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quarta-feira, 29 de outubro de 2025
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Livro: Baviera Tropical – a história de Josef Mengele, por Betina Anton
Entrevista compartilhada do site SÓ SERGIPE, de 5 de janeiro de 2025
Escritora Betina Anton: “Como Josef Mengele conseguiu viver tanto tempo no Brasil e nunca foi descoberto?”
Por Antonio Carlos Garcia *
Em junho de 1985, a menina Betina Anton ficou perplexa quando soube, por alguém da escola onde estudava, que a então professora Tante Liselotte não iria mais trabalhar ali. O que motivou aquela saída abrupta da sua professora, a quem seus pais a confiavam na escola germânica, em Santo Amaro, interior de São Paulo? A curiosidade da garota descendente de alemães cresceu e a acompanhou até que ela se tornou adulta. Cursou jornalismo, depois fez Mestrado em História, e decidiu tirar essa história a limpo. Depois de seis anos de pesquisas, milhares de entrevistas e leituras, eis que Betina Anton lançou, em novembro de 2023, o seu primeiro livro, chamado “Baviera Tropical – a história de Josef Mengele, o médico nazista mais procurado do mundo, que viveu quase vinte anos no Brasil, sem nunca ter sido pego”, da editora Todavia.
Betina Anton já se via como jornalista desde criança
“Eu acho que já era uma jornalista mirim”, diz Betina sobre sua curiosidade a respeito dos mistérios que cercavam a professora Liselotte. Um dia, conversando com um chefe na Rede Globo, onde ela trabalha como editora de internacional do Jornal Hoje e é comentarista de internacional da Globo News, Betina disse “que tinha uma história que podia virar um livro”. E virou. O livro vem fazendo tanto sucesso de público e crítica que, no ano passado, ela ganhou em primeiro lugar na categoria biografia e reportagem o Prêmio Jabuti.
Neste tempo de pesquisa, Betina Anton conta que viajou bastante, vasculhou documentos, leu as cartas de Josef Mengele, em alemão, entrevistou dirigente do Mossad, o serviço secreto israelense, ex-diretores da Polícia Federal, para montar a história do médico nazista no Brasil. E muitas informações que apurou a deixaram impressionada, a exemplo das histórias dos sobreviventes que sofreram bastante nas mãos de Mengele, conhecido como o Anjo da Morte, com seus experimentos terríveis. Também a surpreendeu o fato de o fugitivo nazista ter passado tanto tempo no Brasil sem nunca ter sido preso.
Há também relatos cruéis das experiências que Mengele fez com gêmeos, isso sem falar que o médico jogou bebês vivos em fogueiras. “Realmente eu não estou querendo acreditar por ser muito absurdo, mas ele fazia isso”, disse Betina ao se referir a esse ato de Mengele com os bebês. Para ter certeza de que essa informação não era sensacionalista, Betina apurou a fundo. Um trabalho de jornalismo investigativo impecável. E aí decidiu colocar a informação no livro.
Além do prestigiado Prêmio Jabuti, Baviera Tropical foi selecionado no Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como melhor biografia do ano de 2023. Aos 45 anos de idade, o sucesso como escritora a motiva a escrever mais. Ela já está preparando num novo livro, mas preferiu não adiantar nenhuma informação sobre esse trabalho.
Mas, de volta ao começo: qual mistério envolve a professora Tante Liselotte? Você vai ter pistas para essa resposta, ao ler esta entrevista que Betina Anton concedeu ao Portal Só Sergipe. E vai encontrar uma série de questionamentos instigantes, que só vai descobrir de duas maneiras. Lendo esta entrevista e depois correndo à livraria mais próxima para adquirir Baviera Tropical. Você vai se surpreender.
SÓ SERGIPE – Ao começar a ler Baviera Tropical, fiquei com a impressão de que, desde criança, você já era jornalista. É isso mesmo?
BETINA ANTON – (Risos). Que legal! É verdade, eu acho que era uma jornalista mirim. Fiquei com a antena ligada quando aquelas coisas aconteceram.
SÓ SERGIPE – O que lhe motivou a escrever este livro?
BETINA ANTON – Eu sempre quis escrever. Sou editora de internacional há muitos anos e quis me aprofundar numa história que envolvesse jornalismo e história, pois tenho mestrado nessa área. Um dia eu estava conversando com um chefe meu, falando de história de um nazista que virou filme e o livro foi escrito por um jornalista. Eu disse a ele que tinha uma história e poderia virar um livro. Era a história do Mengele, que sempre estava na minha cabeça. E aí na conversa com ele, eu decidi me dedicar a esse projeto.
SÓ SERGIPE – Quantos anos você passou entre pesquisa e o livro ficar pronto?
BETINA ANTON – Foram seis anos, e viajei bastante. Fui para vários lugares aqui no Brasil, onde Mengele esteve, onde ele morou em Serra Negra; fui ao lugar onde ele foi enterrado com o nome falso; fui à casa, em São Paulo, onde ele morou por alguns anos. Enfim, fui a vários lugares frequentados por ele e aproveitei algumas viagens que estava fazendo a trabalho. Fiz entrevista em Israel, com o comandante do Mossad, que participou das tentativas de sequestro do Mengele aqui no Brasil.
SÓ SERGIPE – Você chegou a ir a Auschwitz?
BETINA ANTON – Não.
SÓ SERGIPE – Quando você estava fazendo a pesquisa teve dificuldades? E falar vários idiomas, facilitou?
BETINA ANTON – Falar idiomas facilitou bastante, porque esse é um livro internacional, pois envolve pessoas de diversos países. Fiz pesquisas nas cartas do Mengele, todas escritas em alemão, e eu tinha essa facilidade porque venho de família alemã e aprendi o idioma desde pequena. Mas, também, havia muito material em inglês. Por exemplo, para fazer pesquisa num material do Mengele, em Auschwitz, eles tinham em alemão ou polonês. Eu não leio polonês, mas em alemão tive acesso. Em vários momentos, precisei usar outras línguas e, claro, o português. Porque o inquérito policial está em português. Então, tive que usar vários idiomas para compor o quadro todo.
SÓ SERGIPE – O que mais lhe surpreende no livro, mais lhe impacta?
BETINA ANTON – O que mais me toca são as histórias das pessoas, dos sobreviventes. Como eles conseguiram sobreviver em situação tão adversa, sendo tão oprimidos, tratados com tanta crueldade. As pessoas deram uma grande lição de vida. Mas me surpreendeu, também, lendo as cartas de Mengele, ver como ele desfrutou a vida aqui no Brasil. Ele viajou para vários lugares, tomava banho de cachoeira, passeava com os cachorros, encontrava-se com os amigos. Ou seja, uma pessoa normal e que tinha uma vida; senão em todos os momentos, mas uma vida boa. Talvez não tenha sido a vida que ele idealizou, mas as cartas deixam claro que ele fazia coisas legais, digamos assim. Tinha uma vida aprazível.
SÓ SERGIPE – Ao apurar essa história, você não sentiu um certo desleixo das autoridades brasileiras na busca de Mengele?
BETINA ANTON – Não senti pelo seguinte: hoje em dia, olhando para trás é fácil identificar isso, mas na época ninguém sabia que ele estava aqui. Os caçadores de nazistas achavam, em primeiro lugar, que ele estava no Paraguai. Hoje seria impossível ele escapar durante tanto tempo, com internet, redes sociais. Não acho que foi um problema das autoridades brasileiras, mas das pessoas que viviam com ele e não falaram com essas autoridades, ficaram quieta, o protegeram.
SÓ SERGIPE – No dia que ele morreu afogado na praia de Bertioga, ao ler o livro, senti uma certa ingenuidade daquele policial que foi ver o corpo, por ter se convencido logo no primeiro documento que a moça o entregou etc.
BETINA ANTON – De novo. A gente olhando para trás agora, fica fácil. Mas na época, aquilo era fácil acontecer. Quando a gente conhece a história fica óbvio. Para época, são coisas que acontecem. Eu consultei um legista para saber se tinha muita diferença num corpo de uma pessoa com 14 anos de diferença e até coloco isso no livro, o médico falou que, dependendo da faixa etária, 14 anos não fazem muita diferença. Faz mais diferença como o morto viveu a vida. Tirando o fato de ser uma criança ou velhinho, a faixa do meio não faz diferença. Ainda mais, morte por afogamento que a pessoa fica com os tecidos muito enrugados.
