Entrevista compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de setembro de 2025
Pondé: "Paulo Francis e Nelson Rodrigues não sobreviveriam hoje".
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, a patrulha ideológica e o ativismo judicial sufocam a cultura brasileira. Entrevista a Branca Nunes e Edilson Salgueira, da Oeste:
Luiz Felipe Pondé não é um entrevistado que se lança em respostas apressadas. Antes de falar, fecha levemente os olhos, respira fundo e espera dois segundos. É como se cada palavra precisasse passar por um filtro interno que separa o que merece ser dito do que deve permanecer em silêncio.
A cena se repete várias vezes ao longo da entrevista concedida a Oeste na quarta-feira, 20 de agosto. Entre uma resposta e outra, o filósofo leva o copo de água à boca. Bebe em goles curtos, devolve o copo à mesa e retoma a linha de raciocínio. De tempos em tempos, interrompe uma análise para contar um causo vivido em sala de aula ou nos bastidores da vida intelectual. Nesses momentos, uma farta gargalhada desmonta a imagem que muitos fazem dele: a do filósofo sisudo, sem paciência para trivialidades.
Pondé lê muito — de tudo, o tempo todo. Filosofia, história, ensaios. Mas é na ficção que encontra um de seus refúgios prediletos. Sobre a universidade e o ambiente acadêmico, fala com a autoridade de mais de três décadas em salas de aula. Lecionou na Universidade de São Paulo (USP), na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). No passado, recorda, o ambiente era plural. Professores de esquerda, como Marilena Chauí, deixavam as convicções políticas do lado de fora e se concentravam nos autores clássicos. “Ela falava de Baruch Spinoza”, recorda o professor, ao citar o filósofo racionalista holandês. Hoje, observa, o cenário é outro: censura velada, patrulha ideológica e pensamento único.
Não é só o conteúdo que mudou. Segundo Pondé, as redes sociais agiram como ácido sobre a linguagem, corroendo nuances e sutilezas. As palavras foram reduzidas a slogans, e a semântica se empobreceu a ponto de não sustentar mais debates verdadeiros.
Um dos tema que mais o instiga, contudo, é a juventude. Pondé descreve a geração atual como sem energia, temerosa e com medo de viver. “Eles acham o mundo perigoso, e não estão errados”, comenta. “O excesso de informação gera paranoia. Pais superprotetores, relações frágeis, ansiedade diante de tantas opções.” O filósofo se lembra de uma excursão universitária em Minas Gerais, quando um grupo de estudantes foi convidado a escolher um tema para debate. A expectativa era de que falassem de sexo, drogas ou música. Surpreenderam: escolheram o medo. “Receio do trabalho, das relações amorosas, do futuro”, recorda. “É uma geração desvitalizada.”
No fim da conversa, o filósofo agradece sem pressa. Dá mais um gole de água, conta mais um causo e finaliza com uma última gargalhada. Deixa a impressão de alguém que, mesmo sem ilusões, continua disposto a refletir — e a fazer refletir.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor disse que há uma espécie de depressão ou “desvitalização” na juventude atual. A que atribui isso?
Eles acham o mundo muito perigoso. Há mais solidão, famílias atomizadas, menos convívio presencial. Imagina ter gente namorando o ChatGPT, fazendo terapia com inteligência artificial. O excesso de opções gera ansiedade. E as redes sociais pioram esse cenário: os jovens se comparam o tempo todo com outros, acreditando em vidas que muitas vezes são mentira. Isso produz desânimo e angústia. Eles têm medo de muita coisa: medo de colegas gravarem o que falam em sala de aula, medo nas relações afetivas. São muito moralistas. Há um mito de que jovens têm cabeça aberta. Não têm. São moralistas, acham que certo é certo, errado é errado. Com o tempo se descobre que nada é tão óbvio.
O senhor nota essa mudança na universidade?
Sim. Dou aula há 30 anos na PUC e na FAAP. A FAAP sempre foi um espaço mais livre, a PUC mais carregada ideologicamente. Hoje, o ambiente acadêmico está muito pior. Há professores jovens mais radicalizados, influenciando os alunos. Mas também há o aumento impressionante de alunos evangélicos, que são os que mais querem trabalhar. Sempre foram mais estudiosos, mais sérios. Até em cursos de filosofia acompanham melhor, porque têm inquietações ligadas a Deus, ao pecado, à salvação.
