Tabata Amaral de Pontes - Em Harvard, egressa de escola pública
estudou as relações entre educação e política no Brasil
Publicado originalmente no site da revista Carta Capital, em 13/12/2016
Entrevista - Tábata Amaral de Pontes
"A educação é a arma mais poderosa do mundo"
Por Marcos de Aguiar Villas-Bôas
Oriunda da escola pública, jovem obtém bolsa em Harvard e
hoje trabalha para mudar a educação brasileira
Com apenas 23 anos, Tábata Amaral de Pontes é fundadora e
gestora do movimento Mapa Educação. A sua história é, porém, muito mais
espetacular do que esse fato.
De uma família humilde da periferia de São Paulo, Tábata
ganhou inúmeros prêmios em competições estudantis e chegou à graduação da
Universidade de Harvard, onde apresentou tese de conclusão sobre a relação
entre política e educação no Brasil.
Tábata conta como a sua história e da sua família provam que
o oferecimento de oportunidades mais similares a toda a população, sobretudo no
que toca à educação, é fundamental para tornar o Brasil um país desenvolvido no
futuro.
Com esse objetivo, ela elaborou sua tese em Harvard e criou
o Mapa Educação, ambos explicados na entrevista abaixo.
CartaCapital: Você poderia explicar a relação entre sua tese
e sua trajetória?
Tábata Pontes: A minha tese de graduação em Harvard teve
como tema “The Politics of Education Reform in Brazilian Municipalities” (“Uma
análise política da implementação de reformas educacionais em municípios
brasileiros”).
A pesquisa tem grande relação com a minha trajetória. Eu
venho de família humilde, meu pai não completou o Ensino Fundamental e minha
mãe só completou o Ensino Médio há alguns anos, mas eles sempre valorizaram a
educação e fizeram o impossível para que eu e meu irmão pudéssemos nos dedicar
aos estudos.
A minha primeira grande oportunidade educacional veio com a
1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) na 5ª série,
primeira demonstração do impacto positivo que boas políticas públicas podem ter
na vida de milhões de pessoas. Fui premiada na OBMEP na 5ª e na 6ª série, o que
me levou a receber uma bolsa completa de estudos em uma escola privada de
altíssima qualidade em São Paulo.
Eu moro na periferia de São Paulo e o Etapa fica no centro
da cidade. Essa segunda grande oportunidade mostrou como o Brasil é marcado
pelas desigualdades e como dois mundos completamente diferentes podem estar a
uma hora e vinte minutos de distância de ônibus e metrô.
CC: Como isso aconteceu?
TP: O meu pai era cobrador de ônibus de uma linha que ia do
nosso bairro, Vila Missionária, até o Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo. A
minha mãe também já tinha trabalhado no centro da cidade como diarista e
vendedora.
No entanto, o primeiro contato real com a desigualdade
brasileira veio na vivência da enorme diferença da qualidade de ensino entre a
escola estadual e o Etapa.
Ficou clara a baixa qualidade das escolas públicas que
estava alimentando a grande desigualdade socioeconômica do Brasil. Ficou claro
também que só a educação é capaz de transformar a vida das pessoas permitindo
sonhar e realizar.
Após estudar muito, no segundo ano do Médio, cheguei à
primeira competição internacional representando o Brasil na Olimpíada
Internacional de Astronomia e Astrofísica na China. Nessa época consegui uma
bolsa para estudar inglês com a ajuda de amigos e da escola.
Foi também nessa época que alguns problemas familiares
pioraram. Meu pai começou a desenvolver algumas doenças psicológicas e seus
vícios pioraram. A situação financeira da família piorou muito e já não era
possível pagar as minhas passagens de ônibus e metrô para a escola, nem o
lanche.
Ao explicar a situação para um professor, o diretor da
escola entrou em contato com minha mãe e, a partir do dia seguinte, eu fiquei
alojada em um hotel perto da escola durante a semana e o colégio foi o
responsável pelos gastos.
Para aguentar firme essa fase, foquei mais nos estudos e no
Projeto VOA! – Vontade Olímpica de Aprender, que havia fundado com alguns
amigos logo antes de começar o ensino médio. O objetivo do projeto é preparar
nos finais de semana alunos de escolas públicas para olimpíadas científicas.
No Ensino Médio, representei o Brasil em cinco competições
internacionais, conhecendo a China, a Turquia e a Polônia. Começaram, então, os
processos seletivos desafiadores de universidades brasileiras e americanas.
CC: Como foi essa fase e a chegada a Harvard?
TP: Fui aprovada em Física na USP e comecei a trabalhar como
professora de astronomia e química enquanto cursava a faculdade. No dia 8 de
março de 2012, recebi a melhor notícia da minha vida: havia sido aprovada na
Universidade de Harvard com bolsa completa.
Mas, a vida é uma montanha russa e, quatro dias depois, os
vícios de meu pai o levaram a óbito. A vida deixou de fazer sentido e, com
minha mãe desempregada, saí da faculdade. Decidi que já não me importava com as
universidades americanas e que precisava continuar trabalhando.
Foi nesse momento que, de novo, alguém acreditou em mim. Uma
funcionária e grande amiga do colégio comprou uma passagem para que eu
visitasse as seis universidades pelas quais havia sido aceita com bolsa
completa e entendesse a dimensão da minha decisão.
Às pressas, visitei as universidades e me encantei. Tudo
aquilo era tão diferente do que havia visto e tão maravilhoso que decidi seguir
o sonho de estudar nos Estados Unidos para, assim, mudar a vida da minha
família. No dia 1o de maio de 2012, escolhi a Universidade de Harvard.
Desde então, muitas coisas aconteceram, como a mudança de
curso para Ciências Políticas, tendo Astrofísica se tornado o curso secundário,
e o drama sofrido pelo meu irmão.
CC: O que aconteceu com ele?
TP: Allan é um ano mais novo do que eu e estudou a vida
inteira em escolas públicas. Mesmo em São Paulo, nunca teve uma aula de Química
sequer, então não houve surpresa quando não foi aprovado em nenhum vestibular
no fim do Ensino Médio.
Mesmo que tivesse conseguido uma bolsa em cursinho, ele
achava que faculdade boa era coisa de gênio ou rico, e não queria nem tentar,
para trabalhar e ajudar em casa.
Tem coisa mais sem cabimento do que eu estudar em uma das
melhores faculdades do mundo e meu irmão parar no Ensino Médio? Depois de muita
discussão, Allan aceitou fazer o cursinho e foi aprovado depois de apenas um
ano no curso de Sistemas da Informação na Unicamp, uma das melhores faculdades
do país, o que me dá muito orgulho.
A história dele é um bom lembrete de que os brasileiros,
como sociedade, culpam demais os alunos e esquecem que o esforço é apenas o
terceiro de três ingredientes muito importantes: acesso a oportunidades, crença
de ser merecedor da oportunidade e, por fim, esforço.
Depois dessas experiências, decidi que meu novo sonho era
fazer o Brasil ter a melhor educação pública do mundo e que lutaria durante
toda a vida para alcançar esse sonho e para que outros jovens tivessem acesso
às oportunidades incríveis que tive.
Nesse período, um mentor disse duas coisas que me marcaram
muito. Primeiro, todas as pessoas que causavam impacto de verdade não esperavam
o fim da faculdade para começar. Segundo, um time muito bom era mais importante
do que uma ideia genial. Foi, então, que convidei dois grandes amigos, Lígia e
Renan, para fazerem acontecer o projeto do Mapa Educação.
CC: O que é o Mapa Educação e qual a relação com sua tese?
TP: O Mapa é um movimento social que conta com mais de 130
jovens no time, cuja missão é lutar por uma educação de qualidade para todos os
brasileiros, fazendo do jovem o protagonista dessa mudança. Para isso, queremos
ser referência na fiscalização de políticas e no debate educacional para tornar
a educação, de fato, uma prioridade na agenda nacional.
A trajetória e a experiência com o Mapa me ensinaram que a
educação é de fato a arma mais poderosa para mudar o mundo, como disse Nelson
Mandela, e para transformar as pessoas. Foi para entender melhor a relação
entre política e educação no Brasil que adotei esse tema na minha tese nos dois
últimos anos da faculdade.
Além da minha trajetória até o Mapa Educação, o caso de
Sobral, no Ceará, foi um grande motivador da tese. Sobral tem hoje uma das
melhores educações públicas do Brasil, tendo vivido uma revolução nos seus
resultados entre 2005 e 2013.
Para entender isso melhor, fiz um estágio na Secretaria de
Educação do município em 2014. Esse estágio mostrou que o contexto político
havia sido fundamental para a transformação da educação e inspirou muitas das
hipóteses levantadas pela minha pesquisa.
CC: De que maneira?