SÓ SERGIPE – Tem passagens no seu livro que, para mim, foram bastante impactantes, como as experiências bizarras em humanos, coisas de filme de terror. Jogar um bebê vivo numa fogueira, por exemplo. Quando você descobriu essas atrocidades, qual foi o seu sentimento?
BETINA ANTON – Para falar a verdade, já tinha ouvido falar dessas atrocidades quando eu era criança. Tinha programas de TV, no domingo, que falava disso. E uma das coisas que eu queria fazer era, realmente, pesquisar para saber se aquilo era ou não sensacionalismo. E cheguei à conclusão de que não era sensacionalismo, porque muitas pessoas fazem relatos. Quanto à essa coisa de jogar bebê na fogueira, fui meio resistente, no começo, de colocar isso no livro porque achei muito absurdo. Mas depois do relato de várias pessoas que contaram a mesma história, inclusive, uma médica que trabalhou com ele, que era uma judia ultra ortodoxa, uma pessoa com credibilidade altíssima, contou que Mengele fazia isso, eu falei: realmente, eu não estou querendo acreditar por ser muito absurdo, mas ele fazia isso. E acabei incluindo no livro. Eu não assumi tudo de uma vez. Tive muito cuidado para pesquisar o que ele tinha feito, com as fontes, com as leituras. Muita gente que aparece no livro já tinha morrido, mas eu fui atrás de documentos, de livros, de depoimentos gravados para poder compor esse quadro de quem era o Mengele lá em Auschwitz.
SÓ SERGIPE – Há detalhes importantes do seu livro que quase ninguém sabia. Muitas perguntas.
BETINA ANTON – Talvez as pessoas não tenham tanta dimensão de que Mengele foi o nazista mais procurado do mundo e que ele viveu quase 20 anos no Brasil sem nunca ter sido preso. Isso é uma coisa muito impactante, e se discutiu muito pouco na nossa história. Então, acho isso muito importante. E o livro busca responder estas perguntas: Como ele conseguiu ficar tanto tempo aqui? Como nunca foi descoberto? Por que as pessoas o apoiavam? Por que ninguém o denunciou? Enfim uma série de perguntas que me moveram a pesquisar e a escrever e que estão livro. Espero que as pessoas tenham curiosidade para descobrir essas coisas.
SÓ SERGIPE – Seu livro já está traduzido para vários idiomas.
BETINA ANTON – Ele vai ser traduzido para 13 línguas, em alguns países já foi lançado, como Estados Unidos, Polonia, Hungria, Portugal, Holanda e vai ser lançado na Itália, Rússia. Como eu te falei, é uma história que tem esse interesse internacional.
SÓ SERGIPE – Você pretende fazer lançamentos pelo Brasil?
BETINA ANTON – A editora não faz lançamentos em cidades. Mas o que eu faço é participar de eventos em várias cidades. Se vocês tiverem um evento, que já esteja organizado, eu consigo participar. Não vou para o lançamento exclusivo do livro, isso a editora não faz, infelizmente.
SÓ SERGIPE – Esse é o seu primeiro livro?
BETINA ANTON – Sim, é o primeiro. Sou jornalista há mais de 20 anos, mas é o primeiro.
SÓ SERGIPE – Já pensa num segundo livro? Pode dizer sobre o que irá escrever?
BETINA ANTON – Estou pesquisando sim.
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* Sobre Antonio Carlos Garcia - Editor do Portal Só Sergipe
Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe com br
sábado, 13 de setembro de 2025
Pondé: "Paulo Francis e Nelson Rodrigues não sobreviveriam hoje".
Entrevista compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de setembro de 2025
Pondé: "Paulo Francis e Nelson Rodrigues não sobreviveriam hoje".
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, a patrulha ideológica e o ativismo judicial sufocam a cultura brasileira. Entrevista a Branca Nunes e Edilson Salgueira, da Oeste:
Luiz Felipe Pondé não é um entrevistado que se lança em respostas apressadas. Antes de falar, fecha levemente os olhos, respira fundo e espera dois segundos. É como se cada palavra precisasse passar por um filtro interno que separa o que merece ser dito do que deve permanecer em silêncio.
A cena se repete várias vezes ao longo da entrevista concedida a Oeste na quarta-feira, 20 de agosto. Entre uma resposta e outra, o filósofo leva o copo de água à boca. Bebe em goles curtos, devolve o copo à mesa e retoma a linha de raciocínio. De tempos em tempos, interrompe uma análise para contar um causo vivido em sala de aula ou nos bastidores da vida intelectual. Nesses momentos, uma farta gargalhada desmonta a imagem que muitos fazem dele: a do filósofo sisudo, sem paciência para trivialidades.
Pondé lê muito — de tudo, o tempo todo. Filosofia, história, ensaios. Mas é na ficção que encontra um de seus refúgios prediletos. Sobre a universidade e o ambiente acadêmico, fala com a autoridade de mais de três décadas em salas de aula. Lecionou na Universidade de São Paulo (USP), na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). No passado, recorda, o ambiente era plural. Professores de esquerda, como Marilena Chauí, deixavam as convicções políticas do lado de fora e se concentravam nos autores clássicos. “Ela falava de Baruch Spinoza”, recorda o professor, ao citar o filósofo racionalista holandês. Hoje, observa, o cenário é outro: censura velada, patrulha ideológica e pensamento único.
Não é só o conteúdo que mudou. Segundo Pondé, as redes sociais agiram como ácido sobre a linguagem, corroendo nuances e sutilezas. As palavras foram reduzidas a slogans, e a semântica se empobreceu a ponto de não sustentar mais debates verdadeiros.
Um dos tema que mais o instiga, contudo, é a juventude. Pondé descreve a geração atual como sem energia, temerosa e com medo de viver. “Eles acham o mundo perigoso, e não estão errados”, comenta. “O excesso de informação gera paranoia. Pais superprotetores, relações frágeis, ansiedade diante de tantas opções.” O filósofo se lembra de uma excursão universitária em Minas Gerais, quando um grupo de estudantes foi convidado a escolher um tema para debate. A expectativa era de que falassem de sexo, drogas ou música. Surpreenderam: escolheram o medo. “Receio do trabalho, das relações amorosas, do futuro”, recorda. “É uma geração desvitalizada.”
No fim da conversa, o filósofo agradece sem pressa. Dá mais um gole de água, conta mais um causo e finaliza com uma última gargalhada. Deixa a impressão de alguém que, mesmo sem ilusões, continua disposto a refletir — e a fazer refletir.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor disse que há uma espécie de depressão ou “desvitalização” na juventude atual. A que atribui isso?
Eles acham o mundo muito perigoso. Há mais solidão, famílias atomizadas, menos convívio presencial. Imagina ter gente namorando o ChatGPT, fazendo terapia com inteligência artificial. O excesso de opções gera ansiedade. E as redes sociais pioram esse cenário: os jovens se comparam o tempo todo com outros, acreditando em vidas que muitas vezes são mentira. Isso produz desânimo e angústia. Eles têm medo de muita coisa: medo de colegas gravarem o que falam em sala de aula, medo nas relações afetivas. São muito moralistas. Há um mito de que jovens têm cabeça aberta. Não têm. São moralistas, acham que certo é certo, errado é errado. Com o tempo se descobre que nada é tão óbvio.
O senhor nota essa mudança na universidade?
Sim. Dou aula há 30 anos na PUC e na FAAP. A FAAP sempre foi um espaço mais livre, a PUC mais carregada ideologicamente. Hoje, o ambiente acadêmico está muito pior. Há professores jovens mais radicalizados, influenciando os alunos. Mas também há o aumento impressionante de alunos evangélicos, que são os que mais querem trabalhar. Sempre foram mais estudiosos, mais sérios. Até em cursos de filosofia acompanham melhor, porque têm inquietações ligadas a Deus, ao pecado, à salvação.
Professores não alinhados à esquerda sofrem resistência?
Comigo, os alunos já sabiam quem era o Luiz Felipe Pondé. Então, não havia confronto direto. Muitas vezes me escondia nos clássicos, falava apenas de Sófocles, evitava temas contemporâneos. Mas já vi casos de intolerância. As universidades norte-americanas são ainda piores.