Professores não alinhados à esquerda sofrem resistência?
Comigo, os alunos já sabiam quem era o Luiz Felipe Pondé. Então, não havia confronto direto. Muitas vezes me escondia nos clássicos, falava apenas de Sófocles, evitava temas contemporâneos. Mas já vi casos de intolerância. As universidades norte-americanas são ainda piores.
Houve um momento em que essa patrulha ideológica se intensificou?
Um pouco antes da pandemia. As redes sociais tiveram papel central. Empobreceram a semântica, reduziram a linguagem a slogans. O Brasil importou esse vocabulário da esquerda norte-americana: politicamente correto, identitarismo, wokismo. Há dez anos isso não existia na universidade.
Quando o senhor estudou Filosofia na USP, era diferente?
Completamente. Fiz Filosofia entre 1987 e 1990. Tive aula com Marilena Chauí, que na época era secretária de Cultura. Nunca falou de política em sala, só de Baruch Spinoza. Os professores se concentravam no autor da disciplina. Havia barulho nas ciências sociais, mas na filosofia era tranquilo. Essa radicalização é recente.
A influência norte-americana é determinante?
Sim. A esquerda norte-americana, identitária, influenciou muito os brasileiros. O politicamente correto fechou a semântica. Paulo Francis e Nelson Rodrigues, por exemplo, não sobreviveriam hoje. Seriam demitidos, processados. A importação desse vocabulário empobreceu o debate no Brasil.
Isso afeta a pesquisa acadêmica?
Afeta. Alunos que querem estudar certos temas não encontram orientadores. Conheci gente que não conseguiu pesquisar Leo Strauss [teórico da contrarrevolução] porque não havia professor disposto. Isso fecha hipóteses de pesquisa. E o aluno precisa concluir o mestrado ou o doutorado para trabalhar.
Há espaço para debates abertos?
Cada vez menos. Já participei de muitos debates. Hoje não valem a pena. São certezas fechadas. O debate virou mito. Além disso, existe a cultura do processo. Qualquer frase pode gerar ação judicial, destruir carreiras. É o que chamei de “censura líquida”.
O senhor vê essa cultura do processo no caso da feminista Isabella Cêpa, que chamou Erika Hilton de “homem” e virou alvo de ação judicial?
Sim. Ela disse uma verdade biológica e virou alvo de processos. Teve de se exilar. Isso mostra a tendência canibalizadora dentro da própria esquerda. O autor Bruce Bawer já escreveu sobre esse assunto no livro The Victims’ Revolution, ao mostrar como grupos identitários passam a se atacar mutuamente.
E a discussão atual sobre regular redes sociais?
O Brasil tem vocação para regular tudo, o que atrapalha processos criativos. Existe uma fúria regulatória. E uma cultura contenciosa: todo mundo quer processar todo mundo. Isso não vem só do governo, é mais amplo.
No programa Conversa com Augusto Nunes, o filósofo Luiz Felipe Pondé revisitou sua trajetória e compartilhou reflexões sobre filosofia, religião, política e cultura. Formado em Filosofia pela USP, doutor em Paris e pós-doutor em Tel-Aviv, Pondé contou como deixou a medicina no quinto ano, atraído pela psicanálise e pela leitura de Sigmund Freud. Tornou-se professor da FAAP e da PUC-SP, colunista do jornal Folha de S. Paulo e comentarista da TV Cultura.
Pondé definiu a filosofia como a tradição que nasceu na Grécia para explicar o mundo sem recorrer à religião. Para o professor, ser filósofo exige capacidade de espanto diante da vida e disciplina intensa de leitura. Inspirado por Paulo Francis e lapidado no jornalismo, aprendeu a escrever de forma clara e provocativa: “No jornalismo, você precisa lembrar que está escrevendo para alguém que vai ler”.
Sobre a felicidade, ponderou que não se trata de um estado constante, mas de momentos inesperados — seja no trabalho, no casamento ou na relação com os filhos. Quanto à religião, define-se como “ateu não praticante”, embora tenha se especializado em filosofia da religião.
Crítico do politicamente correto, disse que no Brasil a cultura woke se transformou em “juridicamente correta”, com risco de censura e processos. Segundo Pondé, a coragem é a virtude essencial. E, na política, rejeita a ideia moderna de progresso: prefere a visão dos antigos, segundo a qual a função da política é apenas evitar que o mundo piore.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Nenhum comentário:
Postar um comentário