Bukowski em uma de suas famosas e controversas leituras nos
anos 70.
Publicado originalmente no site Obvious, em 19 de março de 2013.
19 Anos sem Charles Bukowski
Por Guilherme Ziggy*
No dia 09 de Março de 1994, aos 74 anos, o nosso "Velho
Safado" partia dessa para o céu dos escritores - onde segundo fofocas e
médiuns confiáveis, é recheado de mulheres promíscuas e destilados de uma
qualidade absurda. Vítima da Leucemia, o poeta dos becos e puleiros mais
recônditos de Los Angeles foi embora da mesma maneira que viveu sua agitada
vida, sem despedidas e sem deixar satisfações por escrito. Simplesmente fez as
malas e saiu vagar por aí.
Henry Charles Bukowski Jr ou Heinrich Karl Bukowski Jr
nasceu na Alemanha, em 1920. Imigrou para os Estados Unidos em 1924, residindo
em Los Angeles, onde viveu até sua morte. Bukowski passou sua infância em um
ambiente repressivo e totalitário. Seu pai, um sargento reformado, o maltratava
constantemente e o fazia passar por situações tortuosas quase que diariamente,
forçando o filho a trabalhar quase que por diversão. Aos 16 anos, Bukowski se
viu de cara com outro drama, as espinhas. Tendo sido cobaia de vários
experimentos para a redução de suas espinhas, que segundo ele mesmo descreve em
seus livros, eram de uma quantidade exagerada, o fazendo colecionar várias
cicatrizes por todo o rosto. Se sentindo humilhado, rejeitado por todos
(principalmente as garotas), Bukowski se transformou em um adolescente calado e
solitário.
Foi também nessa época, que Bukowski e o álcool foram
devidamente apresentados. Ao experimentá-lo pela primeira vez, o jovem garoto
passou por uma transformação pessoal, considerada por ele uma epifania dos
acontecimentos futuros. Junto com o álcool, veio a libertação, e com a
libertação veio a literatura. Bukowski começou a passar suas tardes enfiado na
Biblioteca Pública de Los Angeles, devorando obras de Dostoiévski e Franz Kafka.
Mas foi ao ler a obra de um obscuro autor chamado John Fante que ele tomou
consciência da sua verdeira vocação. A de ser escritor. Como Fante, Bukowski
também vivia na área mais pobre de Los Angeles, o que o fez se sentir aceito e
o fez tomar consciência que não era o único com problemas sem solução. Havia
chego a hora.
Ao terminar os estudos secundários, Bukowski se matricula na
Los Angeles City College para cursar Jornalismo e Literatura. Dois anos após
seu ingresso, Bukowski abandona os estudos com o início da Segunda Guerra
Mundial, decidindo ir a Nova Iorque para tentar iniciar sua carreira de
escritor. Bukowski nunca chegou ao destino, ele foi preso pelo FBI no estado da
Pensilvânia sob acusações de deserção do serviço militar e fraude no
alistamento. Preso durante 16 dias, ao realizar novamente o teste, Bukowski
falha no exame psicológico e físico, considerado inapto para o serviço militar.
Com fraude ou sem fraude, ele se safou de ir lutar no front.
De volta à Los Angeles, Bukowski tenta algumas publicações
sem sucesso. Desiludido com suas tentativas, ele decide parar de escrever,
permanecendo assim durante dez anos. Esse período é considerado por ele como
"ten drunk years" ou "lost years". Em meados da década de
50, Bukowski arruma um emprego nos Correiros, passando por vários estágios,
desde cargos administrativos até o de carteiro. Ele permanece nesse emprego até
o ano de 1969, quando é convidado a se demitir pelo editor da Black Sparrow
Press ao aceitar seus primeiros originais de um romance.
Os anos de obscuridade foram essenciais para sua formação
pessoal e o desenrolar de acontecimentos relatados por ele posteriormente. Sua
primeira publicação oficial acontece no ano de 1963. Após várias contribuições
para a revista The Outsider, eles decidem publicar seu primeiro livro de
poemas, It Catches My Hand. Em 1965, eles publicam seu segundo livro, chamado
Crucifix in a Deathhand.
