segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Entre quatro paredes e muitos desejos...

Legenda da foto: "A psicanálise não julga. Escuta e interroga: com o swing, estamos terceirizando o desejo?"

Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 25 de agosto de 2025

Entre quatro paredes e muitos desejos: o que o swing revela sobre os vínculos modernos

Por Déborah Pimentel (Coluna Aparte)

“O amor é a grande desilusão do desejo” 

Frase que Lacan não disse, mas bem poderia ter dito

Uma reportagem recente da Folha de S.Paulo, jornal que acompanho há mais de três décadas com o olhar sempre atento às entrelinhas, trouxe uma matéria inusitada: a mudança de endereço do swing. Sai dos clubes noturnos e entra nas casas, empurrado pela inflação e pelos aplicativos de encontros.

À primeira vista, pode parecer uma curiosidade dos tempos modernos. Mas, se olharmos com o olhar atento da escuta psicanalítica, ela diz muito mais do que parece. Fala da solidão a dois, da mercantilização do afeto e da tentativa, muitas vezes desesperada, de manter aceso o que já perdeu o calor da intimidade genuína.

Você já se perguntou o que leva um casal a dividir o próprio corpo com outros corpos? Não. Não se trata aqui de moralismo. A psicanálise não julga. Ela escuta, interroga, provoca. E há uma provocação gritante nesse movimento: estamos terceirizando o desejo? Ou tentando salvar vínculos esgarçados pela rotina, pelo tédio e pela ausência de um verdadeiro encontro?

No texto lacaniano, o amor é aquilo que surge quando o desejo encontra um ponto de falta. É a tentativa de fazer suplência ao que nos falta no outro e a nós mesmos. Quando um casal busca fora a excitação que já não encontra dentro, será que não está tentando driblar essa falta, sem encará-la? Transformando o amor em performance, o desejo em espetáculo, e a intimidade em mercado, com regras, senhas, aplicativos, agendamentos?

A reportagem diz que os encontros de swing migraram para dentro das casas por causa da alta dos aluguéis e das novas tecnologias. O desejo, agora, é intermediado por algoritmos e QR codes. Há uma ironia aí: quanto mais ferramentas temos para “nos conectar”, menos parece que conseguimos realmente nos encontrar. Casais que dividem seus corpos com outros, muitas vezes, não conseguem mais dividir suas angústias entre si.

Você já tentou conversar de verdade com quem dorme ao seu lado? Já ousou perguntar o que de fato o outro deseja, não no sentido da fantasia, mas do que o move, o inquieta, o assusta? Porque há algo profundamente humano em desejar o que o outro deseja. Mas há algo desolador em fazer do outro um espelho vazio, onde projetamos nossa insatisfação sem escuta.

E a pergunta insiste: isso é amor? Se quem ama quer ver o outro feliz, será que aceitar dividir esse outro é prova de amor ou de desespero? Será que esse casal dura? Ou será que se sustenta na ilusão de que, multiplicando os corpos, resolverá a falta do vínculo? O amor, esse radical enigma, não se resolve com estratégias. Muito menos com aplicativos.

Lacan não disse que o amor é a desilusão do desejo. Mas poderia ter dito. Porque o amor, na perspectiva psicanalítica, implica justamente suportar a frustração, sustentar o enigma do outro e abrir mão do controle sobre o desejo alheio. Amar é, talvez, suportar que o outro deseje para além de mim, mas não que desapareça de mim. Há uma ética aí, delicada, que não se resolve com consenso, mas com implicação subjetiva.

Quando o casal decide abrir sua relação, o que está em jogo não é apenas a liberdade ou a modernidade. É, muitas vezes, a tentativa de não olhar para o que se perdeu: a escuta, a ternura, a admiração, o silêncio partilhado. O swing nos salões ou nas salas de estar é só o sintoma. O real está na angústia de não saber mais desejar dentro do vínculo. Está na tentativa de revitalizar o amor sem mergulhar no conflito. Está na dificuldade de dizer: eu te quero, mas não sei mais como.

E você, leitor, leitora... já se perguntou do que você tem fugido quando busca novas formas de desejo? Já se permitiu olhar para dentro, de si, do outro, do vínculo, com coragem? Afinal, o amor, quando verdadeiro, nunca é confortável. Mas sempre é transformador.

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* Articulista Déborah Pimentel - É médica, pesquisadora da saúde mental e psicanalista. 

Texto e imagem reproduzidos do site: www jlpolitica com br/articulista

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