Houve um momento em que essa patrulha ideológica se intensificou?
Um pouco antes da pandemia. As redes sociais tiveram papel central. Empobreceram a semântica, reduziram a linguagem a slogans. O Brasil importou esse vocabulário da esquerda norte-americana: politicamente correto, identitarismo, wokismo. Há dez anos isso não existia na universidade.
Quando o senhor estudou Filosofia na USP, era diferente?
Completamente. Fiz Filosofia entre 1987 e 1990. Tive aula com Marilena Chauí, que na época era secretária de Cultura. Nunca falou de política em sala, só de Baruch Spinoza. Os professores se concentravam no autor da disciplina. Havia barulho nas ciências sociais, mas na filosofia era tranquilo. Essa radicalização é recente.
A influência norte-americana é determinante?
Sim. A esquerda norte-americana, identitária, influenciou muito os brasileiros. O politicamente correto fechou a semântica. Paulo Francis e Nelson Rodrigues, por exemplo, não sobreviveriam hoje. Seriam demitidos, processados. A importação desse vocabulário empobreceu o debate no Brasil.
Isso afeta a pesquisa acadêmica?
Afeta. Alunos que querem estudar certos temas não encontram orientadores. Conheci gente que não conseguiu pesquisar Leo Strauss [teórico da contrarrevolução] porque não havia professor disposto. Isso fecha hipóteses de pesquisa. E o aluno precisa concluir o mestrado ou o doutorado para trabalhar.
Há espaço para debates abertos?
Cada vez menos. Já participei de muitos debates. Hoje não valem a pena. São certezas fechadas. O debate virou mito. Além disso, existe a cultura do processo. Qualquer frase pode gerar ação judicial, destruir carreiras. É o que chamei de “censura líquida”.
O senhor vê essa cultura do processo no caso da feminista Isabella Cêpa, que chamou Erika Hilton de “homem” e virou alvo de ação judicial?
Sim. Ela disse uma verdade biológica e virou alvo de processos. Teve de se exilar. Isso mostra a tendência canibalizadora dentro da própria esquerda. O autor Bruce Bawer já escreveu sobre esse assunto no livro The Victims’ Revolution, ao mostrar como grupos identitários passam a se atacar mutuamente.
E a discussão atual sobre regular redes sociais?
O Brasil tem vocação para regular tudo, o que atrapalha processos criativos. Existe uma fúria regulatória. E uma cultura contenciosa: todo mundo quer processar todo mundo. Isso não vem só do governo, é mais amplo.
No programa Conversa com Augusto Nunes, o filósofo Luiz Felipe Pondé revisitou sua trajetória e compartilhou reflexões sobre filosofia, religião, política e cultura. Formado em Filosofia pela USP, doutor em Paris e pós-doutor em Tel-Aviv, Pondé contou como deixou a medicina no quinto ano, atraído pela psicanálise e pela leitura de Sigmund Freud. Tornou-se professor da FAAP e da PUC-SP, colunista do jornal Folha de S. Paulo e comentarista da TV Cultura.
Pondé definiu a filosofia como a tradição que nasceu na Grécia para explicar o mundo sem recorrer à religião. Para o professor, ser filósofo exige capacidade de espanto diante da vida e disciplina intensa de leitura. Inspirado por Paulo Francis e lapidado no jornalismo, aprendeu a escrever de forma clara e provocativa: “No jornalismo, você precisa lembrar que está escrevendo para alguém que vai ler”.
Sobre a felicidade, ponderou que não se trata de um estado constante, mas de momentos inesperados — seja no trabalho, no casamento ou na relação com os filhos. Quanto à religião, define-se como “ateu não praticante”, embora tenha se especializado em filosofia da religião.
Crítico do politicamente correto, disse que no Brasil a cultura woke se transformou em “juridicamente correta”, com risco de censura e processos. Segundo Pondé, a coragem é a virtude essencial. E, na política, rejeita a ideia moderna de progresso: prefere a visão dos antigos, segundo a qual a função da política é apenas evitar que o mundo piore.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
O que ninguém conta sobre a ansiedade e suas mãos geladas
Artigo compartillhado do site da REVISTA OESTE, de 11 de setembro de 2025
O que ninguém conta sobre a ansiedade e suas mãos geladas
Por Bia Assunção
A ansiedade é uma resposta natural e instintiva do corpo humano a situações de perigo percebidas. Esse estado de alerta provoca uma série de reações físicas, entre elas, a sensação de mãos geladas. Este fenômeno é explicado pela ativação do sistema nervoso simpático, que faz parte do mecanismo de “luta ou fuga”. Quando o organismo detecta uma ameaça, há um redirecionamento do fluxo sanguíneo para os músculos e órgãos vitais, visando uma pronta reação. Como consequência, há uma redução na circulação das extremidades, resultando na sensação de mãos frias.
A relação entre ansiedade e mudanças físicas é complexa e multifacetada. A temperatura das mãos, por exemplo, é uma das respostas observáveis dessa interação. Além do sistema nervoso simpático, o sistema nervoso autônomo desempenha um papel crucial na regulação desses processos involuntários, como a temperatura corporal. Assim, durante momentos de ansiedade, o corpo entra automaticamente em um estado de atenção aumentado, preparado para responder a situações de perigo real ou percebido.
O que causa mãos geladas em pessoas ansiosas?
Nesse contexto, é comum que o fluxo sanguíneo seja desviado das extremidades, contribuindo para a queda de temperatura nas mãos e pés. Essa resposta fisiológica tem suas origens em tempos antigos, quando o ser humano precisava reagir rapidamente a uma ameaça física. Embora hoje muitas ameaças sejam mais emocionais ou psicológicas, o corpo ainda responde como se o perigo fosse físico, preparando-se para enfrentar ou fugir da situação estressante.
Como a ansiedade afeta o corpo fisicamente?
A ansiedade é uma condição que afeta tanto o mental quanto o físico. Os sintomas físicos podem incluir palpitações cardíacas, sudorese, e alterações na temperatura corporal, como as mãos frias. O sistema nervoso simpático, parte do sistema nervoso autônomo, é responsável por preparar o corpo para uma ação imediata, causando as mudanças físicas necessárias para lidar com o perigo percebido. Isso inclui o aumento da frequência cardíaca e a redistribuição do fluxo sanguíneo dos membros para os órgãos centrais.
Quais são as estratégias para reduzir esse sintoma?
Existem diversas estratégias práticas que podem auxiliar na gestão desse sintoma físico de ansiedade. Estas não apenas melhoram a qualidade de vida, mas também ajudam a lidar com episódios de ansiedade. Entre as medidas que podem ser adotadas estão técnicas de relaxamento, exercícios de meditação, e práticas de atenção plena. Além disso, manter as mãos aquecidas através do uso de luvas ou compressas pode fornecer um alívio imediato.
Técnicas de relaxamento: Exercícios como respiração profunda e ioga podem ajudar a acalmar o sistema nervoso.
Meditação e atenção plena: Focar no presente ajuda a reduzir a ansiedade ao interromper o ciclo de pensamentos negativos.
Exercícios físicos regulares: Atividades físicas estimulam a circulação e podem reduzir sintomas de ansiedade.
Manter as extremidades aquecidas: O uso de luvas ou compressas pode ser útil em situações de mãos geladas.
Mais do que tratar sintomas, entender o motivo por trás das mãos geladas causadas pela ansiedade é crucial. Embora essa resposta do corpo possa ser desconfortável, reconhecer que é parte de uma resposta biológica natural pode ajudar a enfrentar a ansiedade com mais compreensão e, eventualmente, a controlá-la melhor. Consultar um profissional de saúde mental é sempre uma abordagem adequada para receber orientações personalizadas.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistaoeste com
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Entre quatro paredes e muitos desejos...
Legenda da foto: "A psicanálise não julga. Escuta e interroga: com o swing, estamos terceirizando o desejo?"
Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 25 de agosto de 2025
Entre quatro paredes e muitos desejos: o que o swing revela sobre os vínculos modernos
Por Déborah Pimentel (Coluna Aparte)
“O amor é a grande desilusão do desejo”
Frase que Lacan não disse, mas bem poderia ter dito
Uma reportagem recente da Folha de S.Paulo, jornal que acompanho há mais de três décadas com o olhar sempre atento às entrelinhas, trouxe uma matéria inusitada: a mudança de endereço do swing. Sai dos clubes noturnos e entra nas casas, empurrado pela inflação e pelos aplicativos de encontros.
