"A gente fica pensando que a doença não tem tratamento,
não tem medicação",
diz Aécio Góis,
chefe da Urgência do Hospital São Paulo. Na imagem, médica
cuida de paciente na
UTI do Hospital de Clínicas, em Porto Alegre.
Publicado originalmente no site [huffpostbrasil.com], em 19
de abril de 2020
Profissionais de saúde enfrentam a pior batalha na guerra
contra o coronavírus
Falta de equipamento, estresse e solidão tornam desafio
muito maior para médicos e enfermeiros. 'Não é medo de cuidar, é medo de
morrer', diz médico do Hospital São Paulo.
By Grasielle Castro
Na batalha contra o novo coronavírus, eles estão na linha de
frente. Veem diariamente a luta de pacientes para sobreviver e, na maioria das
vezes, são os únicos a dar um alento e garantir um fim digno para quem não
resiste à agressividade do vírus isolado em uma UTI. Ao mesmo tempo que tratam
e trazem humanidade, os profissionais de saúde se preocupam em não adoecer, em
não contaminar seus pais e filhos, em não morrer.
“As equipes estão com medo, mas não é medo de cuidar, é medo
de morrer”, resume o médico Aécio Góis, chefe da Urgência do Hospital São
Paulo, que diz em 20 anos de medicina nunca ter visto nada parecido. “Conversei
com professores mais velhos, falaram sobre a época da aids, mas nada se
equivale a essa questão do coronavírus.”
Só na cidade de São Paulo, dados da Secretaria Municipal de
Saúde indicavam que, até o dia 16, 3.865 profissionais de saúde tinham sido
afastados. Eles representam 4,8% do total, sendo 532 com teste positivo para
covid-19 e 3.333 com síndrome respiratória aguda. Pelo menos 11 profissionais
tinham morrido em decorrência da doença.
Um deles era amigo próximo de Góis. Paulo Fernando Moreira
Palazzo, 56 anos, era médico hematologista do Samu e do Hospital São Paulo.
“Isso toca e mobiliza a gente de uma forma indescritível”, desabafa.
No ‘front’ da batalha, pesa a quantidade enorme de notícias
que chegam de profissionais de saúde vítimas da doença. O marco de 100 médicos
mortos na Itália assustou, diz Góis. E isso intensifica o medo. “Medo de pegar
uma forma grave, de adoecer, de ficar solitário...”
Segundo ele, todos sabem que a chance de se contaminar em um
hospital é muito maior, “por mais que você use toda a proteção”. “Em todo
caminhar dentro da unidade hospitalar, a chance de contaminação é enorme”, diz
o chefe da Urgência do Hospital São Paulo. Por isso, a primeira coisa que mudou
foi o cuidado com proteção. “As pessoas estão se cuidando como nunca. Desde que
sumiu a ideia de que seria uma ‘gripezinha’, como H1N1, a busca é pela
paramentação correta.”
Não há um levantamento oficial de quantos profissionais de
saúde foram infectados com o novo coronavírus em todo o país. Cálculo feito
pela Folha de S.Paulo estima que até o dia 16 o País tinha 8,2 mil
profissionais afastados por apresentar sintomas ou fazer parte do grupo de
risco.
Para quem convive diariamente com a luta mais extrema contra
o coronavírus, a necessidade de isolamento não é sequer questionada. “A gente
fica pensando que a doença não tem tratamento, não tem medicação. Não adianta
as pessoas ficarem falando que existe medicação, não tem. As pessoas precisam
se isolar, grandes resultados vêm de quem está isolado”, diz.
Médicos cuidam de paciente com covid-19 no Hospital Nossa
Senhora da Conceição, em Porto Alegre
E os próprios médicos e enfermeiros estão se isolando - de
suas famílias. Sem a alternativa de não sair de casa, muitos têm mudado de
endereço para não colocar em risco principalmente os filhos pequenos ou pais
idosos.
“Há muitos profissionais que estão ficando no hospital ou na
casa de amigos para não ter contato com familiares. Em alguns casos, quando tem
filho pequeno, eles têm deixado com os avós para não ter contato com a
criança”, afirma Solange Caetano, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do
Estado de São Paulo.
Essa falta de contato com a família acaba piorando o
estresse do profissional. “Ele não tem contato com a família, está
sobrecarregado, o trabalho está exaustivo e ainda falta equipamento de proteção
individual”, diz.
“Há muitos profissionais que estão ficando no hospital ou na
casa de amigos para não ter contato com familiares”, afirma Solange Caetano,
presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo.
Esse sentimento de exaustão ficou ilustrado em retratos de
médicos italianos com os rostos marcados pelos equipamentos de proteção que
circularam o mundo. Começou com uma selfie que o médico italiano Nicola Sgarbi
fez no dia 13 de março após 12 horas de trabalho. Sua intenção era mostrar a
foto para a filha de 1 ano quando ela crescer e ele for contar a ela sobre esse
momento. Depois dele, outros profissionais divulgaram fotos semelhantes ao fim
do expediente.
O médico italiano, assim como Góis e Solange, fazem coro
pela permanência da população em casa em solidariedade também aos profissionais
de saúde.
Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário