O jornalista Reinaldo Azevedo (Arte Andreia Freire)
Publicado originalmente no site da revista CULT, em 25 de Maio de 2018
Reinaldo Azevedo e a direita
Por Wilson Gomes
Desde 2009, quando comecei a acompanhar uma amostra com os
perfis conservadores mais influentes em ambientes digitais, havia calibrado a
minha regra de maneira que Reinaldo Azevedo representasse o posto mais avançado
da direita conservadora ativa online. À direita de Reinaldo já se estava fora
do alcance da democracia, no setor que eu chamo dos “feios, sujos &
malvados”, em que funciona uma direita adversária dos Direitos Humanos e de
minorias, racista, militante homofóbica, misógina e machista, tudo isso
combinado ou segundo a própria especialização. Era o lugar de figuras como
Malafaia, Feliciano, Marisa Lobo, Bolsonaro e crias. Por anos, isto deu certo e
consegui localizar direitinho os perfis que eu acompanhava.
Em 2014, as coisas começaram a mudar. Comecei a notar que
alguns dos perfis que corriam na “faixa Reinaldo Azevedo” começaram a ir ainda
mais para a direita. Olavo de Carvalho e os seus pupilos, Moura Brasil e
Rodrigo Constantino, foram os primeiros, seguidos por Lobão, Roger Moreira,
Rachel Sheherazade e, enfim, Joice Hasselmann.
Mesmo as startups da direita digital com nomes de fantasia como MBL,
Revoltados Online, Vem pra Rua, et caterva, que surgiram depois de junho de
2013, todos o foram ultrapassando em direitismo e conservadorismo. Por fim, até
perfis recém-instalados na condição de influenciadores digitais, como Ana Paula
do Vôlei e Alexandre Garcia, já chegaram fincando suas bandeiras em territórios
em que o Tio Rei não havia ousado pisar ou para onde não quis ir.
Na verdade, foi em 2017 que a Fronteira Azevedo perdeu o
sentido para a minha calibragem. Para o gosto dos conservadores de direita,
Reinaldo Azevedo já não era radical o suficiente, nem feroz antipetista de
forma satisfatória, nem furioso o bastante para os apetites da matilha
ultraconservadora, que vagou à procura de um líder e farol, entre Marco
Feliciano e Eduardo Cunha, até encontrar em Jair Bolsonaro o seu campeão. Para
estes, o Tio Rei começou a hesitar nos linchamentos, a fazer distinções demais,
a reivindicar coisas estranhas como devido processo legal e estado de Direito
para a “bandidagem”, a insistir demais em cobrar imparcialidade de juízes e
membros do MP. Por fim, principiou a teimar em dizer, mais do que seria
razoável para manter a paixão dos reacionários, que era mais liberal que
conservador. Com isso, acabou praticamente proscrito da horda dos caminhantes
brancos que trazem o profundo inverno.
A tensão nas hostes da direita chegou a tal ponto que
Azevedo acabou “saindo na mão”, em bases cotidianas, menos com petistas, com
defensores de Direitos Humanos e com outros igualitaristas e esquerdistas, como
costumava fazer até 2016, e mais com olavos e olavetes, bolsominions, Kim
Kataguiri (quem não?), a própria Hasselman e brutos assemelhados. Por fim,
Reinaldo tem a sua demissão aceita por Veja, por muitos anos o espaço coroado
mais à direta dos comentaristas políticos alfabetizados. Assim, “Era uma vez o
Rei do blog de direita”, “Vida longa aos novos reacionários do YouTube, do
Facebook e da Jovem Pan!”. Só que não.
Não é que Reinaldo Azevedo tenha acabado e este seja o seu
epitáfio. Não se trata disso. Se caiu, o moço caiu foi para cima, como se diz.
De repente, em tempos de extrema política judicial e não menos intensa
judicialização da política, viu-se transformado no grande jurisconsulto
brasileiro, cujo autoconferido saber jurídico, aliado ao vastíssimo
conhecimento em Filosofia Política, canções sentimentais e fatos da vida, lhe
autoriza a passar descomposturas embaraçosas em Cármen Lúcia e a tratar como
“vagabundos ignorantes” 2/3 do STF. Sem falar em juízes, de primeira e segunda
instância, e promotores, lavajatistas ou não. Fora Gilmar Mendes, claro, vez
que Gilmar é um “garantista”, como ele, o Grande Reinaldo.
Além disso, agora, entre performances de bolero, comentários
políticos, editoriais lacradores e exibição de acachapante cultura, Azevedo
pontifica nas tardes da Band News FM, provendo a dieta política necessária de
que se nutre a Pauliceia (e outras Coxinhópolis brasileiras) nos longos
engarrafamentos de volta para casa. Consta até que, segundo as más línguas,
tornou-se ultimamente o único aconchego na “grande mídia” dos lulistas tatuados
que querem ouvir uns desagravos em face dos abusos da República dos Juízes
Superpoderosos ou, para ser mais simples, desejam ver alguém dizer uns
desaforos na cara de Sua Eminência Intocabilíssima juiz Sérgio Moro. Essas
coisas que só o Grande Reinaldo pode de fato proporcionar, inclusive agradando,
ao mesmo, por improvável que pareça, lulistas e temeristas. Não, meus amigos, o
Tio Rei continua vivo e ainda cavalga.
Há quem assevere que Reinaldo Azevedo se tornou o membro
mais ferrenho da seita garantista em direito penal e que, portanto, esperneie
toda a tarde para reivindicar a delimitação do poder punitivo do Estado, não
para ser justo com Lula nem por ser um homem de rígidos e consequentes
princípios liberais e de fé fundamentalista na legalidade estrita, mas tão
somente, sabe-se lá a razão disto, por ser o derradeiro crente no valor de
Michel Miguel Temer como governante. Os mais maldosos chegam a jurar que
Azevedo está para Temer como a Velhinha de Taubaté, de Veríssimo, esteve para
João Baptista Figueiredo: a última pessoa no Brasil a acreditar no governo. E o
último a defender a quimera do legado do presidente reinante, tão elevado que
nem o titular do mandato teve coragem de ir defendê-lo pessoalmente na arena
eleitoral este ano.
A minha questão, portanto, não é o fim de Reinaldo Azevedo,
mesmo porque o moço nunca esteve tão gordo e rosado. O problema é que a métrica
que calibrava a direita extrema a partir do Tio Rei ficou completamente
obsoleta desde 2017. O Brasil foi muito mais à direita, nos últimos anos. Foi
tanto à direita que a antiga direita mais extrema foi superada, de muito, por
uma direita ainda mais distante. Aquela direita alfabetizada e articulada, que
se conservava no espectro do republicanismo e com a qual ainda se podia
conversar, por partilhar vocabulário e princípios comuns à cultura democrática,
foi sendo deixada para trás por uma direita que não foi apresentada a noções
mínimas, nem diria de Democracia e República, mas do próprio Liberalismo
Político.
No que tange à clivagem moral, dá-se praticamente o mesmo.
Aquele conservadorismo ainda civilizado e argumentativo, que buscava acomodar o
seu sentimento de decadência do mundo e de corrupção dos costumes com algum
apreço pela vida democrática, crescentemente vem cedendo lugar a um
reacionarismo tosco, que tem horror ao sexo, é dogmático, irracional,
anti-intelectual e sombrio. Na guerra cultural de que se sentem combatentes,
não aceitam sequer divergir, com civilidade, dos valores da cultura liberal que
os cerca; querem mesmo é a sua erradicação. E não é que ignorem os valores do
Iluminismo que explicam a sociedade que nos tornamos no âmbito dos valores. Na
verdade, nem mesmo o lastro clássico de noções do Humanismo parece lhes estar
ao horizonte.
Reinaldo Azevedo, a rigor, está onde sempre esteve. Os
conservadores brasileiros de direita é que o deixaram muito para trás. Isso,
sim, me dá o que pensar.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistacult.uol.com.br
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