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domingo, 30 de novembro de 2025
António Damásio: "Não é impossível fazer consciência artificial"
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
A guerra das enciclopédias
Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 13 de novembro de 2025
A guerra das enciclopédias
Dois mil anos depois, a busca do conheimento completo chega a uma nova fase com o Grokipedia, que não é escrita por humanos. Dagomir Marquezi para a Oeste:
“Enciclopédia” é definida como “obra de referência que contém informações sobre todos os ramos do conhecimento ou que trata de um ramo específico do conhecimento de forma abrangente”. A definição é da mais prestigiada das enciclopédias tradicionais, a Britannica.
A palavra vem do grego enkyklios paideia e significa “educação geral”. Gregos e romanos antigos já tinham o princípio de acumular conhecimento para tornar as pessoas mais competentes. Enciclopédias árabes e persas apareceram nos séculos 9 e 10, respectivamente. No Ocidente, elas eram escritas especialmente por monges católicos.
O formato de enciclopédia como as que conhecemos hoje surgiu no século 18 por meio do filósofo e cientista Francis Bacon. A primeira edição da Encyclopædia Britannica foi publicada em 1768. Com o tempo, ela passou a contar com colaborações de mais de cem ganhadores do Prêmio Nobel, incluindo Albert Einstein e Marie Curie. O conhecimento adaptado a ditaduras apareceu na União Soviética (com a Granat Encyclopaedia) e na Itália fascista (com a Enciclopedia Italiana). Desde o início, enciclopédias de todos os tipos foram acusadas de tendenciosas.
A importância da Barsa
Brasileiros de classe média tiveram a chance de possuir uma enciclopédia na estante da sala a partir dos anos 1960. Como a tradução da francesa Larousse e a popular Conhecer, lançada em fascículos pela Editora Abril em 1966. Os fascículos de Conhecer chegaram a vender mais de 100 milhões de exemplares em 13 edições.
Mas o grande símbolo dessa época ocorreu em 1964 com o lançamento da Barsa. A princípio, ela seria uma tradução em português da Britannica, mas sua proprietária, Dorita Barrett, optou por um projeto voltado para o público brasileiro. Chamou como redator-chefe o escritor Antonio Callado. Do seu corpo editorial faziam parte nomes ilustres como Jorge Amado, Oscar Niemeyer e Antônio Houaiss. Nem é preciso dizer qual foi a tendência política da enciclopédia. Callado falava abertamente em “mudar a visão que os homens têm do mundo”.
Mas ninguém pode negar a importância fundamental da Barsa. Seus 16 volumes encadernados em vermelho formaram a base da educação de gerações, com seus verbetes produzidos no Brasil e os traduzidos da Britannica. Suas páginas destinadas à anatomia, por exemplo, com suas lâminas transparentes, inspiraram muitos médicos do futuro. Hoje, a Barsa pertence à editora Planeta e continua à venda, apenas em formato impresso, com 18 volumes.
A enciclopédia de qualquer um
As grandes transformações da instituição enciclopédia começaram em 1985. Caras obras com dezenas de volumes impressos encontraram um novo caminho na mídia eletrônica. A Microsoft lançou a Encarta, disponível em CD-ROM. A venerável Britannica optou por uma edição online em 1994 (e deixou de ser impressa em 2010). A obra monumental, que custava o equivalente (em preços atuais) a US$ 3 mil, ficou disponível por uma mensalidade de US$ 9.
No dia 15 de janeiro de 2001, Jimmy Wales e Larry Sanger acabaram com o monopólio dos especialistas e criaram a Wikipedia — a primeira enciclopédia feita por qualquer um. Quem entendesse de qualquer assunto poderia escrever um verbete. E todos os verbetes estavam abertos a quem quisesse colaborar. Através da licença Creative Commons, os textos eram abertos e não pertenciam a ninguém.
O crescimento foi rápido. A Wikipedia logo estava sendo escrita em dezenas de línguas. Só a sua versão em inglês tem mais de 7 milhões de verbetes. Na versão em português, aproximadamente 1,15 milhão.
Nos anos seguintes à sua criação, a Wikipedia, até por ser gratuita, se transformou no material de referência básico da humanidade como um todo. E, num certo sentido, se vulgarizou. Ter um verbete na enciclopédia equivalia a um currículo de prestígio. Muitos passaram a escrever verbetes sobre si mesmos.
A Wikipedia foi logo tomada pela fama de “não confiável”. O que se tornou uma generalização injusta. Claro que não se podia comparar a Wikipedia com a rígida Britannica, onde cada informação é rigorosamente checada por especialistas.
Ao mesmo tempo, a Wikipedia, por não ter limite de tamanho, se tornou muito mais abrangente que as enciclopédias convencionais.
Se alguém quiser se informar sobre, digamos, fusão nuclear ou a vida da escritora Emily Brontë, deve procurar a Britânica. Mas se quiser procurar os detalhes da terceira temporada da série Breaking Bad ou o nascimento do Baby Shark, vai encontrar recursos fartos na Wikipedia.