Mas é no ano de 1967, ao se tornar colunista da famosa
revista underground Open City, que Bukowski começa a desfrutar de certa fama.
Sua coluna, chamada Notes of a Dirty Old Man mostra um Bukowski em seu auge
criativo, com sua técnica escrita completamente amadurecida (obviamente, porque
na época ele já tinha 47 anos). Bukowski inaugura um modelo de escrita
despudorada, violenta e coloquial, que viria a se tornar sua marca registrada.
Foi da figura de uma Los Angeles moribunda, e do cenário dos
bares mais destruídos que Bukowski fez sua arte. E foi de um escrita repleta de
sofrimento, romance e um cotidiano autobiográfico que Bukowski fez seu mito. É
aos 49 anos, que ele abandona o emprego nos Correios a pedido do editor da
Black Sparrow Press para começar a dedicar 100% de seu tempo à suas produções
literárias - recebendo uma gorda mesada de 250 dólares pra isso.
"Cartas na Rua" é publicado em 1971 e o mundo
finalmente é apresentado a Bukowski e seu alter-ego, Henry Chinaski. Daí pra
frente, ele lançou uma quantidade enorme de obras memoráveis. Romances,
coleções de contos, crônicas e poesia. Nunca perdendo a acidez, obscenidade e
irreverência de cada dia. Mesmo só vindo a desfrutar da verdadeira fama na
década de 80, Bukowski deixou sua marca por onde passou. Um dos maiores
exemplos são suas leituras em Universidades e eventos culturais nos anos 70,
onde ele declamava seus poemas com um tom de deboche e frequentemente arrumava
brigas com alguns dos universitários presentes na platéia.
Em 1987, Bukowski, um não apreciador declarado de cinema,
escreveu o roteiro para o filme Barfly - Condenados pelo Vício, estrelado pelo
então Charlie-Sheen-dos-anos-oitenta Mickey Rourke. O filme, produzido por
Francis Ford Coppola foi um sucesso momentâneo e depois caiu no esquecimento
eterno. É uma obra única, que mostra a genialidade de um mestre da escrita ao
criar um roteiro sobre sua própria vida, e possui a excelente atuação de Mickey
Rourke no papel do bêbado Henry Chinaski.
"Condenados pelo Vício". Nos anos 90, o
"Velho Safado" pendurou as calças e se assentou em uma pacata vida na
Califórnia. Longe do auge físico e já com 70 anos, Bukowski não era mais o
homem que foi em sua juventude e meia-idade, ele agora precisava se cuidar para
manter a saúde, que estava ficando debilitada. E uma das condições era parar de
beber.
Bukowski foi um bebedor inveterado por toda a vida, e eu
particularmente não citei isso antes porque é conhecimento geral suas aventuras
no botequim, mas tudo isso teve um forte preço, e seus últimos anos foram de
enorme sofrimento por conta da debilitada saúde, sofrimentos esses que
acarretaram em uma Leucemia que abateu o poeta de surpresa em 1993.
Já inconsciente e internado por vários dias, Charles
Bukowski faleceu no dia 09 de Março de 1994. Cercado por amigos, por amor e
pelo carinho de seus fãs pelo mundo todo, sentimentos esses que lhe foram
privadas por grande parte de sua vida. O "Velho Safado" deixou sua
marca na vida de inúmeras pessoas, marcas essas, ruins ou boas, tem se
mostraram eternas. Com mais de 40 livros publicados e adaptações
cinematográficas saindo a cada ano que passa, Bukowski continua mais vivo do
que nunca. Vivo em cada dose de uísque que bebemos no bar em sua homenagem;
vivo em seus livros e vivo na ideia de que ter uma vida fodida por todos, e
ainda conseguir fazer arte disso, não é na realidade, uma coisa tão ruim.
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* Estudante de Jornalismo, fotógrafo, poeta, exímio
mentiroso e craque em cometer falcatruas - tais como convencer meus queridos
parceiros de botequim a sempre (sempre) me pagarem mais uma gelada e a pedir
emprestado o bilhete único de alguém dois pontos antes do meu. Moro em São
Paulo.
Texto e imagem reproduzidos do site: lounge.obviousmag.org
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