Texto publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 08 de fevereiro de 2020
Por que os poderes religioso e político temem tanto a
sexualidade?
Os maiores tiranos da história tiveram medo do sexo e o
ridicularizaram, talvez para exorcizá-lo
Por Juan Arias
No Brasil, enquanto o presidente Bolsonaro mistura em seus
discursos Deus, sexo e poder, sua ministra da Mulher, Damares Alves, clama a
favor da castidade dos jovens. Por que será que o poder religioso e o poder
político temem tanto o exercício livre da sexualidade? De acordo com antropólogos
e psicólogos se deve ao fato de que ninguém é mais difícil de dominar pelo
poder do que uma mulher e um homem felizes. E é a sexualidade, exercida sem
tabus e medo, uma das maiores fontes de felicidade.
Enquanto os deuses antigos do paganismo eram mais liberais
com sexo, a partir da chegada do monoteísmo e concretamente do cristianismo
influenciado por Paulo de Tarso, o exercício da sexualidade com sua força de
libertação, começou a ser considerada como pecado e a mulher como a tentação do
homem. Para isso foi retomado o mito de Eva, que tentou o homem fazendo-o
desobedecer a Deus.
Desde então, as igrejas cristãs relegaram a mulher como
perigosa ao homem e foi até afastada dos mistérios do culto dos quais os homens
se apossaram. Elas foram relegadas da hierarquia da Igreja. E na vida, como
sentenciou São Paulo, “submetida em tudo ao homem”, até no exercício da
sexualidade.
Todos os poderes, do religioso ao político, à medida em que
se tornavam mais autoritários e ditatoriais, foram alérgicos a uma sexualidade
vivida em liberdade. No mundo político essa tentação de controlar a sexualidade
das pessoas foi um pecado que tentou a direita e a esquerda, assim como o
preconceito para que a mulher chegasse ao poder.
Lembro aqui no Brasil, quando Lula designou como candidata a
sua sucessão sua ministra Dilma Rousseff, respondeu a um amigo que lhe
perguntou por que havia escolhido uma mulher: “Porque ela é mais homem do que
nós dois juntos”. No outro extremo, hoje Bolsonaro, além de seu pouco apreço
pela mulher e o feminino, está usando em seus discursos e conversas uma
linguagem que degrada a sexualidade. Do famoso vídeo com a cena do golden
shower, do Carnaval passado, a suas já famosas comparações da política com
relacionamentos, está banalizando a força que o sexo exerce na vida humana. E,
ao mesmo tempo, adere às consignas de sua ministra, a pastora evangélica
Damares, que advoga pelo exercício da castidade entre as jovens para não
ficarem grávidas antes da maturidade.
Se a Igreja já tentou legislar até sobre a posição em que os
casais deveriam fazer sexo somente para procriar, e chamou de “partes sujas” os
órgãos da reprodução, hoje a presidência de Bolsonaro nos acostumou a fazer
chacota sobre o assunto, como a de comparar suas relações com o Congresso com
dois casados que às vezes não se entendem, mas que “acabam dormindo juntos sob
os mesmo lençóis”. E sua maneira de tratar a nomeação da secretária da Cultura,
a atriz Regina Duarte, como sua “namorada” e a de dizer que como “o ato ainda
não foi consumado”, ainda pode deixá-la fora do poder.
Os maiores tiranos da história tiveram medo do sexo e o
ridicularizaram, talvez para exorcizá-lo. Lembro quando o general e ditador
Franco decidiu que as mulheres não podiam ir à praia de biquíni, já que isso
atentava contra a moralidade. Imediatamente surgiram as piadas e ironias. Um
guarda civil se aproximou de uma jovem estrangeira que tomava sol em uma praia
e lhe disse: “Senhorita, você não pode ficar aqui com um maiô de duas peças”. E
a jovem lhe respondeu com humor: “Então, seu guarda, me diga se prefere que eu
tire a parte de cima ou a de baixo”.
A Igreja também sempre teve medo da mulher, a eterna
tentadora, e de seus seios. Lembro que em uma viagem do papa Paulo VI a Uganda,
na África negra, ao aterrissar o avião o religioso era esperado por um grupo de
jovens mulheres para fazer uma dança ritual em sua homenagem. Na África as
mulheres costumam andar com os seios descobertos com toda a naturalidade, mas
os organizadores da viagem papal pensaram que não era de bom tom aquelas jovens
se apresentarem ao Papa com os seios descobertos e as obrigaram a colocar um
sutiã. Quando os fotógrafos se aproximavam elas cobriam com as mãos,
envergonhadas, não os seios e sim os sutiãs.
Esse problema não resolvido do poder com o sexo se deve a
que não existe nada mais machista do que ele. E essa é uma das grandes batalhas
da libertação da mulher realizada nesse momento no mundo. A mulher sabe que só
adquirirá o papel que lhe pertence na sociedade da mesma forma que o homem
quando o sexo deixar de ser um tabu e ela deixar de ser vista como objeto de
tentação e pecado. Nada dá mais medo hoje aos poderes políticos e religiosos do
que esse movimento de libertação dos gêneros. Que a sexualidade é livre como o
ar e o sol e ninguém, nem o poder religioso e o civil têm direitos sobre tal
liberdade. Os tabus sobre o sexo foram e continuam sendo criados pelo poder
masculino para submeter a mulher e os que ousarem fazer uso da liberdade de
gênero no exercício da sexualidade.
Exigir no século XXI que as jovens brasileiras abracem a
castidade por medo de ficar grávidas antes do tempo é ignorar que a fisiologia
e a natureza fizeram com que a mulher muito jovem já possa procriar para
assegurar-se o direito à prole e que hoje, no pior dos casos, existem
substitutivos à castidade para evitar gravidezes não desejadas.
Um teólogo da libertação colombiano me disse uma vez que é
curioso que a Igreja tenha criado o dogma da Imaculada Conceição para exaltar a
castidade já que, dessa forma, a virgem Maria pôde ficar grávida e ter Jesus
por obra e graça do Espírito Santo sem precisar fazer sexo. E me dizia: “Não há
maior desprezo pelo exercício da sexualidade, uma das forças motoras da
Humanidade sem a qual nenhum de nós existiria começando pelos Papas”.
Esse medo ancestral das igrejas à sexualidade também explica
o sacerdócio celibatário obrigatório e as pressões contra o papa Francisco, o
menos machista dos Papas da idade moderna, que não só começou a abrir no Sínodo
sobre a Amazônia a possibilidade de padres casados, como chegou a dizer que a
Igreja precisava com urgência de uma “nova teologia da mulher”, que seria o
último grande tabu da Igreja, como o é seu afastamento da hierarquia.
A guerra contra Francisco já está aberta. Das insinuações a
que talvez esteja com câncer de cérebro a que traiu o papado por não querer se
chamar Papa. Como os primeiros cristãos, de fato, preferiu desde o primeiro dia
se chamar simplesmente “bispo de Roma” e até renunciou aos palácios vaticanos para
morar no quarto de uma simples pensão para padres. Francisco é o primeiro Papa
que não só não vê a mulher como inimiga e tentadora e o sexo como pecado, como
acredita serem imprescindíveis para que a Igreja não fique fora da História.
Pode existir heresia maior?
Texto reproduzido do site brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário