Torcedores brasileiros na Rússia. EPSILON GETTY IMAGES
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 27 JUN 2018
“A Europa é mais triste que o Brasil”
Xosé Hermida, que deixa a direção da edição do El País
Brasil para assumir um cargo de responsabilidade na sede do jornal em Madri,
despede-se do país
Por Juan Arias
Xosé Hermida, que deixa a direção da edição do El País
Brasil para assumir um cargo de responsabilidade na sede do jornal em Madri,
passou por algo semelhante ao que aconteceu com seu antecessor, Antonio
Jiménez. Ambos chegaram a este país com alguma preocupação com seus mil
problemas sociais e políticos. “Não sabia, quando cheguei, se seria capaz de
inserir-me em uma realidade tão diferente da Europa e, ao mesmo tempo, tão
complexa”, confessou-me Jiménez ao despedir-se e acrescentou: “Hoje percebi,
quase de repente, que o Brasil me ensinou a ser feliz".
No domingo, Hermida também veio a Saquarema para despedir-se
de nós. Está ciente da responsabilidade que o aguarda na Espanha. No entanto,
com uma expressão visivelmente mais alegre do que quando chegou mais de um ano
atrás, como observou minha mulher, ele nos disse: “Não vou negar que estou
triste com a partida. Aqui tomei consciência de que, com todos os problemas e
dificuldades pelos quais os brasileiros passam, a Europa é mais triste que o
Brasil.”
O que impressiona meu colega é que descobriu que os
brasileiros sabem, entre suas raivas e dores, manter espaços de celebração e
alegria, algo que defendem como parte de sua identidade. “Nem os mais pobres
renunciam a essa dimensão”, diz ele, algo que também havia chocado, e até
contagiado, Jiménez.
Hermida está ciente do momento de desencanto e até de raiva
que vivem os brasileiros e de como é difícil interpretá-los sem cair nos
clichês. “No entanto, para mim, é inegável que eles sabem manejar melhor do que
nós, europeus, seus espaços lúdicos e sua capacidade de comunicação, o que os
vacina contra a solidão.”
Ele me conta uma de suas primeiras experiências de vida em
São Paulo. Estava fazendo uma viagem de ônibus para ir à praia. Um caminhão
fechou-os e bloqueou o tráfego. Tiveram que descer e esperar mais de uma hora
até que tudo se normalizasse para poderem continuar a viagem. “Vendo a atitude
das pessoas esperando tranquilas, sem desespero, notei o comportamento dos
brasileiros, tão diferente dos europeus, diante de uma situação de desconforto.
Pensei como teria sido diferente aquele percalço, por exemplo, na Espanha, onde
as irritações dos passageiros teriam se amontoado e cada um alegaria que aquela
parada havia arruinado seus planos. Haveria um coro de protesto.”
Ele ressalta que sabe muito bem que alguns podem criticar a
tranquilidade daqueles passageiros como resignação inútil. “No entanto, isso me
fez pensar que, pelo contrário, os europeus vivemos as frustrações com menor
capacidade de evitar que nos contaminem. Vi como mais sábia essa atitude dos
brasileiros. Entendi que não era passividade, mas uma capacidade de não se
amargar a vida inutilmente.”
Conversamos sobre a particularidade dos brasileiros de comunicação
mesmo entre estranhos, algo tão raro, se não impossível na Europa, onde cada um
prefere se fechar em seu castelo. Ele me contou que, na ida para o aeroporto
naquela manhã em São Paulo, o taxista era tão expansivo, com vontade de
continuar conversando com ele, que chegou a pedir seu telefone para manter
contato. “Você pode imaginar isso na Europa?”, disse ele.
Sua surpresa com a capacidade dos brasileiros de deixar você
entrar em sua vida e contar-lhe tudo me lembrou que, em uma das minhas
primeiras viagens a Madri depois de minhas primeiras experiências brasileiras,
quando contei a uma colega do jornal que, aqui, em uma loja ou esperando um
ônibus ou na rua, alguém pode começar a te contar sua vida com a maior
tranquilidade, ela reagiu assustada: “Que horror! Não quero que ninguém me
conte sua vida. Já me basta a minha!” Hermida, ao contrário, não só não se
incomodou com esse modo de vida expansivo dos brasileiros, como se impressionou
com ele, e com sua filosofia de que o trabalho, embora importante, não é o eixo
de suas vidas já que trabalham para viver mais do que viver para trabalhar.
“Sempre deixam espaços livres para sonhar.”
Hermida é um bom analista político e pergunto-lhe o que ele
acredita ser o problema central que aflige este país. Não hesitou em responder:
“A chave de tudo é a imensa desigualdade da sociedade quase dividida em castas,
onde uns poucos acumulam privilégios que ofendem a maioria que precisa lutar
para sobreviver.” E acrescenta: “Eu sei que o problema que mais aflige os brasileiros
hoje talvez seja a violência, a falta de segurança, o que pode explicar o
fenômeno preocupante do ultradireitista Bolsonaro. Mas não. O drama do Brasil
continua sendo principalmente a perpetuação dessa desigualdade social produzida
pelo desinteresse dos Governos de oferecer uma educação de qualidade que seja
capaz de dar a todos as mesmas oportunidades de progredir na vida.”
Como Antonio ao se despedir, Xosé também me garante: “Juan,
eu volto. Prometo.” E observando a praia de Saquarema, um luxo no início deste
inverno morno, observa: “Ah, a beleza, o clima e as pessoas deste país!” Talvez
estivesse pensando que em Madri o espera um termômetro que pode marcar 45 graus
à sombra e talvez menos pessoas do que aqui interessadas em conhecer sua vida.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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