À primeira vista, pode parecer uma curiosidade dos tempos modernos. Mas, se olharmos com o olhar atento da escuta psicanalítica, ela diz muito mais do que parece. Fala da solidão a dois, da mercantilização do afeto e da tentativa, muitas vezes desesperada, de manter aceso o que já perdeu o calor da intimidade genuína.
Você já se perguntou o que leva um casal a dividir o próprio corpo com outros corpos? Não. Não se trata aqui de moralismo. A psicanálise não julga. Ela escuta, interroga, provoca. E há uma provocação gritante nesse movimento: estamos terceirizando o desejo? Ou tentando salvar vínculos esgarçados pela rotina, pelo tédio e pela ausência de um verdadeiro encontro?
No texto lacaniano, o amor é aquilo que surge quando o desejo encontra um ponto de falta. É a tentativa de fazer suplência ao que nos falta no outro e a nós mesmos. Quando um casal busca fora a excitação que já não encontra dentro, será que não está tentando driblar essa falta, sem encará-la? Transformando o amor em performance, o desejo em espetáculo, e a intimidade em mercado, com regras, senhas, aplicativos, agendamentos?
A reportagem diz que os encontros de swing migraram para dentro das casas por causa da alta dos aluguéis e das novas tecnologias. O desejo, agora, é intermediado por algoritmos e QR codes. Há uma ironia aí: quanto mais ferramentas temos para “nos conectar”, menos parece que conseguimos realmente nos encontrar. Casais que dividem seus corpos com outros, muitas vezes, não conseguem mais dividir suas angústias entre si.
Você já tentou conversar de verdade com quem dorme ao seu lado? Já ousou perguntar o que de fato o outro deseja, não no sentido da fantasia, mas do que o move, o inquieta, o assusta? Porque há algo profundamente humano em desejar o que o outro deseja. Mas há algo desolador em fazer do outro um espelho vazio, onde projetamos nossa insatisfação sem escuta.
E a pergunta insiste: isso é amor? Se quem ama quer ver o outro feliz, será que aceitar dividir esse outro é prova de amor ou de desespero? Será que esse casal dura? Ou será que se sustenta na ilusão de que, multiplicando os corpos, resolverá a falta do vínculo? O amor, esse radical enigma, não se resolve com estratégias. Muito menos com aplicativos.
Lacan não disse que o amor é a desilusão do desejo. Mas poderia ter dito. Porque o amor, na perspectiva psicanalítica, implica justamente suportar a frustração, sustentar o enigma do outro e abrir mão do controle sobre o desejo alheio. Amar é, talvez, suportar que o outro deseje para além de mim, mas não que desapareça de mim. Há uma ética aí, delicada, que não se resolve com consenso, mas com implicação subjetiva.
Quando o casal decide abrir sua relação, o que está em jogo não é apenas a liberdade ou a modernidade. É, muitas vezes, a tentativa de não olhar para o que se perdeu: a escuta, a ternura, a admiração, o silêncio partilhado. O swing nos salões ou nas salas de estar é só o sintoma. O real está na angústia de não saber mais desejar dentro do vínculo. Está na tentativa de revitalizar o amor sem mergulhar no conflito. Está na dificuldade de dizer: eu te quero, mas não sei mais como.
E você, leitor, leitora... já se perguntou do que você tem fugido quando busca novas formas de desejo? Já se permitiu olhar para dentro, de si, do outro, do vínculo, com coragem? Afinal, o amor, quando verdadeiro, nunca é confortável. Mas sempre é transformador.
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* Articulista Déborah Pimentel - É médica, pesquisadora da saúde mental e psicanalista.
Texto e imagem reproduzidos do site: www jlpolitica com br/articulista
sábado, 30 de agosto de 2025
O incrível poder do nada
Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 29 de agosto de 2025
O incrível poder do nada
A tirania da positividade, com os seus profetas de sorriso plastificado e de discursos sobre a "vibração" e "gratidão", não se contenta em dominar a vida; tem a ousadia de querer colonizar a morte. Filipe Carvalho para o Observador:
Estamos perante uma das mais perversas ironias da nossa era. Numa sociedade que se declara mais livre, informada e céptica do que nunca, emerge uma nova casta de profetas: os gurus da autoajuda. Vendem a salvação, mas a troco de um preço, e em vez de sermões nas montanhas, oferecem palestras em palcos iluminados e palavras de ordem que, de tão ocas, parecem ecoar no vazio das nossas incertezas. Estes não são os filósofos que nos ensinam a pensar, mas sim os mercadores da felicidade que nos prometem a resposta para tudo, desde a falência emocional até à bancarrota financeira, numa sedutora, mas perigosa, simplificação da complexidade do viver.
Estes novos gurus da autoajuda, com as suas promessas de felicidade instantânea e sucesso garantido, emergem como parasitas emocionais, que se alimentam da desesperança e do anseio por uma vida perfeita. São os mercadores da ilusão, que vendem manuais de “felicidade” que mais se assemelham a receitas de bolo instantâneo, onde o principal ingrediente é a nossa conta bancária.
Através de livros, palestras e publicações nas redes sociais, estes pregadores da “solução para tudo” erguem um império sobre alicerces frágeis de frases feitas e pseudociência. Apresentam-se como portadores de uma sabedoria ancestral, quando na realidade não passam de meros repetidores de chavões vazios. A sua mensagem, à primeira vista, parece empoderadora: “podemos ser quem quisermos”, “o universo conspira a nosso favor”, “vamos pensar positivo e tudo se resolverá”. Mas, se nos aprofundarmos, percebemos que isto é uma armadilha retórica, um atalho perigoso para a passividade. Em vez de promoverem a reflexão e a ação genuína, estes gurus incentivam uma espécie de pensamento mágico, onde a responsabilidade pelo fracasso é sempre do indivíduo, que “não se esforçou o suficiente” ou “não visualizou a prosperidade corretamente”.
O que há de mais perverso nesta indústria é a sua capacidade de se apropriar de conceitos complexos e diluí-los em cápsulas de consumo rápido. A resiliência, por exemplo, não é a capacidade de sorrir perante a adversidade, mas sim a árdua e dolorosa jornada de aprender a lidar com as perdas e as cicatrizes. A felicidade não é um estado de espírito permanente, mas a soma de momentos fugazes de alegria, intercalados por momentos de profunda tristeza e dor. No entanto, na visão destes “especialistas”, tudo se resume a um processo de “transformação pessoal” que se pode comprar, consumir e replicar.
A verdadeira filosofia, essa que nos convida a questionar, a duvidar e a confrontar a nossa própria fragilidade, é substituída por um hedonismo superficial, onde o objetivo final é a busca incessante pelo prazer e pela ausência de qualquer tipo de sofrimento. E é aqui que reside o maior perigo: ao fugirmos da dor, fugimos também da oportunidade de crescimento e autoconhecimento. Afinal, as maiores lições da vida não são aprendidas nos palcos iluminados das conferências de autoajuda, mas sim nas sombras das nossas próprias derrotas. E isso, meus caros, não há guru que o consiga vender.
A tirania da positividade, com os seus profetas de sorriso plastificado e de discursos sobre a “vibração” e “gratidão”, não se contenta em dominar a vida; tem a ousadia de querer colonizar a morte. A morte, esse último grande mistério, essa certeza implacável, torna-se, nas mãos destes “gurus”, apenas mais um obstáculo a ser superado, um “processo de transição” que se pode gerir com a atitude certa.
Assistimos, com um misto de repulsa e de fascínio, à venda de manuais que prometem “uma morte sem medo”, onde o luto é rebaptizado de “celebração da vida” e a dor é tratada como uma emoção “de baixa frequência” que deve ser evitada. O fim, o ponto final da nossa existência, é transformado num capítulo de autoajuda, com a sua própria playlist de músicas “elevadas” e frases motivacionais. A dor da perda, essa experiência profundamente humana e necessária, é subitamente vista como um fracasso pessoal, um sinal de que não se “trabalhou” bem o “processo de aceitação”.
