Publicado originalmente no site do jornal BRASIL EL PAÍS, EM 12 de abril de 2020
Francesco Tonucci: “Não percamos esse tempo precioso com
lição de casa”
Psicopedagogo italiano afirma que esse confinamento
demonstra “ainda mais” que a escola não funciona
Por Ana Pantaleon e
Gianluca Battista
Francesco Tonucci (Fano, 1940) é um especialista em
crianças. De sua casa em Roma, onde está confinado há cinco semanas, o
psicopedagogo italiano responde por videoconferência algumas das perguntas que
mais afetam as crianças durante esse período de quarentena para combater o
coronavírus. Tonucci reconhece que são muitos os pais que pedem conselhos.
Propõe ideias como que tenham seu próprio diário secreto de confinamento e um
lugar, por menor que seja, para se esconder dentro de casa. O psicopedagogo
critica a escola e a maneira como ela enfrenta o confinamento.
Pergunta. O que é o pior do confinamento às crianças?
Resposta. Deveria ser não poder sair, mas é mentira porque
infelizmente também não saíam antes. As crianças desejam sair e só podem
fazê-lo com um adulto. De modo que é importante que as crianças voltem a sair,
dentro e fora do coronavírus. Ficar em casa é uma condição nova, não ser
autônomo não é. Espero que as crianças possam nos mostrar com a força desse
confinamento como precisam de mais autonomia e liberdade. É muito interessante
como elas estão reagindo. Durante os primeiros dias de confinamento, enviei um
vídeo às nossas cidades da rede internacional da cidade das crianças
encorajando a convocar os conselhos para pedir sua opinião e dar conselhos aos prefeitos;
achava um pouco paradoxal que todo mundo pedisse aos psicólogos conselhos aos
pais e aos pedagogos aos professores e ninguém pensasse nelas. As crianças
sentem muito a falta da escola, ou seja, não dos professores e das carteiras e
sim a falta dos colegas. A escola era o local em que as crianças podiam se
encontrar com outras crianças. Outra experiência em que pude comprovar que a
escola era muito desejada pelas crianças é quando estão no hospital.
P. Considera, então, que os políticos não levam em
consideração os mais jovens para tomar suas decisões.
R. Como sempre. As crianças praticamente não existem, não
aparecem em suas preocupações. A única preocupação tem sido que a escola possa
continuar virtualmente. Na Itália, por exemplo, a grande preocupação é
demonstrar que podem continuar da mesma maneira que antes apesar das novas
condições, ou seja, fazer quase sem que eles percebam, sentados como estavam na
escola, diante de uma lousa tendo aulas e com lições de casa. Muitos não se
deram conta de que a escola não funcionava antes e nessa situação se percebe
como funcionava pouco. As crianças estão cansadas das lições e para as famílias
é uma ajuda porque é o que as deixa ocupadas. As lições de casa são sempre
demais, não tanto pela quantidade e sim pela qualidade. São inúteis para os
objetivos que os docentes imaginam.
P. Se tudo está tão ruim, o que propõe?
R. Fiz um pequeno vídeo dando conselhos de senso comum.
Temos uma oportunidade. As crianças se aborrecem na escola e é difícil que
aprendam dessa forma. Além disso, existe um conflito entre escola e família. É
um conflito moderno, a família está sempre pronta para denunciar o colégio.
Agora a situação é nova: a escola é feita em família, em casa. Proponho que a
casa seja considerada como um laboratório para se descobrir coisas e os pais
sejam colaboradores dos professores. Por exemplo, como uma máquina de lavar
funciona, estender a roupa, passar, aprender a costurar...
P. Mas nesse laboratório, os pais também estão trabalhando?
R. Peço coisas que também devem ser feitas em casa. A
cozinha, por exemplo, é um laboratório de ciência. As crianças devem aprender a
cozinhar. O professor pode propor que os alunos façam um prato e escrever a
receita. Dessa forma estamos fazendo física, química, literatura e é possível
montar um livro virtual de receitas. Outra experiência que me parece importante
é que as crianças façam vídeos de sua experiência em casa. A outra experiência,
evidentemente, é a leitura. A escola não conseguir com que as crianças amem a
leitura é um grande peso. A escola deveria se preocupar mais, dar aos seus
alunos o gosto de ler.
P. Isso significa lutar contra as telas, os videogames.
R. Estamos pensando em uma escola que deve fazer propostas
às crianças trancadas em casa. Propor às crianças que leiam um livro deve ser
um presente, não uma obrigação. Há outra maneira que é a leitura coletiva, de
família. Criar um teatro que tem seu horário e seu lugar na casa, e um membro
da família lê um livro como se fosse uma novela. Meia hora todos os dias. São
propostas que parecem pouco escolares, mas todas têm a ver com as disciplinas
escolares. Estudando as plantas das casas pode-se fazer uma experiência de
geometria. Digo tudo isso para que se entenda que é possível aproveitar a riqueza
que temos agora, a casa e a disponibilidade dos pais. Você diz que os pais não
têm tempo: não é verdade. Apesar do todo o tempo em que estão ocupados, não
sabem o que fazer no tempo livre. Normalmente o tempo que passam com elas é
para acompanhá-las em atividades e não para viver com elas. Outra proposta é
que brinquem, isso é o mais importante. Que inventem brincadeiras. Ligar aos
avós para que aconselhem brincadeiras, eles foram crianças quando era preciso
inventá-las.
P. Nunca passaremos tanto tempo com elas como agora.
R. Por isso mesmo. Não percamos esse tempo precioso dando
deveres. Aproveitemos para pensar se outra escola é possível.
P. O que uma criança deve fazer no primeiro dia em que sair
desse confinamento?
R. Gritar, jogar pedras, correr, e abraçar alguém; ainda que
esse último seja mais complicado.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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