A entrevista com Noam Chomsky.
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
17 de maio de 2020
Noam Chomsky: “Se não conseguirmos um ‘Green New Deal’,
ocorrerá uma desgraça”
Voz de referência da esquerda nos EUA, o pensador pede uma
grande mudança de rumo. Afirma que colocar funções públicas sob controle
privado explica grande parte do desastre na crise do coronavírus
Por Marta Peirano
O norte-americano Noam Chomsky (91 anos) é o fundador da
linguística contemporânea e o pensador crucial da esquerda contemporânea.
Também é um dos grandes impulsores da Internacional Progressista, a plataforma
que reúne o The Sanders Institute, o Movimento pela Democracia na Europa 2025
(DiEM25), representantes do Sul global, Índia, África e América Latina. Em
plena pandemia eles se lançam para bloquear uma escalada do neoliberalismo e
“abrir a porta a alternativas progressistas preocupadas com o bem-estar das
pessoas e não pela acumulação de riqueza e poder”. O encontro foi tela com
tela.
As redes sociais alteraram a forma como se vive o luto pela
morte de uma pessoa querida
O luto pela velha normalidade: como superar o fato de que
nossos projetos desapareceram
O espaço no observatório principal do piso 100 inclui um
horizonte interativo que permite aos visitantes conhecerem mais profundamente
as edificações, monumentos e bairros vistos do alto. Além disso, poderão subir
em um espaço circular de 4 metros que lhes mostrará imagens de alta definição
em tempo real das ruas do Baixo Manhattan.
Pergunta. Vocês se unem contra a “outra” Internacional?
Resposta. Sim, a Internacional Reacionária liderada pela
Casa Branca, que inclui clones de Trump, como o que ele chama de “seu ditador
favorito”, [Abdul Fatah Khalil] Al-Sisi no Egito, os ditadores do Golfo
Pérsico. Israel é um ponto chave que se escorou fortemente à direita e suas
relações com as ditaduras do Golfo estão aparecendo agora. Ao Oriente temos
[Narendra] Modi na Índia, que está trabalhando duro para acabar com os últimos
resquícios da democracia secular indiana, destruindo a Cachemira e os direitos
de 200 milhões de muçulmanos; Bolsonaro no Brasil...
P. Acadêmicos como Peter Turchin, que estudam os grandes
ciclos, dizem que se acaba um importante. Poderia ser o final do que foi aberto
por Thatcher e Reagan?
R. Os ciclos históricos não estão pré-determinados, são
resultado das ações das pessoas. O período neoliberal foi construído destruindo
os movimentos operários. Thatcher atacou os mineiros, Reagan esmagou as greves
com fura-greves, algo que é ilegal. Mas como Reagan o fez, as empresas também
geriram as greves e destruíram os sindicatos importando ilegalmente
trabalhadores de fora. Depois [Bill] Clinton inventou outro dispositivo para
destruir o movimento operário. O Tratado de Livre Comércio da América do Norte
era um banner que dizia: se continuarem com isso levaremos a fábrica ao México.
Metade dos esforços sindicalistas foram sufocados por essa tática de
propaganda.
P. O senhor acha que a quarentena poderia ser o ensaio de
uma verdadeira greve geral?
R. Já estava acontecendo, até mesmo antes da pandemia. Nos
últimos dois anos até nos EUA ocorreu um ressurgimento do poder da greve. Até
os professores de Estados conservadores não sindicalizados se manifestaram
contra a destruição do ensino público sob os princípios neoliberais; a perda de
financiamento, a massificação das aulas, os programas baseados em testes
projetados para criar autômatos. Eles se manifestaram na Virgínia, no Arizona,
não somente para melhorar suas condições salariais, e sim para melhorar as
condições de ensino. E conseguiram um grande apoio social, até nos Estados mais
reacionários. Depois existem indústrias como a General Motors. Há uma
regeneração do movimento operário e de outros movimentos e não é marginal. Se
não conseguirmos alguma espécie de Green New Deal [proposta para transformar o
sistema econômico através de uma redução drástica das emissões de gases de
efeito estufa e a aposta pela eficiência energética] ocorrerá uma desgraça.
