terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Escrevendo com a alma ou com o algoritmo?

Legenda da foto: A tecnologia não é uma inimiga, mas um instrumento

Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 13 de Janeiro de 2025

Escrevendo com a alma ou com o algoritmo?
Por Déborah Pimentel*

“Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio, você coloca ideias” (Pablo Neruda)

Vivemos tempos curiosos. A escrita, que por tanto tempo foi vista como um processo artesanal, parece ter se transformado em algo automatizado, quase industrial. Há textos por toda parte, mas poucas palavras nos atravessam. Muitos escrevem, mas será que estão realmente dizendo algo?

Pablo Neruda nos lembra que escrever, em sua essência, parece simples: começar com uma maiúscula, terminar com um ponto e preencher o espaço entre eles. Mas o que estamos colocando no meio? Essa parte invisível, onde as ideias ganham forma, parece cada vez mais sufocada pela pressa e pela superficialidade.

As ferramentas de inteligência artificial, oferecem possibilidades incríveis, mas também perigos sutis. Em questão de segundos, é possível gerar textos impecáveis, cheios de informações, mas vazios de autenticidade. A máquina escreve com precisão, mas não com o coração.

O que isso diz sobre nós? Talvez que estejamos mais preocupados em produzir do que em comunicar. Mais interessados em quantidade do que em qualidade. Há algo quase mecânico em todo esse processo.

Escrevemos para alimentar algoritmos, para manter relevância em redes sociais, para produzir mais conteúdo, mas esquecemos de parar e perguntar: alguém realmente lê? E mais importante: alguém sente algo desta escrita?

As mensagens rápidas, os posts instantâneos, as notícias que se multiplicam sem verificação nos colocam diante de outro dilema. Não basta escrever rápido. É preciso pensar devagar. A escrita nunca foi apenas sobre palavras. É sobre intenção, reflexão, presença. Um texto autêntico não nasce de um algoritmo, mas de uma inquietação, de uma verdade que precisa ser compartilhada.

Retomando Neruda, o que colocamos no meio de nossos textos é o que define se estamos escrevendo ou apenas digitando. Escrever exige algo que nenhuma máquina pode oferecer: o confronto com nossas próprias ideias, a paciência para deixá-las amadurecer, a coragem de expô-las ao mundo.

A tecnologia não é uma inimiga, mas um instrumento. Ainda assim, é nossa responsabilidade definir como usá-la. Podemos deixá-la criar em nosso lugar ou utilizá-la como uma extensão do que somos, mantendo intacta a essência de nossa humanidade.

O desafio de escrever hoje é o mesmo de sempre: dizer algo que faça sentido, que nos conecte, que deixe marcas. A diferença é que agora, mais do que nunca, precisamos escolher se queremos produzir palavras ou construir pontes.

Talvez não haja uma resposta definitiva, mas há uma escolha diária: colocar ideias no meio, como Neruda sugere, e garantir que sejam nossas. Porque, no final, não é o algoritmo que precisa se emocionar – somos nós e quem nos lê.

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Aarticulistaa Débora Pimentel, é médica, pesquisadora da saúde mental e psicanalista. 

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica com br

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