TP: O acesso à educação no Brasil se expandiu enormemente
nas últimas duas décadas, como resultado de reformas educacionais no nível
federal. No entanto, a qualidade da educação no país permanece muito baixa
pelos padrões internacionais.
Olhando para a América Latina como um todo, os países têm em
sua maioria feito progressos importantes no acesso e prestação de assistência
social. No entanto, a educação permanece de muito baixa qualidade na região.
No meio disso tudo, há casos como Sobral e Foz do Iguaçu,
nos quais grupos políticos resolveram reformar seus sistemas educacionais.
A expressão em inglês “playing a bad hand badly” é utilizada
quando tanto o contexto quanto as escolhas feitas contribuem para uma baixa
performance. E esse parece ser exatamente o caso da educação brasileira, como
dito pela pesquisadora Nancy Birdsall.
CC: Como assim?
TP: O Brasil está passando por uma crescente municipalização
de sua educação pública básica. Isso significa que, cada vez mais, os 5.570
munícipios – em sua grande maioria pobres e com pequenas populações – são
responsáveis pelos fundamentos da educação pública.
Além disso, há uma grande fraqueza política de grupos de
interesse e uma baixa demanda por parte da população e do setor privado pela
melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Isso faz com que se
dependa muito do interesse dos grupos políticos de implementar reformas
educacionais.
Para complicar a situação, reformas educacionais,
especialmente as que envolvem a despolitização da educação, são politicamente
difíceis, pois impõem custos sobre um grupo pequeno de pessoas poderosas,
apesar de que suas consequências beneficiariam um grupo grande de pessoas,
tornando sua implementação pouco provável.
CC: Quais as conclusões da sua tese? Como mudar o contexto
brasileiro?
TP: Um exemplo de reforma politicamente difícil é a
profissionalização das secretarias municipais de educação. Isso significa
distanciar os funcionários da secretaria e a política partidária, selecionando
seus membros com base em habilidades técnicas – em vez de alianças políticas –,
e estabelecer uma cultura de trabalho que dependa de metas claras para
resultados educacionais.
Um segundo exemplo de reforma consiste em mudar o processo
de seleção dos diretores escolares, utilizando critérios meritocráticos ou
eleições da comunidade. Na grande maioria dos municípios brasileiros, o diretor
escolar é escolhido por indicação política.
Como a educação pública é um grande empregador na maioria
dos municípios brasileiros e uma fonte importante de receita devido a fundos
federais como o FUNDEB, grupos políticos têm fortes incentivos para usar os
empregos e recursos da educação pública de forma a recompensar apoiadores.
Ao profissionalizar a secretaria de educação ou reformar o
processo de seleção dos diretores, os líderes políticos renunciam a uma série
de empregos públicos de prestígio e diminuem seus controles sobre os fundos da
educação.
Devido às dificuldades práticas de mensurar o grau de
profissionalização de 5.570 secretarias municipais de educação, a minha
pesquisa focou no processo pelo qual os diretores são selecionados.
A tese baseia-se em um conjunto original de dados dos
municípios brasileiros e trabalho de campo em sete deles para explicar a
variação dos resultados educacionais no nível municipal.
Um dos resultados é que as reformas educacionais são mais
prováveis de serem introduzidas sob a administração de um partido
programático – com pautas e programas claros – e sustentadas e bem sucedidas
quando há continuidade política no governo municipal.
Além do mais, contrariamente às expectativas, a competição
política não afeta a implementação de reformas educacionais politicamente
difíceis, porém níveis mais altos de competição eleitoral têm efeitos negativos
sobre os resultados educacionais nos municípios de baixa população.
CC: Como a luta política interfere na educação?
TP: Os meus estudos de caso confirmam os mecanismos que
proponho, a saber, que a luta pelo poder entre os diferentes partidos políticos
pode transbordar para o sistema escolar.
Isso parece ser especialmente verdade nos municípios
menores, nos quais os resultados das eleições municipais têm uma grande
influência sobre a vida escolar.
Níveis de competição mais altos polarizam funcionários
escolares, criando conflitos entre os apoiadores de diferentes partidos e até
predispondo os funcionários das escolas municipais que apoiam a oposição a
sabotar a administração incumbente, sendo menos colaborativos e tendo um
desempenho inferior.
Ficou muito claro o impacto que políticas públicas têm sobre
a qualidade da educação. E é por isso que um dos meus sonhos e missões é ser
uma gestora pública, sendo parte de grandes mudanças no sistema educacional
brasileiro.
Texto e imagem reproduzidos do site: cartacapital.com.br
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