Plataforma do ódio
O problema mais sério de credibilidade da “enciclopédia de todos” foi a praga do aparelhamento ideológico. Qualquer um podia colaborar com ela, mas os mecanismos de controle sobre a edição final foram crescendo. Em questões mais polêmicas, a Wikipedia passou a ter um lado.
“As regras da plataforma se tornaram mais rígidas, exigindo citações e documentação, e grupos de interesse se mobilizaram em torno de determinados verbetes para protegê-los contra possível distorção”, descreveu Jeffrey Tucker, colunista do Brownstone Institute e colaborador da Oeste. “É claro que qualquer pessoa pode editar, mas suas edições serão revertidas imediatamente se não estiverem em conformidade com as regras. Para muitos verbetes, tornou-se praticamente impossível alterá-los sem antes acessar as páginas de discussão e pedir permissão.”
“Na Wikipedia, 85% dos editores mais influentes permaneceram completamente anônimos”, observa Tucker. “Isso se revelou um grave problema. Permitiu que indústrias poderosas, governos estrangeiros, agentes de serviços secretos e qualquer pessoa com grande interesse em um determinado assunto controlassem a narrativa, banindo pontos de vista contrários. À medida que a política se tornava cada vez mais controversa, a Wikipedia, em geral, seguiu o caminho da mídia tradicional, apresentando um viés consistentemente de centro-esquerda em qualquer tópico que impactasse a perspectiva política. Depois da vitória de Trump em 2016, toda a plataforma foi tomada pelo ódio que se seguiu. Os editores criaram listas de fontes confiáveis e não confiáveis, banindo assim qualquer mídia de direita de ser citada em nome do equilíbrio. De fato, o equilíbrio desapareceu completamente.”
Nasce a Grokipedia
Esse desequilíbrio incomodou uma pessoa muito poderosa: Elon Musk. Em 2019, o homem de meio trilhão de dólares olhou seu perfil na Wikipedia e considerou o que leu “insano”. Musk frequentemente chamava a Wikipedia de “Wokipedia”. Alega que é controlada por “ativistas de extrema esquerda” que manipulam biografias e artigos para promover agendas progressistas.
Em dezembro de 2024, ele postou no X: “chega de doações à Wikipedia até que eles comecem a falar a verdade”. Criticou especialmente o uso de US$ 50 milhões em iniciativas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) em vez de melhorar o conteúdo. No mês seguinte, defendeu um boicote à Wikipedia “até que o equilíbrio fosse restaurado”.
O empresário não ficou só na crítica. Em 27 de outubro, usando como base seu aplicativo Grok, Musk lançou a primeira enciclopédia escrita por inteligência artificial, a Grokipedia. Ela coleta informações, redige e tem mecanismos internos para evitar informações falsas e tendenciosas. O que não a impediu de ser chamada, claro, de “extrema direita” por quem não gosta de Musk.
“As máquinas fazem um trabalho melhor”
Com tão pouco tempo de vida, a Grokipedia tem um longo caminho de aperfeiçoamento pela frente. Em comparação com a Wikipedia, seu número de verbetes ainda é muito pequeno, pouco mais de 885 mil, ainda tem apenas a versão em inglês e não usa qualquer recurso de mídia — mapas, ilustrações, som ou imagem. É apenas texto. Seus poucos links estão direcionados para as fontes usadas nos verbetes. Por sua própria natureza de buscar outras fontes, muito de seu conteúdo simplesmente tem copiado o que está publicado na Wikipedia, com correções dos trechos mais marcados pelo viés ideológico.
É apenas o começo. A ideia de uma “máquina” de criação automática de conteúdo sem a interferência (e os vícios) dos humanos talvez seja a maior revolução na história das enciclopédias nos 2 mil anos em que a humanidade resolveu reunir em livros e sites a “educação geral”.
“A Grokipedia, mesmo em sua primeira versão, já está muito à frente da Wikipedia em termos de equilíbrio e variedade de fontes de informação”, escreveu Jeffrey Tucker no site do Brownstone Institute. “Ao que parece, as máquinas fazem um trabalho melhor do que oligarcas anônimos para nos aproximar da verdade. Bem-vindos à era pós-Wikipedia. Foi divertido enquanto durou. Que seja bem-vinda a sua obsolescência e substituição por algo muito melhor.”
Texto e imagens reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
quinta-feira, 13 de novembro de 2025
Frankenstein no tempo das guerras culturais
Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 10 de novembro e 2025
Frankenstein no tempo das guerras culturais
Filme de Guillermo del Toro ressalta a necessidade de empatia e perdão. João Pereira Coutinho para a FSP:
Quando o velho mundo já morreu e o novo ainda luta para nascer, surgem os monstros, dizia Gramsci. Verdade. E haverá monstro mais conhecido do que a criatura do doutor Frankenstein?
Foi assim desde o começo. Em 1816, quando Mary Shelley escreveu sua história em Genebra, o "galvanismo" estava na moda. O termo vem de Luigi Galvani, cientista italiano que, no fim do século 18, mostrou como as pernas de uma rã morta podiam se mover com descargas elétricas. Se era possível animar uma rã, por que não um ser humano?