P. O senhor estudou profundamente as táticas de propaganda
para influenciar a população. Como pensam [na Internacional Progressistas] em
lidar com essa questão?
R. Vamos falar de coisas concretas. Por exemplo, a pandemia.
Se não falarmos de sua causa, a próxima será inevitável e será pior do que a
anterior, por culpa do aquecimento global. Quanta atenção se dedicou à raiz do
problema? Isso é um sistema de propaganda eficiente: ignora o importante. Você
não quer que as pessoas tenham ideias perigosas. Não digo que seja deliberado,
acho que é automático, o ato reflexo de permanecer dentro do marco da doutrina
estabelecida. Outro exemplo. Uma das coisas que essa administração faz para
desviar a atenção de seus crimes é procurar bodes expiatórios. As políticas de
Trump mataram centenas de milhares de pessoas, mas ele não quer que se saiba,
de modo que joga a culpa em outro. Culpa a China, a Organização Mundial da
Saúde (OMS). E é uma estratégia boa porque seus fãs não gostam das organizações
internacionais. São nacionalistas, supremacistas brancos, não querem
estrangeiros se metendo em seus assuntos. Mas o que acontece quando você deixa
de apoiar a OMS? Mata pessoas no Iêmen, a pior crise humanitária do mundo, para
onde enviam médicos, material sanitário etc. E na África, uma região ainda
maior e com muitas doenças. Mas que veículos de imprensa explicam que, para
otimizar suas possibilidades de reeleição, Trump está matando inúmeras pessoas?
Assim funciona a propaganda: não preste atenção aos verdadeiros crimes e no que
os motiva. Se você conta os crimes, mas não explica as estruturas
institucionais em que eles ocorrem, as pessoas não entendem o que acontece e os
crimes se repetem.
P. Quando o senhor fala da origem da pandemia, se refere a
nossa relação com os animais?
R. Isso é só uma parte. O caldo de cultura dessa pandemia é
o capitalismo exacerbado pelo neoliberalismo. Em 2003 ocorreu uma enorme
epidemia de coronavírus, muito semelhante à atual, que foi contida. Os
cientistas alertaram, da mesma forma que fazem agora, de que viria outra. Mas
não basta sabê-lo, é preciso fazer algo. Quem poderia ter feito algo? As
farmacêuticas, que estavam recheadas de recursos por mecanismos neoliberais,
estavam bloqueadas pelo capitalismo. Prevenir algo que ocorrerá em dois anos não
dá lucro. O Governo, que financia a maior parte da pesquisa com dinheiro
público, laboratórios nacionais, instituições e universidades, estavam
bloqueados pelo neoliberalismo, que diz que a sociedade não existe, que o
Governo é o problema e que tudo deve estar em mãos privadas. Essa é a origem.
P. Acontece a mesma coisa com a crise climática e o Vale do
Silício.
R. Para acabar com a crise é preciso acabar com as emissões.
Há pequenas startups que desenvolvem soluções para fazê-lo, mas precisam de
apoio financeiro e o Governo não as financia, porque o Governo é o problema. E
não podem conseguir investimento privado porque é muito mais lucrativo
financiar a Apple para que coloque coisinhas novas no iPhone do que algo que
salve a humanidade da destruição.
P. É difícil chegar às pessoas em momentos de ansiedade com
uma mensagem que parece mais tediosa do que as teorias da conspiração.
R. Mas quando tínhamos organizações ativistas de
trabalhadores, esses eram exatamente os temas centrais de discussão. Quando eu
era criança, nos anos trinta, havia muito desemprego nas famílias da classe
trabalhadora, mas tínhamos acesso a uma boa educação e grande oferta cultural
através dos sindicatos. Havia reuniões educativas, recursos educativos, alta
cultura, mas essas eram as questões vitais porque queríamos viver em uma
sociedade pacífica. Os movimentos operários se destroem para evitar essas
coisas. Para deixar as pessoas isoladas e atomizadas, olhando a tela sozinhas,
sem interagir com os outros.
P. Há 20 anos ocorreu o movimento antiglobalização em
Seattle, depois veio o movimento Occupy. Por que o ativismo de esquerda não se
solidifica?
