PAÍS, a artista afirmou que a obra em questão é
adulta, feita para adultos. "A pintura é uma compilação de práticas
sexuais existentes, algumas históricas (como as Chungas, clássicas imagens
eróticas da arte popular japonesa) e outras baseadas em narrativas literárias
ou coletadas em viagens pelo Brasil. O trabalho não visa julgar essas
práticas", explicou. Adriana, que tem peças nas coleções do Tate Modern,
de Londres, no Museu Guggenheim, em Nova York, e na Fundação La Caixa, em
Barcelona, disse ainda que, como artista, apenas busca jogar luz sobre coisas
que muitas vezes existem escondidas.
Não é a primeira vez que obras causam uma chuva de
reclamações e são censuradas. Em 2006, o Banco do Brasil retirou do Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro a obra Desenhando em Terços,
da artista plástica Mácia X, que mostrava a foto de dois terços que desenhavam
dois pênis e formavam também uma cruz.
Em protesto contra o encerramento da mostra Queermuseu -
Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, o Nuances - Grupo Pela Livre
Expressão Sexual organiza nesta terça-feira
à tarde, em frente ao Santander Cultural, o Ato pela Liberdade de
Expressão Artística e Contra a LGBTTFobia, "em defesa da liberdade de
expressão artística e das liberdades democráticas".
Texto reproduzido do site: brasil.elpais.com/brasil
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