O sobrinho de Galvani, Giovanni Aldini, levou a ideia ao extremo: em 1803, em Londres, usou eletricidade para provocar espasmos no corpo de um criminoso recém-enforcado –para espanto e horror da plateia.
Mary Shelley conhecia essas experiências, assim como as conversas a respeito entre seu marido, Percy Shelley, e Lord Byron, naquele verão suíço em que a jovem escritora começou a imaginar seu monstro. Onde termina o engenho humano e começa o abominável?
A Revolução Industrial tornava essa pergunta ainda mais urgente: as maravilhas da técnica não escondiam a miséria material e moral que se espalhava pelas ruas de Londres, Manchester ou Liverpool.
Um século depois, "Frankenstein" renasceria em 1931, no filme de James Whale. Outra época de virada: a Primeira Guerra Mundial havia mostrado as consequências devastadoras dos novos armamentos. E a Grande Depressão, deflagrada pelo crash de Wall Street, desmoronava de vez a fé no progresso e na inteligência humana.
No filme de Whale, o cientista é um louco iluminado; e o monstro, a encarnação perfeita do homem-massa que o século 20 havia brutalizado. Sem inteligência, sem sensibilidade, sem alma –pura força animalesca, puro instinto destrutivo.
Tudo mudou em 1994, quando Kenneth Branagh dirige "Mary Shelley’s Frankenstein". A época era de euforia: o comunismo ruíra, o capitalismo triunfava e Francis Fukuyama proclamava "o fim da história".
Mas a vitória, paradoxalmente, trouxe um vazio. O inimigo externo desapareceu e o Ocidente descobriu a própria falta de sentido. Essa ausência atravessa cada fotograma do filme de Branagh: o médico, em luto e desespero, tenta vencer a morte para redimir a dor, não por ambição prometaica.
O monstro, por sua vez, busca o mesmo que seu criador: uma razão para existir –no afeto que lhe negam, na pertença a um lugar impossível.
Ambos fracassam. Nem a técnica salva Victor da amargura nem o sentimento salva a criatura do ódio e da solidão.
E hoje? Qual seria o "Frankenstein" do nosso tempo?
Guillermo del Toro ensaia uma resposta em sua nova adaptação do clássico, produzida pela Netflix.
O tema da imortalidade aparece com mais força do que nunca. Faz sentido: a obsessão pela vida eterna domina o imaginário tecnológico dos bilionários do Vale do Silício, que financiam laboratórios em busca da juventude infinita. Mas ninguém parece se perguntar o que viria depois da imortalidade.
No filme, Victor Frankenstein confessa: "Nunca pensei no que viria depois". Os magnatas da tecnologia poderiam responder o mesmo. Um mundo onde ninguém morre seria um pesadelo demográfico, material e político. E existencial, claro, porque é a morte que dá à vida o seu sentido e a sua urgência.
"Não posso morrer e não posso viver", lamenta a criatura. A morte foi o dom que o criador lhe negou. É uma lição que os transumanistas, herdeiros de Frankenstein, deveriam aprender.
Por último –e atenção ao spoiler–, Guillermo del Toro reformula o clássico de Mary Shelley pela introdução de um elemento novo: a empatia do criador pela criatura –e o perdão concedido pela criatura ao criador.
Não sei se Guillermo del Toro é religioso, mas a mensagem é nitidamente cristã. Como observou Manvir Singh na New Yorker, ela soa particularmente necessária num tempo de guerras culturais e polarizações venenosas que dividem as democracias.
Segundo estudos da Universidade Johns Hopkins e da Universidade de Wisconsin-Madison, citados por Singh, 20% dos americanos já acreditavam em 2017 que seus adversários políticos "não têm as características necessárias para serem considerados plenamente humanos".
Em 2022, esse número passou de 30%.
Depois da eleição de 2024, chegou a 50%. Nota importante: republicanos e democratas empatam no ressentimento.
Talvez seja este o recado final do monstro de Del Toro: se a empatia e o perdão entre inimigos não interromper o ciclo da violência, todos acabaremos destruídos por ele.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
terça-feira, 4 de novembro de 2025
Nunca devemos acreditar em quem tem todas as respostas
Nunca devemos acreditar em quem tem todas as respostas
Isso exclui do nosso universo mental políticos, ativistas, artistas engajados, alguns colunistas —eu nos meus piores dias— e os citados "coaches" de motivação e autoajuda? Precisamente. João Pereira Coutinho para a FSP:
Todos os problemas do mundo seriam resolvidos se as pessoas fizessem o que eu digo. A frase é de Gore Vidal, agente provocador, e deve ser lida em sentido irônico. Digo o óbvio porque nem sempre o óbvio é compreendido. Há charlatães que ganham a vida com livros ou shows convencendo a plebe de que a frase de Gore Vidal pode ser verdadeira.
Têm resposta pronta para tudo —do dinheiro ao amor, da doença ao sentido da vida— e eles próprios se apresentam como imagem do sucesso que vendem.
