sábado, 5 de agosto de 2017

19 Anos sem Charles Bukowski

Bukowski em uma de suas famosas e controversas leituras nos anos 70.

Publicado originalmente no site Obvious, em 19 de março de 2013.

19 Anos sem Charles Bukowski

Por Guilherme Ziggy*

No dia 09 de Março de 1994, aos 74 anos, o nosso "Velho Safado" partia dessa para o céu dos escritores - onde segundo fofocas e médiuns confiáveis, é recheado de mulheres promíscuas e destilados de uma qualidade absurda. Vítima da Leucemia, o poeta dos becos e puleiros mais recônditos de Los Angeles foi embora da mesma maneira que viveu sua agitada vida, sem despedidas e sem deixar satisfações por escrito. Simplesmente fez as malas e saiu vagar por aí.

Henry Charles Bukowski Jr ou Heinrich Karl Bukowski Jr nasceu na Alemanha, em 1920. Imigrou para os Estados Unidos em 1924, residindo em Los Angeles, onde viveu até sua morte. Bukowski passou sua infância em um ambiente repressivo e totalitário. Seu pai, um sargento reformado, o maltratava constantemente e o fazia passar por situações tortuosas quase que diariamente, forçando o filho a trabalhar quase que por diversão. Aos 16 anos, Bukowski se viu de cara com outro drama, as espinhas. Tendo sido cobaia de vários experimentos para a redução de suas espinhas, que segundo ele mesmo descreve em seus livros, eram de uma quantidade exagerada, o fazendo colecionar várias cicatrizes por todo o rosto. Se sentindo humilhado, rejeitado por todos (principalmente as garotas), Bukowski se transformou em um adolescente calado e solitário.

Foi também nessa época, que Bukowski e o álcool foram devidamente apresentados. Ao experimentá-lo pela primeira vez, o jovem garoto passou por uma transformação pessoal, considerada por ele uma epifania dos acontecimentos futuros. Junto com o álcool, veio a libertação, e com a libertação veio a literatura. Bukowski começou a passar suas tardes enfiado na Biblioteca Pública de Los Angeles, devorando obras de Dostoiévski e Franz Kafka. Mas foi ao ler a obra de um obscuro autor chamado John Fante que ele tomou consciência da sua verdeira vocação. A de ser escritor. Como Fante, Bukowski também vivia na área mais pobre de Los Angeles, o que o fez se sentir aceito e o fez tomar consciência que não era o único com problemas sem solução. Havia chego a hora.

Ao terminar os estudos secundários, Bukowski se matricula na Los Angeles City College para cursar Jornalismo e Literatura. Dois anos após seu ingresso, Bukowski abandona os estudos com o início da Segunda Guerra Mundial, decidindo ir a Nova Iorque para tentar iniciar sua carreira de escritor. Bukowski nunca chegou ao destino, ele foi preso pelo FBI no estado da Pensilvânia sob acusações de deserção do serviço militar e fraude no alistamento. Preso durante 16 dias, ao realizar novamente o teste, Bukowski falha no exame psicológico e físico, considerado inapto para o serviço militar. Com fraude ou sem fraude, ele se safou de ir lutar no front.

De volta à Los Angeles, Bukowski tenta algumas publicações sem sucesso. Desiludido com suas tentativas, ele decide parar de escrever, permanecendo assim durante dez anos. Esse período é considerado por ele como "ten drunk years" ou "lost years". Em meados da década de 50, Bukowski arruma um emprego nos Correiros, passando por vários estágios, desde cargos administrativos até o de carteiro. Ele permanece nesse emprego até o ano de 1969, quando é convidado a se demitir pelo editor da Black Sparrow Press ao aceitar seus primeiros originais de um romance.

Os anos de obscuridade foram essenciais para sua formação pessoal e o desenrolar de acontecimentos relatados por ele posteriormente. Sua primeira publicação oficial acontece no ano de 1963. Após várias contribuições para a revista The Outsider, eles decidem publicar seu primeiro livro de poemas, It Catches My Hand. Em 1965, eles publicam seu segundo livro, chamado Crucifix in a Deathhand.