Este discurso é uma afronta à dignidade humana e à complexidade da experiência do luto. A morte não é um problema a ser resolvido. É um evento que nos confronta com a nossa vulnerabilidade e com a nossa finitude. O luto não é um estado de espírito que se possa “ultrapassar”, mas uma jornada interior, caótica e imprevisível, que nos obriga a enfrentar a nossa própria mortalidade.
Ao tentarem reduzir a morte e o luto a mais um nicho de mercado, estes gurus desumanizam-nos. Negam-nos o direito de chorar, de gritar e de sentir a brutalidade da ausência. O que nos vendem é uma anestesia emocional, um substituto artificial para a experiência genuína de viver e de morrer. E isso, é o mais cínico e cruel dos negócios.
Para todos vós, que chegaram ao fim destas linhas, o meu mais profundo e sincero “obrigado”. E sim, é um agradecimento genuíno e não uma “gratidão” daquelas que se publicam nas redes sociais com um pôr do sol de fundo e uma frase genérica sobre a abundância do universo. Não, a minha gratidão não é um emoji, nem duas ridículas mãos em punho e em forma de coração. É apenas a constatação, humilde e real, de que houve alguém, do outro lado, que me deu o seu tempo e a sua atenção. E por isso, sem a necessidade de visualizar um futuro próspero ou de vibrar numa frequência elevada, o meu obrigado é suficiente. Que as vossas vidas se encham de “obrigações” e não de “gratidões”.
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quinta-feira, 28 de agosto de 2025
Platão para o século 21
Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 22 de agosto de 2025
Platão para o século 21
Não há espaço para os melhores onde o bem deixou de ser a medida última das coisas. E é nesse momento que os piores começam a governar. Dennys Xavier para a Crusoé:
O clássico diálogo de Platão A República não é um estudo sobre a construção da cidade-ideal, da pólis perfeita, como muitos imaginam.
Aliás, essa é uma leitura que reduz Platão a um arquiteto de cidades utópicas, ignorando que seu verdadeiro ofício era mais profundo: Platão era um topógrafo da alma e, quando pensa a cidade, pensa na mais bem ajustada estrutura comunitária para acolher o melhor da natureza humana e para afastar, tanto quanto possível, o pior de nós.
A cidade, n’A República, é apenas imagem, símbolo, um espelho ampliado do que se passa no interior do ser humano.
O que se organiza ali não é um Estado, mas a psique, o interior de cada um de nós: é o óbvio magistralmente exposto; não se pode esperar que uma cidade (que é, em última instância, a projeção coletiva das almas que a compõem) seja justa, livre ou virtuosa, se seus cidadãos estão desordenados em seu interior.
Quando a alma está doente, dominada pela epithymía (o desejo desenfreado), sem a regência do logos (razão) e o equilíbrio do thymós (ânimo, coragem), o que se projeta no espaço público é uma cidade corrupta, injusta, tirânica.
Nesse sentido, as formas de governo descritas por Platão não são modelos institucionais abstratos, mas arquétipos de tipos humanos (oligarca, democrata, tirano) conforme a alma que os anima.
Platão nos fala, pois, de nós mesmos. Quando aponta a necessidade de uma educação rigorosa, de uma ginástica da alma e de uma vigilância permanente da razão sobre os apetites, está desenhando um ideal de vida filosófica, não de regime político.
A justiça que se busca não nasce de instituições, mas da integridade que pode ser virtualmente encontrada em cada um de nós.
A pólis verdadeira, nesse sentido, é a que se realiza em cada um: quando se consente, livremente, à autoridade do logos, e não à sedução do desejo.
A cidade moderna, fundada não na ordem da alma, mas na desordem das massas, se tornou hostil à excelência.
Não há lugar para os melhores onde impera o igualitarismo vulgar, que confunde justiça com nivelamento forçado, e liberdade com concessão de burocratas estatais apedeutas.
Platão já via isso com clareza no livro VIII da República, quando descreve a transição da democracia para a tirania: ali, o homem livre degenera em licencioso, o amante da sabedoria é ridicularizado, e o desejo reina como tirano.
Para Platão, quando a alma perde seu apreço pelo domínio da razão e, então, passa a delirar em paixões (especialmente a paixão política, que, nas sábias palavras de Nelson Rodrigues, é a mais cretinizante de todas, por ser a única sem grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem), a cidade se torna incapaz de acolher o filósofo.
Ao contrário: ela o expulsa ou o mata, como fez com Sócrates.
A cidade moderna não é apenas indiferente aos melhores: ela é, por estrutura, impermeável à excelência, porque esta exige hierarquia interior/exterior, disciplina e um senso de medida que são incompatíveis com o hedonismo democrático que se impôs como norma.
O resultado é uma cidade ruidosa, cheia de vozes, mas surda à verdade; cheia de opiniões, mas vazia de sabedoria; cheia de regras (aos milhares, quiçá milhões), mas sem justiça.
A excelência, nesse ambiente, é tratada como arrogância; o mérito, como privilégio; o discernimento, como opressão.
E assim, tal como na caverna, os que enxergam mais são tomados por loucos, e os que tentam libertar são acusados de tirania.
Não há espaço para os melhores onde o bem deixou de ser a medida última das coisas. E como diria Platão, é exatamente nesse momento que os piores começam a governar.
Sim, a vida não refletida desorganiza o individuo internamente e isso vai projetado na cidade. Você não tem boa organização social se, dentro, está tudo por fazer.
Nesse exato sentido, a ascensão dos piores, então, não é um acidente, mas uma consequência lógica.
Quando a cidade se afasta da paideia, da formação da alma segundo a razão e a virtude, ela se torna terreno fértil para a demagogia.
Os piores, aqueles cujas almas são desordenadas, cujos apetites governam seus pensamentos, e cujas palavras são moldadas para agradar, não para esclarecer: esses são os que melhor se adaptam a uma pólis também doente.
Platão desenha essa realidade com amarga precisão. Na transição da democracia para a tirania, os homens deixam de buscar o bem e passam a buscar o prazer; deixam de querer ser bons e passam a querer parecer bons.
A retórica substitui o logos, e o aplauso substitui o bom-senso.
Nesse ambiente, os piores triunfam naturalmente. Eles não precisam disfarçar sua desordem: ao contrário, eles a usam como bandeira.
Qualquer semelhança com o que você vê diariamente em sua janela não é mera coincidência.
O populista triunfa porque traduz em slogans o que há de mais raso nas paixões populares monopólicas.
O coletivista é celebrado porque promete ao indivíduo a redenção que este se recusa a buscar em si mesmo.
E o demagogo reina porque diz aquilo que todos já pensam, evitando o esforço de pensar melhor.
Platão via esse processo como uma doença espiritual da cidade.
E como toda doença, ela tem um pathos: um sofrimento que a alimenta e a reproduz.
O sofrimento de uma vida interior mal-ajambrada (sem ordem, sem direção), que exige anestesia constante: e é isso que os piores oferecem.
Alívio, não cura.
Conforto, não verdade.
Massa, não indivíduo.
Todos entorpecidos, aguardando o novo corte “tramontina” ao final do vídeo.
Os piores tendem ao poder porque encarnam a cidade que os produz. Eles são seus legítimos herdeiros.
Não se trata, portanto, de uma aberração, mas de uma coerência trágica.
A cidade moderna, ao se afastar da excelência, se aproxima da tirania; não necessariamente da tirania do Estado, mas da tirania do ruído, do ressentimento e da mediocridade entronizada, da qual o Estado é um retrato ampliado.
Platão compreendeu que nenhuma cidade se ergue acima do nível moral de seus habitantes, em suma.
Não há leis suficientemente justas, instituições suficientemente eficientes, nem governantes suficientemente hábeis que possam salvar uma cidade cujos cidadãos se recusam a ordenar suas próprias almas.
Toda degeneração política é, em sua origem, uma degeneração antropológica.
Assim, se quisermos um Estado melhor, mais livre, mais justo, bem … não é nas urnas que começa essa busca, mas no espelho. A reforma das leis vem depois da reforma da alma. A constituição da cidade depende da constituição do homem.
Mas aí está o ponto: estaríamos dispostos? Estaríamos dispostos a renunciar à doce embriaguez do ressentimento e da vitimização?
A abandonar a ilusão de que o mal está sempre no outro, na estrutura, no sistema, e nunca em nós mesmos?
Estaríamos dispostos a suportar o peso da liberdade, que exige esforço e disciplina interior?
Platão parece dizer que não. Por isso, o filósofo é quase sempre um estrangeiro em sua própria cidade.
Por isso, a cidade justa é rara. E por isso, Sócrates morre, e não governa.
Entretanto, é justamente a pergunta que nos salva. Porque, se feita com sinceridade, ela já é o início da cura.
Quando o homem se pergunta se está disposto a melhorar a si mesmo (em vez de querer mudar o mundo) ele já deu um passo fora da caverna.
E esse passo, por pequeno que seja, pode ser o início de uma nova Politeía, de uma nova cidade, não nos mapas, mas nas almas.
Estamos dispostos?
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
A humanização excessiva dos animais pode levar...
A humanização excessiva dos animais pode levar à bestialização de humanos
Na Itália, o número de animais de estimação aumenta enquanto a taxa de natalidade afunda, afirma o jornal Financial Times. João Pereira Coutinho para a FSP:
"Quanto mais conheço os homens, mais estimo os cachorros", teria dito Lord Byron.
Os italianos concordam. Leio no Financial Times que o aeroporto de Roma tem um hotel de luxo, com salão de massagens e jardim comunitário, para que os viajantes possam deixar seus cachorros antes de embarcar.
O fenômeno se explica com números: 40% das casas italianas já têm um animal de estimação. É muito? Para a Itália, talvez. Não para o Reino Unido (60%) ou para os Estados Unidos (66%).
Atrás desses números existe uma economia gigantesca —comida gourmet, vestuário, clínicas, creches, serviços funerários et cetera— que movimenta bilhões de euros por ano e só confirma a crescente humanização dos bichos.
Eu próprio, confesso, já assisti ao funeral de um cachorro por ser amigo dos donos. Teve direito a discurso emotivo e vídeo com os melhores momentos do defunto.
Era inevitável. A "modernidade líquida", como ensinava um sociólogo célebre, dissolveu as estruturas tradicionais (e sólidas) que enquadravam a vida dos indivíduos. Família? Comunidade? Religião?
Tudo se foi perdendo —até na Itália. As relações humanas tornaram-se mais frágeis, intermitentes e utilitárias, aumentando o estado de insegurança e incerteza permanentes em que vivem os contemporâneos.
Os animais preenchem esse vazio pela reposição de certas virtudes "sólidas": lealdade, afeto incondicional, presença constante.
Por sua vez, os humanos devolvem a gentileza com cuidados e luxos que seriam impensáveis há alguns anos. E que, às vezes, soam quase caricaturais.
Quando pergunto a familiares ou amigos por que motivo elevaram o cachorro ou o gato a um estatuto quase humano, eles repetem, com outras palavras, a frase atribuída a Lord Byron. Os animais não decepcionam.
Longe de mim criticar a tendência. Meu pessimismo antropológico não permitiria. Além disso, uma gota de misantropia sempre cai bem em qualquer circunstância.
Mas uma gota é uma gota, não um modo de vida. Por isso nunca troquei os humanos pelos animais. Não por algum amor abstrato aos humanos, mas porque preciso deles para continuar sendo humano.
Para polir a linguagem, preciso da "alteridade" como uma planta precisa de luz e água. Preciso da presença dos outros, da fricção, da crítica, da oposição, do conflito.
Preciso do risco, das desilusões, das iluminações. Preciso de alguém que me derrube e me recomponha. Que transforme meus erros em virtudes, minhas virtudes, em erros.
Preciso escutar o que não quero, o que não sinto, o que não vejo. Preciso viver e aprender. O inferno são os outros? Fato. Mas, como lembrava Millôr Fernandes, o paraíso também.
Não me entenda mal. Gosto de cachorros. Gosto de gatos. E até concordo, em parte, com a filósofa Donna Haraway que escreveu em tempos um conhecido "Manifesto" em defesa da "espécie companheira".
Nossa relação com os animais é bidirecional, defendia ela: somos parceiros históricos que se moldaram mutuamente. E nossa identidade como humanos depende dessa reciprocidade.
Meu ponto é outro: não a convivência entre humanos e animais, mas a substituição dos primeiros pelos segundos. E, nesse quesito, nada substitui a presença do outro —o seu rosto, os seus gestos, e as suas palavras.
A relação entre um ser humano e um animal pode ser importante, mas é sempre assimétrica. O cachorro é leal, mas não critica. O gato pode ser boa companhia, mas não obriga ninguém a justificar uma escolha.
Repito: gosto de cachorros e gatos. Mas latir e miar é, para este seu criado, insuficiente. A humanização dos animais, quando levada a certos excessos, pode ter um preço: a bestialização dos seres humanos.
Conheço casos. Personalidades que ficaram mais achatadas, mais previsíveis, mais unidimensionais, como se vivessem numa fábula às avessas. Não latem nem miam, é verdade, mas até a linguagem ficou mais pobre. Na Itália, o número de animais de estimação aumenta ao mesmo tempo que a taxa de natalidade afunda, informa o Financial Times.
Correlação não implica causalidade, eu sei, mas a paisagem fala por si: onde antes havia crianças, há agora animais.
Em que espécie estaremos nos transformando a partir dessa troca?
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quinta-feira, 14 de agosto de 2025
Glória Perez: por causa da cultura woke, a censura moral...
Entrevista compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 11 de agosto de 2025
Glória Perez: por causa da cultura woke, a censura moral às novelas está pior que na ditadura militar.
A autora afirma que o politicamente correto está por trás da crise da teledramaturgia e que 'Travessia' foi implodida de propósito. Entrevista à FSP:
Gloria Perez se expressa com a objetividade de quem não tem tempo a perder. Ao longo de uma hora e meia de entrevista, não titubeou. Nada do que dizia soava acidental. Verbos e adjetivos eram escolhidos a dedo, como se soubesse o efeito que causaria no interlocutor —característica própria de alguém que encontrou na palavra o seu ofício.
Em mais de quatro décadas de carreira, Perez criou novelas de forte apelo emocional, adicionou aos folhetins causas sociais, culturas estrangeiras e inovações tecnológicas que viraram sua marca na teledramaturgia nacional.
A assinatura pode ser vista em enredos como "O Clone", "América" e "Caminho das Índias", que venceu o Emmy Internacional, em 2009. "No contexto atual, essas novelas nem chegariam ao público", diz. "Foram tramas inovadoras, e inovar pressupõe correr riscos."
Ela fala do medo de ofender o público e das preocupações com o politicamente correto. As tramas, inclusive, já foram alvo de críticas. Para alguns, o retrato que fez de países como Índia ou Turquia, em "Salve Jorge", é estereotipado.
Perez discorda. "Quem foi ao Marrocos, à Índia, à Capadócia viu de perto o quanto a população dos locais gostou desses retratos", afirma. "Hoje em dia, com essa coisa de não poder ofender um grupo, não poder ofender outro, você acaba fazendo uma novela sem conflito", elemento que considera a espinha dorsal do gênero.
Perez entrou na Globo em 1979, como pesquisadora do departamento de teledramaturgia. Em 1983, colaborou com Janete Clair na novela "Eu Prometo", antes de começar a tecer sua obra. Em abril, veio a público que os laços com a emissora haviam sido rompidos, três anos após "Travessia", que sofreu diversas críticas e amargou uma audiência ruim para a faixa das nove. "Essa novela foi implodida por dentro", diz a autora. "Detestei não ver no ar aquilo que eu escrevi."
Mas a saída da emissora se deu após seu projeto seguinte, "Rosa dos Ventos", ter recebido vetos da direção por sua trama com teor político e por abordar o aborto.
Para ela, essa preocupação em não desagradar o público teria feito com que a censura moral sobre a teledramaturgia, hoje, se tornasse pior que a da ditadura militar.
Perez ainda se lembra dos vetos da censora Solange Hernandes, a chamada "dama da tesoura". "Agora nós temos uma multiplicidade de Solanges. Nas redes, com raras exceções, cada pessoa é uma Solange diferente", afirma a novelista. "Antes, você tinha uma censura. Agora, a censura está espalhada na sociedade. É muito pior."
Em uma entrevista de 2011, a senhora disse que o politicamente correto na teledramaturgia é um saco e que a vida não é politicamente correta. Catorze anos depois, mantém essa opinião?
Sempre achei que o politicamente correto engessa, reduz e elimina a possibilidade do conflito. Ao fazer isso, ele amordaça e empobrece o autor. Só que novela é conflito. O que você procura como criador de histórias é compreender e mostrar os sentimentos humanos em relação a um determinado assunto. Mas, hoje em dia, com essa coisa de não poder ofender um grupo, não poder ofender outro, você acaba fazendo uma novela sem conflito.
Quando eu fiz "Hilda Furacão", a gente deixava a conclusão para o público. As pessoas entenderão e concluirão o horror do que o personagem está fazendo. Não cabe a mim cassar a fala dele ou fazer um discurso em cima disso.
É como um quadro. Não é necessário ter uma explicação ao lado da tela dizendo de que forma o público a deve enxergar. Como os avisos que aparecem em novelas antigas, dizendo que a obra reproduz comportamentos da época em que foi realizada. Para quê?
É óbvio que os valores e os costumes mudam em cada período histórico. Quando vejo uma novela de época em que é maravilhoso cortar a cabeça de alguém com uma espada, eu sei que aquilo é algo específico do passado e que é uma ação horrível. Eu não preciso ser informada sobre isso.
Quando dizem "as novelas estão assim porque os talentos morreram e não aparecem outros", eu discordo. Existem talentos, mas eles foram engessados.
Críticos de TV afirmam que as novelas passam por dificuldades não só de audiência, mas também de criatividade. A teledramaturgia nacional está em crise?
Sem dúvidas. As novelas não estão tendo a relevância de antes nem como entretenimento nem como porta-voz de temas importantes. A explicação disso não se resume à multiplicação das telas e das opções do público. A cultura "woke" introduziu um cerceamento à imaginação. A opção de não desagradar, de não tocar em temas sensíveis, de transformar conflitos humanos em pautas, acabou por encerrar a dramaturgia numa espécie de fórmula, retirando dela a capacidade de provocar. A cultura "woke" foi arrasadora para a dramaturgia.
Diante dessas preocupações, tramas como ‘O Clone’ e ‘Caminho das Índias’ seriam possíveis hoje?
No contexto atual, elas nem chegariam ao público. Foram novelas inovadoras, e inovar pressupõe correr riscos. "Salve Jorge", além de tratar de um tema muito sensível, o tráfico de pessoas, trazia a personagem da Nanda Costa como a primeira protagonista favelada e prostituída. Não imagino que essa ousadia fosse aprovada hoje em dia.
Em abril, a senhora decidiu encerrar o contrato com a Globo após uma trama envolvendo aborto na sua próxima novela ter sido vetada. Quais foram os bastidores da sua saída?
Eu decidi pôr um ponto final porque meu contrato acabaria quando terminasse esta novela que foi barrada. Decidiram adiar a novela por causa do aborto. Aí eu falei "gente, se tem uma pessoa que sabe tocar com delicadeza nesse tipo de tema, sou eu, a minha história toda mostra isso". Mas aí veio o medo de desagradar algumas áreas. A minha assinatura é lidar com temas delicados e trazer o público para a discussão. Se eu não puder fazer isso, eu acabo.
A emissora queria que eu assinasse um contrato de extensão para fazer a próxima novela, que viria depois de "Três Graças", do Aguinaldo Silva. Eu falei que não me interessava e que queria rescindir o contrato. Eu senti que eu não conseguiria mais fazer as novelas que sei e quero fazer. Eu sou incapaz de pensar engessada. Ou eu tenho liberdade para voar, ou não tenho liberdade nenhuma.
A senhora entrou na Globo em 1979, num momento em que a censura da ditadura ainda era uma realidade. Como compara a vigilância moral naquele período com a atual?
Na época, você tinha uma censura comandada pela dona Solange [Hernandes, chefe da Divisão de Censura de Diversões Públicas do regime militar]. Era ela quem mandava cortar as coisas. Só que agora nós temos uma multiplicidade enorme de "Solanges". Nas redes sociais, com raras exceções, cada pessoa é uma Solange diferente, julgando o outro e tentando cassar a palavra alheia. Não era assim. Antes, você tinha uma censura. Agora, a censura está espalhada na sociedade. É muito pior.
Novelas suas foram criticadas por trazer um suposto retrato estereotipado de culturas estrangeiras. De que modo avalia essa crítica?
Fico com a aprovação das culturas retratadas. Quem foi ao Marrocos, à Índia, à Capadócia sabe disso e viu de perto o quanto a população dos locais gostou desses retratos. Sempre busquei incluir a face mais progressista e a mais tradicional de cada cultura. Mês passado, uma amiga jornalista viajou pelo Arzebaijão. Num restaurante, ao saber que era brasileira, os garçons falaram com entusiasmo de "O Clone".
A sua última novela na Globo foi ‘Travessia’, de 2022. Ao longo da exibição, a obra foi alvo de críticas, muitas delas direcionadas à atuação de Jade Picon. A senhora se arrepende da escalação dela para a trama?
Eu não escalei a Jade. Quem escalou foi o Ricardo Waddington. Olha, eu vou falar pouco sobre isso, porque vou comentar mais no meu livro de memórias. Mas "Travessia" foi um ponto fora da curva. Essa novela foi implodida por dentro. Não deu certo intencionalmente.
Quem atuou para que a novela não desse certo?
Posso dizer que a Jade Picon, apesar da inexperiência dela, foi muito importante para mim nessa novela. Ela deu vida a momentos emocionantes e não atrapalhou o enredo. Mas eu não quero falar sobre isso. Detestei não ver no ar aquilo que eu escrevi.
A senhora aceitaria escrever novelas para o streaming ou para outras emissoras?
Eu não me aposentei. Apenas tirei uns meses sabáticos para descansar, botar em dia tudo o que ficou atrasado no que diz respeito à saúde e às pendencias da casa. Tenho muitas propostas a avaliar. Quando encerrar o tempo para me dedicar a mim, vocês terão notícias.
Em ‘América’, de 2005, uma cena de beijo gay que seria exibida no último capítulo foi vetada pela Globo. Como recebeu essa notícia na época?
Fiquei chocada e chateada. Não era um beijo de sacanagem. Estava tudo muito bem construído. Nós fizemos sete versões da cena. Tinha versão mais punk, mais suave. Tivemos muito cuidado para ver se uma delas passava. Aí aconteceu uma reunião de cúpula no dia da exibição em que levamos as sete versões. Um monte de diretores se reuniu para assistir às cenas e votar. Os votos contrários predominaram e a cena foi suspensa.
Eu tinha que entender que a dona do produto era a emissora e que ela tem o direito de decidir o que é melhor para o público. Eu e o Marcos Schechtman, diretor da novela, achávamos que era um tiro no pé e um grande erro.
Em 1998, a senhora fez o remake da novela ‘Pecado Capital’, da sua mentora, Janete Clair. Agora está no ar o remake de ‘Vale Tudo’. O que a senhora tem achado da novela?
Eu vi só o primeiro e o segundo capítulo. Tive uma péssima experiência com remake. Não gosto e não acredito neles. O remake de "Pantanal" deu certo porque essa novela passou na TV Manchete, emissora que tinha uma audiência menor do que a da Globo. Mas eu não lembro de nenhum remake recente que tenha dado certo e despertado o mesmo entusiasmo que a versão original despertou. O que fica na boca do povo é sempre o que foi feito lá atrás.
Em uma entrevista recente, o ator Raul Gazolla disse que a senhora voltou a sorrir quando soube da morte de Guilherme de Pádua, que assassinou a sua filha, Daniella Perez, em 1992. Como reagiu à morte dele?
Tive uma reação estranha. Não senti nada. Recebi esse fato com a alma e o coração em branco. Era uma pessoa que já tinha morrido havia muito tempo para mim.
Nas entrevistas à época do assassinato de Daniella, chama a atenção o modo objetivo com o qual a senhora falava sobre o caso. Como conseguiu manter a lucidez?
Eu sabia que a minha filha seria assassinada de novo todos os dias se não tivesse ninguém para a defender. Quem pode defender o filho, antes de mais nada, é a mãe. Por isso, era preciso preservar a lucidez. Por esse motivo, continuei a escrever "De Corpo e Alma" [na qual Daniella atuava quando foi morta]. A novela me obrigava a ter um foco.