Como regra, nunca devemos acreditar em gente que tem todas as respostas. Isso exclui do nosso universo mental políticos, ativistas, artistas engajados, alguns colunistas —eu nos meus piores dias— e os citados "coaches" de motivação e autoajuda? Precisamente. Em matéria de profetas, é melhor seguir os que foram atropelados pela vida e sobreviveram. São os únicos que têm alguma coisa para ensinar.
Não sei se o ator Bill Nighy foi atropelado pela vida. Ele diz que sim no podcast mais notável deste 2025, curiosamente intitulado "Ill-Advised" (mal aconselhado, no Spotify). É um podcast de "autoajuda" que não quer ajudar ninguém. O objetivo de Nighy é mais modesto: recolher as fragilidades da espécie —inadaptados como ele— e não tornar as coisas piores do que já são.
Como currículo, o ator apresenta uma vida de erros e frustrações que fizeram dele, aos 75 anos, aquele tio-avô sardônico e elegante para quem nada do que é humano lhe é estranho.
Os ouvintes gravam e enviam perguntas —e ele, na medida do possível, responde. Um dos primeiros clientes é um brasileiro introvertido. "Brasileiro" e "introvertido" já seria suficientemente cômico, exceto se estivermos a falar de um paulistano. Qual o problema dele? Detesta festas e casou com uma mulher que as adora. Que fazer? Não ir? Ir e tentar ser engraçado?
Bill Nighy compreende o dilema: ele também evita festas sempre que pode. Mas desaconselha misantropias ou, pior ainda, a trágica tentação de ser engraçado. Melhor ver cada festa como uma dádiva de amor para a mulher. Aceitamos melhor os sacrifícios quando vemos um sentido neles —majestosa verdade.
A procrastinação é outro tema —o adiamento constante de uma tarefa para não termos o desprazer de executá-la. Sorri. Procrastinação é meu nome do meio, razão pela qual ando por Lisboa de chapéu e óculos escuros para não ser identificado pelos mil editores a quem prometi mil livros. Será por ansiedade? Delírio perfeccionista?
Bill Nighy não perde tempo com filosofias profundas. Aliás, sempre que a conversa se aproxima desses abismos, ele recua, amedrontado. Prefere as filosofias pessoais: ele, outro procrastinador nato, chegou rapidamente à conclusão de que não fazer as coisas pode ser ainda mais exaustivo do que fazê-las. É uma observação só possível a quem já passou por tais agonias: entre dois infernos, melhor optar por aquele que queima menos.
Os conselhos de Bill Nighy são assim: discretos, humanos e es tranhamente sábios. Se um ouvinte confessa que não sabe fazer conversa de circunstância, Nighy sugere: pergunte à outra pessoa quantos cafés toma por dia. Ninguém resiste à conversa do café.
Se vemos alguém que sabe quem nós somos e não podemos retribuir a gentileza, jamais confessar a ignorância: as pessoas perdoam tudo, exceto que não nos lembremos delas.
E se um ouvinte não sabe o que levar para um jantar em casa de amigos recentes, Bill Nighy arrisca a melhor sugestão de todas: um abacaxi. Nunca tinha me ocorrido, mas vou experimentar. Poderei sempre dizer que o meu pai nasceu na mesma terra que Carmen Miranda.
Claro que, lá pelo meio, nem tudo são pequenas pérolas de sabedoria: o horror dele às camisas de linho, as únicas que uso no verão, é um preconceito imperdoável.
Da próxima vez que o avistar em Londres —acontece com frequência— pretendo confrontá-lo com a infâmia: que tens tu contra o linho, Bill? Talvez o convide para visitar a Luca Faloni em Piccadilly.
"Ill-Advised" não perde tempo com filosofias profundas, escrevi mais acima. Corrijo. Perde, sim, mas tenta reduzir a temperatura para valores suportáveis. Quando um ouvinte o confronta com a pergunta inevitável —qual o sentido da vida?— o primeiro instinto de Bill Nighy é aconselhá-lo a pegar um táxi.
Mas depois, remexendo no seu próprio passado, a confissão e a sugestão: perdemos tempo demais tentando agradar aos outros, quando deveríamos agradar a nós mesmos. No fundo, vidas perfeitas são imposições imperfeitas de quem não soube, ou não quis, viver a sua vida.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Livro: Baviera Tropical – a história de Josef Mengele, por Betina Anton
Entrevista compartilhada do site SÓ SERGIPE, de 5 de janeiro de 2025
Escritora Betina Anton: “Como Josef Mengele conseguiu viver tanto tempo no Brasil e nunca foi descoberto?”