Mas é no ano de 1967, ao se tornar colunista da famosa revista underground Open City, que Bukowski começa a desfrutar de certa fama. Sua coluna, chamada Notes of a Dirty Old Man mostra um Bukowski em seu auge criativo, com sua técnica escrita completamente amadurecida (obviamente, porque na época ele já tinha 47 anos). Bukowski inaugura um modelo de escrita despudorada, violenta e coloquial, que viria a se tornar sua marca registrada.

Foi da figura de uma Los Angeles moribunda, e do cenário dos bares mais destruídos que Bukowski fez sua arte. E foi de um escrita repleta de sofrimento, romance e um cotidiano autobiográfico que Bukowski fez seu mito. É aos 49 anos, que ele abandona o emprego nos Correios a pedido do editor da Black Sparrow Press para começar a dedicar 100% de seu tempo à suas produções literárias - recebendo uma gorda mesada de 250 dólares pra isso.

"Cartas na Rua" é publicado em 1971 e o mundo finalmente é apresentado a Bukowski e seu alter-ego, Henry Chinaski. Daí pra frente, ele lançou uma quantidade enorme de obras memoráveis. Romances, coleções de contos, crônicas e poesia. Nunca perdendo a acidez, obscenidade e irreverência de cada dia. Mesmo só vindo a desfrutar da verdadeira fama na década de 80, Bukowski deixou sua marca por onde passou. Um dos maiores exemplos são suas leituras em Universidades e eventos culturais nos anos 70, onde ele declamava seus poemas com um tom de deboche e frequentemente arrumava brigas com alguns dos universitários presentes na platéia.

Em 1987, Bukowski, um não apreciador declarado de cinema, escreveu o roteiro para o filme Barfly - Condenados pelo Vício, estrelado pelo então Charlie-Sheen-dos-anos-oitenta Mickey Rourke. O filme, produzido por Francis Ford Coppola foi um sucesso momentâneo e depois caiu no esquecimento eterno. É uma obra única, que mostra a genialidade de um mestre da escrita ao criar um roteiro sobre sua própria vida, e possui a excelente atuação de Mickey Rourke no papel do bêbado Henry Chinaski.

"Condenados pelo Vício". Nos anos 90, o "Velho Safado" pendurou as calças e se assentou em uma pacata vida na Califórnia. Longe do auge físico e já com 70 anos, Bukowski não era mais o homem que foi em sua juventude e meia-idade, ele agora precisava se cuidar para manter a saúde, que estava ficando debilitada. E uma das condições era parar de beber.

Bukowski foi um bebedor inveterado por toda a vida, e eu particularmente não citei isso antes porque é conhecimento geral suas aventuras no botequim, mas tudo isso teve um forte preço, e seus últimos anos foram de enorme sofrimento por conta da debilitada saúde, sofrimentos esses que acarretaram em uma Leucemia que abateu o poeta de surpresa em 1993.

Já inconsciente e internado por vários dias, Charles Bukowski faleceu no dia 09 de Março de 1994. Cercado por amigos, por amor e pelo carinho de seus fãs pelo mundo todo, sentimentos esses que lhe foram privadas por grande parte de sua vida. O "Velho Safado" deixou sua marca na vida de inúmeras pessoas, marcas essas, ruins ou boas, tem se mostraram eternas. Com mais de 40 livros publicados e adaptações cinematográficas saindo a cada ano que passa, Bukowski continua mais vivo do que nunca. Vivo em cada dose de uísque que bebemos no bar em sua homenagem; vivo em seus livros e vivo na ideia de que ter uma vida fodida por todos, e ainda conseguir fazer arte disso, não é na realidade, uma coisa tão ruim.

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* Estudante de Jornalismo, fotógrafo, poeta, exímio mentiroso e craque em cometer falcatruas - tais como convencer meus queridos parceiros de botequim a sempre (sempre) me pagarem mais uma gelada e a pedir emprestado o bilhete único de alguém dois pontos antes do meu. Moro em São Paulo. 

Texto e imagem reproduzidos do site: lounge.obviousmag.org

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