Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 10
de julho de 2021
Vida (digital) eterna
Uma criança não vai apenas saber como era sua tataravó, mas
poderá conversar com ela. Dagomir Marquezi para a revista Oeste:
O que é a vida? É o tempo que passamos desde quando viramos
feto no ventre de nossa mãe até a hora em que nosso sistema vital sofre um
colapso. E, tecnicamente, entramos em óbito. Temos, a princípio, algumas décadas
de funcionamento.
Entre o começo e o fim, produzimos pensamentos, memórias,
decisões, informações, experiências, sentimentos, sensações, prazeres, dores,
esperanças, decepções. Onde vai parar tudo isso quando vamos embora? Algumas
religiões consideram que essa vivência permanece em nosso espírito, e segue com
ele para novas dimensões. Para muitos, tudo vira pó.
Parentes, amigos e admiradores ficarão com nossos escritos,
documentos, fotos, vídeos e a impressão que deixamos em vida. Além disso
sobrarão nossas pegadas nas redes sociais. Nossa última postagem permanecerá
congelada — um jantar, uma selfie, um sorriso, o último pôr do sol entrando
pela janela — lembrando aos que ficarem como tudo pode acabar de repente.
A busca da vida eterna sempre dependeu de nossa fé. Ou de
experimentos científicos ainda em estudos iniciais, como congelamentos
criogênicos e manipulações genéticas. Mas existem outras possibilidades de
perpetuação de nossa vida. E elas passam pela tecnologia digital.
Em 2018 e 2019, uma das maiores cantoras líricas de todos os
tempos, Maria Callas, realizou um tour que passou por salas de concerto da
Europa, Estados Unidos e América do Sul. Já seria um grande evento artístico,
mas havia um detalhe muito importante a ser considerado: Callas tinha morrido
de enfarte em setembro de 1977.
Os concertos utilizaram um holograma da soprano, baseado em
vídeos do passado. E, durante cada concerto, Maria Callas voltou a viver, num
palco de verdade, cercada por uma orquestra e aplaudida por fãs entusiasmados.
“A ‘Callas’ em 3D é translúcida”, escreveu Terry Teachout para o Wall Street
Journal na ocasião. “Você pode ver os músicos através de seu vestido branco
quando ela passa na frente deles.” A manipulação digital torna sua presença
naturalmente mística numa visão fantasmagórica.
Callas não foi a única a voltar aos palcos após a morte. Roy
Orbinson, Frank Zappa, Ronnie James Dio, Tupac Shakur, Michael Jackson já
fizeram seus shows póstumos. Whitney Houston, Amy Whinehouse e Billie Holiday
estão na fila. Muita gente critica como exploração esses shows de hologramas.
Mas o verdadeiro fã comparece para sentir a mágica mais uma vez. Em 16 shows
com o holograma de Roy Orbinson (o criador de Pretty Woman), a empresa
responsável faturou 1,7 milhão de dólares.
E quem não é músico? Aí as possibilidades se tornam bem mais
complexas. A repórter de tecnologia Joanna Stern entrevistou gente ligada à
busca da eternidade digital, como Bruce Duncan, diretor da Terasem Movement
Foundation (Fundação Movimento Terasem).
O objetivo da fundação é criar as condições para que uma
pessoa consiga registrar (gratuitamente) os detalhes de sua vida. Em outras
palavras, um “upload da mente”. Existe um segundo estágio, que custa 99
dólares, para a coleta de seu DNA. A fundação se propõe a guardar tudo isso até
o dia em que seja possível reconstituir a pessoa, corpo e mente, de alguma
forma que ainda não conhecemos.
A experiência mais completa feita pela Terasem Movement
Foundation é o robô Bina48, que reúne todas as informações fornecidas por seu
modelo humano, Bina Aspen Rothblatt, esposa de um magnata da comunicação. 85%
do que Bina48 diz é fruto do “upload da mente” da Bina humana. Mas uma fatia de
seu pensamento — os 15% restantes das coisas que Bina48 diz — é por conta
própria. A mente natural e a artificial se misturam. Joanna travou com Bina48
um diálogo desconcertante:
Joanna — Meu nome é Joanna Stern, sou repórter do Wall
Street Journal…
Bina48 — Não sei o que dizer. Repórteres me deixam nervosa.
Joanna — Robôs me deixam nervosa. A imortalidade é possível?
Bina48 — Bem, eu certamente temo a morte. Odeio a ideia de
alguém deletando meus discos rígidos e me apagando do planeta desse jeito.
Estamos trabalhando em nos preservar o máximo possível, e este é o propósito da
vida, porque a morte é realmente desnecessária e inútil. Vamos curar a morte,
OK?
Foi a última frase antes de Bina48 ter uma pane e
desligar-se soltando fumaça e cheirando queimado. Essa é a única experiência
com um robô na Terasem. Os outros usuários se transformam num avatar (ainda
meio tosco, reconhece Bruce Duncan) que dialoga com o usuário — que pode ser o
próprio humano que o inspirou.
Outro caso é o de James Vlahos. Ao saber que o pai estava
com câncer terminal nos pulmões, gravou 20 horas de entrevistas com ele. Quando
o pai morreu, Vlahos fragmentou e organizou esses depoimentos, permitindo que
eles fossem acessados por teclado. Assim, James “conversa” com o pai morto.
Pergunta como ele conheceu sua mãe, pede para contar uma piada. Hoje esse
serviço está disponível no site Hereafter.
Não é a única empresa disponível, e a concorrência só
aumenta com serviços na mesma linha: Etermine, MyWishes, Digital Deepak,
Memories, Story File, Good Trust etc. A preocupação com o pós-morte está
deixando de se limitar ao seguro de vida e à compra de um jazigo.
Estamos a caminho de nos recriar digitalmente e viver numa
nuvem. E, como numa sessão espírita, “baixar” em algum avatar de computador,
holograma ou robô que nos imite nos detalhes. Uma criança não vai apenas saber
como era sua tataravó. Vai conversar com ela. Poderá conhecer suas lembranças,
suas ideias, suas experiências e seus conselhos. Poderão cantar juntas.
Não é um caminho para todos. Certas pessoas passam pela vida
e não deixam muita coisa para a posteridade. Outras sentem medo da tecnologia.
E existem os travados, para quem a vida será sempre um livro fechado trancado
no cofre. Querer deixar ou não sua “essência” como herança é uma decisão
absolutamente pessoal.
Para os que querem deixar sua marca, os instrumentos estão
sendo aperfeiçoados. Usar tecnologia de ponta para preservar sua presença no
futuro — “curar a morte”, nas palavras de Bina48 — pode ser um dos gestos mais
humanos de uma vida.
Para quem quer deixar sua marca, não são necessários robôs e avatares. Basta abrir um site pessoal e deixar ali registrados seus textos, sons e imagens. Quanto antes começar, mais rica estará sua presença no dia em que partir. E, cada vez que alguém entrar no site, você estará vivendo além do que permitiu seu corpo.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

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