Por Antonio Carlos Garcia *
Em junho de 1985, a menina Betina Anton ficou perplexa quando soube, por alguém da escola onde estudava, que a então professora Tante Liselotte não iria mais trabalhar ali. O que motivou aquela saída abrupta da sua professora, a quem seus pais a confiavam na escola germânica, em Santo Amaro, interior de São Paulo? A curiosidade da garota descendente de alemães cresceu e a acompanhou até que ela se tornou adulta. Cursou jornalismo, depois fez Mestrado em História, e decidiu tirar essa história a limpo. Depois de seis anos de pesquisas, milhares de entrevistas e leituras, eis que Betina Anton lançou, em novembro de 2023, o seu primeiro livro, chamado “Baviera Tropical – a história de Josef Mengele, o médico nazista mais procurado do mundo, que viveu quase vinte anos no Brasil, sem nunca ter sido pego”, da editora Todavia.
Betina Anton já se via como jornalista desde criança
“Eu acho que já era uma jornalista mirim”, diz Betina sobre sua curiosidade a respeito dos mistérios que cercavam a professora Liselotte. Um dia, conversando com um chefe na Rede Globo, onde ela trabalha como editora de internacional do Jornal Hoje e é comentarista de internacional da Globo News, Betina disse “que tinha uma história que podia virar um livro”. E virou. O livro vem fazendo tanto sucesso de público e crítica que, no ano passado, ela ganhou em primeiro lugar na categoria biografia e reportagem o Prêmio Jabuti.
Neste tempo de pesquisa, Betina Anton conta que viajou bastante, vasculhou documentos, leu as cartas de Josef Mengele, em alemão, entrevistou dirigente do Mossad, o serviço secreto israelense, ex-diretores da Polícia Federal, para montar a história do médico nazista no Brasil. E muitas informações que apurou a deixaram impressionada, a exemplo das histórias dos sobreviventes que sofreram bastante nas mãos de Mengele, conhecido como o Anjo da Morte, com seus experimentos terríveis. Também a surpreendeu o fato de o fugitivo nazista ter passado tanto tempo no Brasil sem nunca ter sido preso.
Há também relatos cruéis das experiências que Mengele fez com gêmeos, isso sem falar que o médico jogou bebês vivos em fogueiras. “Realmente eu não estou querendo acreditar por ser muito absurdo, mas ele fazia isso”, disse Betina ao se referir a esse ato de Mengele com os bebês. Para ter certeza de que essa informação não era sensacionalista, Betina apurou a fundo. Um trabalho de jornalismo investigativo impecável. E aí decidiu colocar a informação no livro.
Além do prestigiado Prêmio Jabuti, Baviera Tropical foi selecionado no Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como melhor biografia do ano de 2023. Aos 45 anos de idade, o sucesso como escritora a motiva a escrever mais. Ela já está preparando num novo livro, mas preferiu não adiantar nenhuma informação sobre esse trabalho.
Mas, de volta ao começo: qual mistério envolve a professora Tante Liselotte? Você vai ter pistas para essa resposta, ao ler esta entrevista que Betina Anton concedeu ao Portal Só Sergipe. E vai encontrar uma série de questionamentos instigantes, que só vai descobrir de duas maneiras. Lendo esta entrevista e depois correndo à livraria mais próxima para adquirir Baviera Tropical. Você vai se surpreender.
SÓ SERGIPE – Ao começar a ler Baviera Tropical, fiquei com a impressão de que, desde criança, você já era jornalista. É isso mesmo?
BETINA ANTON – (Risos). Que legal! É verdade, eu acho que era uma jornalista mirim. Fiquei com a antena ligada quando aquelas coisas aconteceram.
SÓ SERGIPE – O que lhe motivou a escrever este livro?
BETINA ANTON – Eu sempre quis escrever. Sou editora de internacional há muitos anos e quis me aprofundar numa história que envolvesse jornalismo e história, pois tenho mestrado nessa área. Um dia eu estava conversando com um chefe meu, falando de história de um nazista que virou filme e o livro foi escrito por um jornalista. Eu disse a ele que tinha uma história e poderia virar um livro. Era a história do Mengele, que sempre estava na minha cabeça. E aí na conversa com ele, eu decidi me dedicar a esse projeto.
SÓ SERGIPE – Quantos anos você passou entre pesquisa e o livro ficar pronto?
BETINA ANTON – Foram seis anos, e viajei bastante. Fui para vários lugares aqui no Brasil, onde Mengele esteve, onde ele morou em Serra Negra; fui ao lugar onde ele foi enterrado com o nome falso; fui à casa, em São Paulo, onde ele morou por alguns anos. Enfim, fui a vários lugares frequentados por ele e aproveitei algumas viagens que estava fazendo a trabalho. Fiz entrevista em Israel, com o comandante do Mossad, que participou das tentativas de sequestro do Mengele aqui no Brasil.
SÓ SERGIPE – Você chegou a ir a Auschwitz?
BETINA ANTON – Não.
SÓ SERGIPE – Quando você estava fazendo a pesquisa teve dificuldades? E falar vários idiomas, facilitou?
BETINA ANTON – Falar idiomas facilitou bastante, porque esse é um livro internacional, pois envolve pessoas de diversos países. Fiz pesquisas nas cartas do Mengele, todas escritas em alemão, e eu tinha essa facilidade porque venho de família alemã e aprendi o idioma desde pequena. Mas, também, havia muito material em inglês. Por exemplo, para fazer pesquisa num material do Mengele, em Auschwitz, eles tinham em alemão ou polonês. Eu não leio polonês, mas em alemão tive acesso. Em vários momentos, precisei usar outras línguas e, claro, o português. Porque o inquérito policial está em português. Então, tive que usar vários idiomas para compor o quadro todo.
SÓ SERGIPE – O que mais lhe surpreende no livro, mais lhe impacta?
BETINA ANTON – O que mais me toca são as histórias das pessoas, dos sobreviventes. Como eles conseguiram sobreviver em situação tão adversa, sendo tão oprimidos, tratados com tanta crueldade. As pessoas deram uma grande lição de vida. Mas me surpreendeu, também, lendo as cartas de Mengele, ver como ele desfrutou a vida aqui no Brasil. Ele viajou para vários lugares, tomava banho de cachoeira, passeava com os cachorros, encontrava-se com os amigos. Ou seja, uma pessoa normal e que tinha uma vida; senão em todos os momentos, mas uma vida boa. Talvez não tenha sido a vida que ele idealizou, mas as cartas deixam claro que ele fazia coisas legais, digamos assim. Tinha uma vida aprazível.
SÓ SERGIPE – Ao apurar essa história, você não sentiu um certo desleixo das autoridades brasileiras na busca de Mengele?
BETINA ANTON – Não senti pelo seguinte: hoje em dia, olhando para trás é fácil identificar isso, mas na época ninguém sabia que ele estava aqui. Os caçadores de nazistas achavam, em primeiro lugar, que ele estava no Paraguai. Hoje seria impossível ele escapar durante tanto tempo, com internet, redes sociais. Não acho que foi um problema das autoridades brasileiras, mas das pessoas que viviam com ele e não falaram com essas autoridades, ficaram quieta, o protegeram.
SÓ SERGIPE – No dia que ele morreu afogado na praia de Bertioga, ao ler o livro, senti uma certa ingenuidade daquele policial que foi ver o corpo, por ter se convencido logo no primeiro documento que a moça o entregou etc.
BETINA ANTON – De novo. A gente olhando para trás agora, fica fácil. Mas na época, aquilo era fácil acontecer. Quando a gente conhece a história fica óbvio. Para época, são coisas que acontecem. Eu consultei um legista para saber se tinha muita diferença num corpo de uma pessoa com 14 anos de diferença e até coloco isso no livro, o médico falou que, dependendo da faixa etária, 14 anos não fazem muita diferença. Faz mais diferença como o morto viveu a vida. Tirando o fato de ser uma criança ou velhinho, a faixa do meio não faz diferença. Ainda mais, morte por afogamento que a pessoa fica com os tecidos muito enrugados.
SÓ SERGIPE – Tem passagens no seu livro que, para mim, foram bastante impactantes, como as experiências bizarras em humanos, coisas de filme de terror. Jogar um bebê vivo numa fogueira, por exemplo. Quando você descobriu essas atrocidades, qual foi o seu sentimento?
BETINA ANTON – Para falar a verdade, já tinha ouvido falar dessas atrocidades quando eu era criança. Tinha programas de TV, no domingo, que falava disso. E uma das coisas que eu queria fazer era, realmente, pesquisar para saber se aquilo era ou não sensacionalismo. E cheguei à conclusão de que não era sensacionalismo, porque muitas pessoas fazem relatos. Quanto à essa coisa de jogar bebê na fogueira, fui meio resistente, no começo, de colocar isso no livro porque achei muito absurdo. Mas depois do relato de várias pessoas que contaram a mesma história, inclusive, uma médica que trabalhou com ele, que era uma judia ultra ortodoxa, uma pessoa com credibilidade altíssima, contou que Mengele fazia isso, eu falei: realmente, eu não estou querendo acreditar por ser muito absurdo, mas ele fazia isso. E acabei incluindo no livro. Eu não assumi tudo de uma vez. Tive muito cuidado para pesquisar o que ele tinha feito, com as fontes, com as leituras. Muita gente que aparece no livro já tinha morrido, mas eu fui atrás de documentos, de livros, de depoimentos gravados para poder compor esse quadro de quem era o Mengele lá em Auschwitz.
SÓ SERGIPE – Há detalhes importantes do seu livro que quase ninguém sabia. Muitas perguntas.
BETINA ANTON – Talvez as pessoas não tenham tanta dimensão de que Mengele foi o nazista mais procurado do mundo e que ele viveu quase 20 anos no Brasil sem nunca ter sido preso. Isso é uma coisa muito impactante, e se discutiu muito pouco na nossa história. Então, acho isso muito importante. E o livro busca responder estas perguntas: Como ele conseguiu ficar tanto tempo aqui? Como nunca foi descoberto? Por que as pessoas o apoiavam? Por que ninguém o denunciou? Enfim uma série de perguntas que me moveram a pesquisar e a escrever e que estão livro. Espero que as pessoas tenham curiosidade para descobrir essas coisas.
SÓ SERGIPE – Seu livro já está traduzido para vários idiomas.
BETINA ANTON – Ele vai ser traduzido para 13 línguas, em alguns países já foi lançado, como Estados Unidos, Polonia, Hungria, Portugal, Holanda e vai ser lançado na Itália, Rússia. Como eu te falei, é uma história que tem esse interesse internacional.
SÓ SERGIPE – Você pretende fazer lançamentos pelo Brasil?
BETINA ANTON – A editora não faz lançamentos em cidades. Mas o que eu faço é participar de eventos em várias cidades. Se vocês tiverem um evento, que já esteja organizado, eu consigo participar. Não vou para o lançamento exclusivo do livro, isso a editora não faz, infelizmente.
SÓ SERGIPE – Esse é o seu primeiro livro?
BETINA ANTON – Sim, é o primeiro. Sou jornalista há mais de 20 anos, mas é o primeiro.
SÓ SERGIPE – Já pensa num segundo livro? Pode dizer sobre o que irá escrever?
BETINA ANTON – Estou pesquisando sim.
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* Sobre Antonio Carlos Garcia - Editor do Portal Só Sergipe
Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe com br
sábado, 13 de setembro de 2025
Pondé: "Paulo Francis e Nelson Rodrigues não sobreviveriam hoje".
Entrevista compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de setembro de 2025
Pondé: "Paulo Francis e Nelson Rodrigues não sobreviveriam hoje".
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, a patrulha ideológica e o ativismo judicial sufocam a cultura brasileira. Entrevista a Branca Nunes e Edilson Salgueira, da Oeste:
Luiz Felipe Pondé não é um entrevistado que se lança em respostas apressadas. Antes de falar, fecha levemente os olhos, respira fundo e espera dois segundos. É como se cada palavra precisasse passar por um filtro interno que separa o que merece ser dito do que deve permanecer em silêncio.
A cena se repete várias vezes ao longo da entrevista concedida a Oeste na quarta-feira, 20 de agosto. Entre uma resposta e outra, o filósofo leva o copo de água à boca. Bebe em goles curtos, devolve o copo à mesa e retoma a linha de raciocínio. De tempos em tempos, interrompe uma análise para contar um causo vivido em sala de aula ou nos bastidores da vida intelectual. Nesses momentos, uma farta gargalhada desmonta a imagem que muitos fazem dele: a do filósofo sisudo, sem paciência para trivialidades.
Pondé lê muito — de tudo, o tempo todo. Filosofia, história, ensaios. Mas é na ficção que encontra um de seus refúgios prediletos. Sobre a universidade e o ambiente acadêmico, fala com a autoridade de mais de três décadas em salas de aula. Lecionou na Universidade de São Paulo (USP), na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). No passado, recorda, o ambiente era plural. Professores de esquerda, como Marilena Chauí, deixavam as convicções políticas do lado de fora e se concentravam nos autores clássicos. “Ela falava de Baruch Spinoza”, recorda o professor, ao citar o filósofo racionalista holandês. Hoje, observa, o cenário é outro: censura velada, patrulha ideológica e pensamento único.
Não é só o conteúdo que mudou. Segundo Pondé, as redes sociais agiram como ácido sobre a linguagem, corroendo nuances e sutilezas. As palavras foram reduzidas a slogans, e a semântica se empobreceu a ponto de não sustentar mais debates verdadeiros.
Um dos tema que mais o instiga, contudo, é a juventude. Pondé descreve a geração atual como sem energia, temerosa e com medo de viver. “Eles acham o mundo perigoso, e não estão errados”, comenta. “O excesso de informação gera paranoia. Pais superprotetores, relações frágeis, ansiedade diante de tantas opções.” O filósofo se lembra de uma excursão universitária em Minas Gerais, quando um grupo de estudantes foi convidado a escolher um tema para debate. A expectativa era de que falassem de sexo, drogas ou música. Surpreenderam: escolheram o medo. “Receio do trabalho, das relações amorosas, do futuro”, recorda. “É uma geração desvitalizada.”
No fim da conversa, o filósofo agradece sem pressa. Dá mais um gole de água, conta mais um causo e finaliza com uma última gargalhada. Deixa a impressão de alguém que, mesmo sem ilusões, continua disposto a refletir — e a fazer refletir.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor disse que há uma espécie de depressão ou “desvitalização” na juventude atual. A que atribui isso?
Eles acham o mundo muito perigoso. Há mais solidão, famílias atomizadas, menos convívio presencial. Imagina ter gente namorando o ChatGPT, fazendo terapia com inteligência artificial. O excesso de opções gera ansiedade. E as redes sociais pioram esse cenário: os jovens se comparam o tempo todo com outros, acreditando em vidas que muitas vezes são mentira. Isso produz desânimo e angústia. Eles têm medo de muita coisa: medo de colegas gravarem o que falam em sala de aula, medo nas relações afetivas. São muito moralistas. Há um mito de que jovens têm cabeça aberta. Não têm. São moralistas, acham que certo é certo, errado é errado. Com o tempo se descobre que nada é tão óbvio.