Nessa época, me lembrei de uma história do professor Manoel Maurício de Albuquerque, com quem tive aula na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele sempre contava para a gente como sobreviveu quando foi preso na ditadura. Sozinho na cela, só tinha uma caixa de fósforo. Todos os dias, tirava os palitos para contar. Depois, guardava e recomeçava a contagem de novo. Fazer isso o mantinha lúcido.
Foi isso o que eu fiz. Cada palito era um capítulo que eu continuei escrevendo. Tem momentos em que você não pode se deixar no vazio, se não você cai. Se eu caísse, minha filha cairia junto.
Raio-X | Gloria Perez, 77
Nascida no Rio de Janeiro, passou a infância em Rio Branco, no Acre. Cursou história na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1979, entrou na TV Globo como pesquisadora do departamento de teledramaturgia. O primeiro passo como autora se deu em 1983, quando colaborou com Janete Clair na novela "Eu Prometo". Depois disso, emendou um trabalho atrás do outro, tornando-se uma das autoras mais importantes do país, com folhetins como "Barriga de Aluguel", "O Clone", "América" e "Caminho das Índias".
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sexta-feira, 1 de agosto de 2025
Guerra dos gênios...
Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 1 de agosto de 2025
Guerra dos gênios: o que você faria com um salário de 100 milhões por ano?
Mark Zuckerberg está recrutando os melhores do mercado - e isso cria uma situação sem precedentes em matéria de remuneração. Vilma Gryzinski:
O mundo da alta tecnologia precisa de duas coisas: gênios e energia elétrica. São a matéria prima para a “superinteligência”, uma evolução da inteligência artificial capaz de emular em tudo e até superar o cérebro humano. As duas coisas custam caro e não são encontradas em qualquer lugar, mas o dinheiro faz milagres. Mark Zuckerberg, por exemplo, está abrindo os cofres, com pacotes de até 250 milhões de dólares por quatro anos, sendo 100 milhões no primeiro ano.
Dá para imaginar o que fazer com um “salário” desse tamanho? Pois ele já ouviu recusas. Todos os que receberam propostas desse tipo no Thinking Machines Lab não aceitaram. O Thinking Machines é um projeto de Mira Murati, engenheira nascida na Albânia que já trabalhou na Tesla e na OpenAI. Ela deve ser muito boa para cultivar a lealdade das equipes pois teve gente da sua turma que recebeu proposta de até 1 bilhão de dólares num pacote plurianual.
Outros, obviamente, não resistiram. O New York Times relata o caso de Matt Deitke, de 24 anos, que não queria largar sua startup. Zuckerberg mais do que dobrou a proposta inicial e colocou na mesa 250 milhões de dólares, por quatro anos.
Como no mundo do futebol americano ou do basquete, surgiu a figura do recrutador, que em certos casos consegue levar equipes inteiras, geralmente formadas por americanos, indianos, chineses e um punhado de outras nacionalidades que dominam o mercado da superinteligência humana.
Zuckerberg está investindo 14,3 bilhões de dólares num novo laboratório de pesquisas de superinteligência. Colocou no comando Alexandr Wang, a pessoa mais jovem do mundo a se tornar bilionária por esforço próprio – aos 24 anos. Mas, segundo as fofocas, os convites milionários recusados são relacionados a críticas a seu “estilo”.
Segundo o Times, existem dúvidas sobre a viabilidade da superinteligência, ou a máquina que é mais poderosa do que o cérebro humano. Mas alguns acreditam que é questão de poucos anos.
CLIENTES E PATRONOS
Zuckerberg já tem um laboratório de inteligência artificial, mas “é ambicioso e se preocupa em ser ficar para trás dos outros gigantes” do ramo. Ele também tem que provar a viabilidade do projeto para os talentos que tenta recrutar. Dinheiro não falta: a Meta levou no segundo semestre 47,5 bilhões de dólares, um aumento de 22%. Ele diz que quer colocar o poder da superinteligência nas mãos de todas as pessoas para que possam “direcioná-la para o que valorizam em suas vidas”. E, claro, ficar no topo do mundo.
A alta tecnologia atrai os maiores gênios do mundo de maneira parecida como a Roma renascentista congregou Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rafael, Donatello e Botticelli – inclusive com a mesma disputa por clientes e patronos.
As máquinas que realizam os programas das inteligências humanas consomem incríveis quantidades de energia elétrica e essa é outra frente onde se trava o combate do futuro. Dos dez maiores data centers do mundo, três são chineses e sete são americanos. Há previsões de que a demanda desses centros de dados vai mais do que dobrar até 2030, chegando a vertiginosos 945 terawatts-hora.
O governo Trump anunciou na semana passada um plano de ação concernente à inteligência artificial, baseado em três pilares: inovação, infraestrutura e influência global. Todos os gigantes tecnológicos querem acesso a energia nuclear para suas instalações. É um mundo que ignorado apenas pelos que querem ficar para trás. Os mais brilhantes entre os que pensam para a frente já estão ganhando 100 milhões de dólares por ano.
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quinta-feira, 24 de julho de 2025
Provocações filosóficas
Provocações filosóficas.
Em um trecho da palestra para a TV Feira do Livro, Leandro Karnal fala sobre a relação entre inteligência e sociabilidade, em sua fala ele mostra que ao adquirir mais conhecimento, cultura, e a medida que se lê mais, nos tornamos mais exigentes com nossas relações sociais.
Para o historiador, essa mesma inteligência adquirida não representa uma vida mais feliz, pois muitos dos grandes nomes da nossa sociedade eram atormentados e sozinhos.
Abaixo deixamos um pequeno trecho adaptado da fala de Karnal onde ele discorre sobre o assunto:
“Ao ler livros como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, eu reconheci que havia mentes muito privilegiadas sobre as quais eu poderia pensar, discorrer e me aprofundar, mas eu não faria a mesma coisa. Então tive que achar um nicho na humanidade, que foi ser professor: cabe ao grande intelectual, ou seja, alguém do mesmo porte de Clarice Lispector, criar ideias, e cabe a um professor ensiná-las.
E por intelectual estou me referindo a pessoas que um dia olham para o espaço sideral e têm aquela intuição que, entre 1906 e 1907, Pablo Picasso teve ao pintar Les Demoiselles d’Avignon, criando então o cubismo como linguagem, que olham para algumas gravuras japonesas e criam uma explosão de pinturas, como Vincent Van Gogh fez entre 1889 e 1890.
Para me consolar em relação ao meu estágio intermediário de inteligência eu pensei: ‘Van Gogh se matou. Clarice Lispector era uma pessoa atormentadíssima, segundo sua biografia feita por Benjamin Moser, pois, dotada de sua capacidade de visão, ela tinha uma dificuldade extrema de convívio com as pessoas, já que, para conviver bem com as pessoas, é necessário estar mais ou menos no mesmo plano civilizacional que elas.’ Por isso as pessoas simples são muito sociáveis; estas pessoas ficam muito felizes com experiências singelas de conversas.
Não é um conselho, mas uma advertência: à medida que vocês forem lendo mais e mais vocês vão ficando mais exigentes com as pessoas. Orações absolutas como ‘Tá quente hoje, né? O tempo tá maluco! E na política só tem ladrão!’ enunciam o mundo como ele é. Mas à medida que eu leio Coração das Trevas, de Joseph Conrad, eu acabo me lembrando do filme, inspirado nesse livro, Apocalypse Now, e minha cabeça dá dez voltas enquanto alguém me diz: ‘Nossa! Que calor!’ Isso me torna mais feliz? Provavelmente não.
Intelectuais e pessoas muito versadas raramente são muito felizes. A universidade não é um local de felicidade intensa – uma reunião de departamento não é uma reunião de pessoas que flutuam no espaço das ideias, iluminadas pela luz da razão. Uma reunião de qualquer departamento é quase sempre idêntica a uma reunião de pessoas não formadas, só variando o vocabulário. O ressentimento, a inveja, a fofoca e a detração são iguais entre pessoas que vendem balas no mercado de Porto Alegre e entre pessoas que estão nos departamentos, especialmente nos da área de humanas”.
Transcrição adaptada feita pelo Provocações Filosóficas do trecho da Palestra - Ler e viver - Tv feira do livro.
Texto e imagem reproduzidos de post Facebook/Provocações filosóficas