R. Não concordo. Sanders perdeu as primárias porque as
pessoas que apoiam majoritariamente suas propostas, que são os jovens, não foram
votar. E os outros dois grandes blocos, que são os afro-americanos e as
mulheres, acharam que Sanders não seria capaz de derrotar Trump sob o ataque
permanente da imprensa e do Comitê Democrático Nacional, que odeia tanto
Sanders que preferiu perder as eleições a perder o partido. Estamos muito
próximos de uma vitória da esquerda, mas não se ganha esta guerra com um tiro.
P. O que o faz estar tão seguro sobre isso?
R. Veja a luta pelos direitos da mulher. Não é como se
alguém se levantasse em 1965 e dissesse vamos conquistar direitos às mulheres.
É uma longa luta contra forças poderosas. A abolição [da escravidão] levou
ainda mais tempo, a luta pelos direitos civis é dura e brutal. O movimento
contra a guerra dos anos sessenta foi atacado pela imprensa, era impossível
chegar aos grandes veículos para falar do tema. Mas se tornou forte e poderoso
com seus próprios meios de comunicação, como a Rampart Magazine. Não é fácil e
nunca foi. Não acontece com um clique. O movimento Sunrise colocou o Green New Deal
em cima da mesa, da mesma forma que os ativistas dos anos sessenta e setenta
ultrapassaram a barreira violenta e brutal do racismo. E não era fácil. Você
podia apanhar, ser morto, podia ser brutalmente atacado pela polícia. Mas eles
ultrapassaram e conseguiram coisas. É assim que se faz. O poder não diz: tome,
leve.
P. Vemos novamente o uso da linguagem para desumanizar
minorias e coletivos étnicos e religiosos. Como com a caravana [dos imigrantes
latino-americanos].
R. Como um veículo independente faria? Há caravanas que vêm
de Honduras. Por que Honduras? Há um motivo: Honduras sempre esteve sob o
controle de um punhado de oligarcas e de empresas norte-americanas financiadas
pelo Governo. Mas existiu um movimento de reforma, Manuel Zelaya venceu as eleições
e tentou ultrapassar os aspectos repressivos e brutais da sociedade hondurenha.
Foi rapidamente expulso por um golpe militar em 2009. Ocorreram protestos em
todo o hemisfério ocidental, com uma exceção. Obama se negou a chamá-lo de
golpe militar porque, se o fizesse, teria que deixar de enviar ajudas à junta
militar. Ocorreram eleições fraudulentas que todos denunciaram com exceção da
administração Obama-Clinton. Enquanto isso, o país se transformou em um dos
focos mundiais de assassinatos e massacres e as pessoas começaram a escapar em
caravanas e se juntaram pessoas da Guatemala que escapavam da devastação
deixadas pelas guerras antiterroristas de Reagan. Você lê essa história em
algum jornal? No EL PAÍS, no The New York Times? É isso que jornalismo independente
faz.
P. Vamos levá-lo ao presente.
R. Nos EUA, a maior parte das vítimas é de idosos em asilos.
Por que morrem tantos lá? Porque os asilos foram privatizados durante a praga
neoliberal e passaram ao controle de fundos de investimento. E eles fizeram o
que costumam fazer, cortar pela raiz: serviços, funcionários, material.
Acontece qualquer coisa e tudo desaba. Mas há mais. Existe um punhado de
grandes empresas que gerem a maior parte dos asilos e sua gestão foi
publicamente elogiada por Trump. Porque é um de seus principais investidores.
Você tem aí um clã de empresas milionárias financiando o presidente mais
reacionário da história dos EUA matando pessoas nos asilos de idosos. Mas se
publica: pessoas morrem em asilos de idosos. O restante das mortes que não são
idosos: são assustadoramente pobres negros e latinos. A lei da natureza? Não, é
pela forma como estão obrigados a viver e trabalhar. Trump ordena manter os
frigoríficos abertos. A América precisa de contrafilés. As empacotadoras têm condições
de trabalho terríveis. Não são vistas pelas organizações governamentais de
Saúde e Segurança do trabalho e consumo: o Governo é o problema. As pessoas
perdem dedos e morrem. E quem são os obrigados a aceitar esses empregos?
Negros, porto-riquenhos, latino. De modo que muitos infectados pelo
coronavírus, muitos mortos.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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