O senhor nota essa mudança na universidade?
Sim. Dou aula há 30 anos na PUC e na FAAP. A FAAP sempre foi um espaço mais livre, a PUC mais carregada ideologicamente. Hoje, o ambiente acadêmico está muito pior. Há professores jovens mais radicalizados, influenciando os alunos. Mas também há o aumento impressionante de alunos evangélicos, que são os que mais querem trabalhar. Sempre foram mais estudiosos, mais sérios. Até em cursos de filosofia acompanham melhor, porque têm inquietações ligadas a Deus, ao pecado, à salvação.
Professores não alinhados à esquerda sofrem resistência?
Comigo, os alunos já sabiam quem era o Luiz Felipe Pondé. Então, não havia confronto direto. Muitas vezes me escondia nos clássicos, falava apenas de Sófocles, evitava temas contemporâneos. Mas já vi casos de intolerância. As universidades norte-americanas são ainda piores.
Houve um momento em que essa patrulha ideológica se intensificou?
Um pouco antes da pandemia. As redes sociais tiveram papel central. Empobreceram a semântica, reduziram a linguagem a slogans. O Brasil importou esse vocabulário da esquerda norte-americana: politicamente correto, identitarismo, wokismo. Há dez anos isso não existia na universidade.
Quando o senhor estudou Filosofia na USP, era diferente?
Completamente. Fiz Filosofia entre 1987 e 1990. Tive aula com Marilena Chauí, que na época era secretária de Cultura. Nunca falou de política em sala, só de Baruch Spinoza. Os professores se concentravam no autor da disciplina. Havia barulho nas ciências sociais, mas na filosofia era tranquilo. Essa radicalização é recente.
A influência norte-americana é determinante?
Sim. A esquerda norte-americana, identitária, influenciou muito os brasileiros. O politicamente correto fechou a semântica. Paulo Francis e Nelson Rodrigues, por exemplo, não sobreviveriam hoje. Seriam demitidos, processados. A importação desse vocabulário empobreceu o debate no Brasil.
Isso afeta a pesquisa acadêmica?
Afeta. Alunos que querem estudar certos temas não encontram orientadores. Conheci gente que não conseguiu pesquisar Leo Strauss [teórico da contrarrevolução] porque não havia professor disposto. Isso fecha hipóteses de pesquisa. E o aluno precisa concluir o mestrado ou o doutorado para trabalhar.
Há espaço para debates abertos?
Cada vez menos. Já participei de muitos debates. Hoje não valem a pena. São certezas fechadas. O debate virou mito. Além disso, existe a cultura do processo. Qualquer frase pode gerar ação judicial, destruir carreiras. É o que chamei de “censura líquida”.
O senhor vê essa cultura do processo no caso da feminista Isabella Cêpa, que chamou Erika Hilton de “homem” e virou alvo de ação judicial?
Sim. Ela disse uma verdade biológica e virou alvo de processos. Teve de se exilar. Isso mostra a tendência canibalizadora dentro da própria esquerda. O autor Bruce Bawer já escreveu sobre esse assunto no livro The Victims’ Revolution, ao mostrar como grupos identitários passam a se atacar mutuamente.
E a discussão atual sobre regular redes sociais?
O Brasil tem vocação para regular tudo, o que atrapalha processos criativos. Existe uma fúria regulatória. E uma cultura contenciosa: todo mundo quer processar todo mundo. Isso não vem só do governo, é mais amplo.
No programa Conversa com Augusto Nunes, o filósofo Luiz Felipe Pondé revisitou sua trajetória e compartilhou reflexões sobre filosofia, religião, política e cultura. Formado em Filosofia pela USP, doutor em Paris e pós-doutor em Tel-Aviv, Pondé contou como deixou a medicina no quinto ano, atraído pela psicanálise e pela leitura de Sigmund Freud. Tornou-se professor da FAAP e da PUC-SP, colunista do jornal Folha de S. Paulo e comentarista da TV Cultura.
Pondé definiu a filosofia como a tradição que nasceu na Grécia para explicar o mundo sem recorrer à religião. Para o professor, ser filósofo exige capacidade de espanto diante da vida e disciplina intensa de leitura. Inspirado por Paulo Francis e lapidado no jornalismo, aprendeu a escrever de forma clara e provocativa: “No jornalismo, você precisa lembrar que está escrevendo para alguém que vai ler”.
Sobre a felicidade, ponderou que não se trata de um estado constante, mas de momentos inesperados — seja no trabalho, no casamento ou na relação com os filhos. Quanto à religião, define-se como “ateu não praticante”, embora tenha se especializado em filosofia da religião.
Crítico do politicamente correto, disse que no Brasil a cultura woke se transformou em “juridicamente correta”, com risco de censura e processos. Segundo Pondé, a coragem é a virtude essencial. E, na política, rejeita a ideia moderna de progresso: prefere a visão dos antigos, segundo a qual a função da política é apenas evitar que o mundo piore.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
















